Relativamente à Alegria
Artigo Nº 19, 1986
A Mishna diz (Taanit, 26): “A partir do início de Av, diminuímos a alegria. A partir do início de Adar, aumentamos a alegria. Se ele está a deliberar com idólatras, que faça o julgamento em Adar.” Devemos compreender o significado de aumentar a alegria e diminuir a alegria. Afinal, a alegria é o resultado de alguma razão que lhe trouxe alegria, e só podemos diminuir ou aumentar as razões. Portanto, devemos saber qual razão nos trará alegria.
Os nossos sábios, que nos disseram para aumentar a alegria, referiam-se à alegria de Kedusha [santidade]. Assim, devemos considerar a que razão indicaram que devemos referir-nos para que nos traga a alegria de Kedusha. Devemos também compreender o que disseram: “Se ele está a deliberar com idólatras, que faça o julgamento em Adar.” Afinal, estamos na terra de Israel, e há várias cidades onde não há sequer um gentio. E mesmo que encontremos um gentio na cidade, que deliberação deveria haver com ele?
Parece que julgar os idólatras em Adar é um costume perpétuo e não uma questão coincidental. Ou seja, se houver um acontecimento raro em que Israel delibere com um gentio, ele irá julgá-lo no mês de Adar. Portanto, precisamos de compreender a que idólatras se referem com os quais estão a deliberar.
Vemos que há uma ordem de duas formas nas nossas orações: 1) uma ordem de cânticos e louvores ao Criador, 2) uma ordem de preces e ladainhas. Vemos também que as duas são opostas. Isto porque, naturalmente, quando alguém pede a um amigo que lhe dê algo, a medida do pedido depende da medida da sua necessidade por isso. Se aquilo que está a pedir ao amigo for algo que toque o seu coração e seja necessário, na medida da necessidade da questão, ele tenta fazer tudo o que pode para obter o que procura.
Assim, quando a pessoa ora ao Criador para que conceda o seu desejo, deve garantir que a sua oração venha do fundo do coração, ou seja, sentir a sua carência. Na medida do que sente, a sua oração pode ser mais sincera. Assim, a sua oração não será da boca para fora, mas sim, do fundo do coração.
Para sentir a sua carência, ele deve ver a verdade, perceber que tem uma grande carência e que é um Kli [vaso] vazio no que diz respeito a questões de Kedusha. Quando sente que é a pior pessoa do mundo, pode dizer que a sua oração é honesta, porque sente que a sua carência é a maior do mundo e não há ninguém como ele.
Em oposição a isso está o segundo discernimento na ordem da nossa oração, ou seja, salmos, cânticos e louvores. Vemos que, geralmente, a quantidade de gratidão que alguém dá a outro é medida pelo benefício que recebeu do seu amigo. Por exemplo, quando alguém ajuda outro a obter algo pequeno que precisava, a gratidão também é pequena.
Mas vemos que, se alguém dá a outro um emprego quando os empregos são difíceis de encontrar, ele está desempregado há meses, está endividado na mercearia, e o dono da mercearia já lhe disse que tem de parar de lhe vender mantimentos, ele desistiu de procurar empréstimos para prover as suas necessidades, e de repente encontra uma pessoa a quem queria pedir um empréstimo, mas essa pessoa oferece-lhe um emprego com boas condições e diz-lhe: “Por que procurar empréstimos? Vou dar-te um emprego. Ouvi dizer que és confiável, então, embora eu tenha muitos trabalhadores, não tenho ninguém em quem possa confiar. Vou pagar-te bem para que possas pagar as tuas dívidas rapidamente, então por que precisarias de um empréstimo meu?”
Podemos imaginar a gratidão que ele daria a essa pessoa. Não precisa de lhe agradecer verbalmente, porque todo o seu corpo lhe agradece, como está escrito: “Todos os meus ossos dirão.” Se imaginarmos uma pessoa que foi condenada a prisão perpétua, e outra pessoa veio e libertou-a, que gratidão dariam todos os seus órgãos ao seu salvador?
Por conseguinte, se alguém deseja oferecer um louvor grandioso ao Criador, de modo que se torne como “Todos os meus ossos dirão, ‘Senhor, quem é como Tu, que livras o aflito daquele que é demasiado forte para ele’”, então deve imaginar-se como a pessoa mais feliz do mundo, se deseja oferecer um grande louvor ao Criador. Caso contrário, se sentir que ainda lhe falta algo, que deseja que o Criador o ajude, então a gratidão que oferece ao Criador não será como “Todos os meus ossos dirão.”
Portanto, vemos dois opostos completos na ordem da nossa oração, o que trás a pergunta: “O que pode alguém fazer quando vê que são tão distantes um do outro?” Normalmente, vemos a oposição em muitas coisas. Um exemplo é a ordem das luzes que iluminam nos Kelim [vasos]. Sabemos que há uma relação inversa entre Kelim e luzes. Nos Kelim, os vasos grandes e purificados aparecem primeiro. Ou seja, Keter aparece primeiro e a Sefira Malchut aparece por último. Nas luzes, é o oposto: as pequenas aparecem primeiro: primeiro Malchut, e por fim Keter. Sabemos que, quando falamos da perspectiva dos Kelim, dizemos que a ordem é KHB ZON, e quando falamos da perspectiva das luzes, dizemos que a ordem é NRNHY.
Outro exemplo é que Baal HaSulam disse que vemos oposição na ordem do trabalho do homem. Por um lado, os nossos sábios disseram (Avot, Capítulo 4): “Sê muito, muito humilde.” Por outro lado, disseram: “E o seu coração era elevado nos caminhos do Senhor.” Ou seja, se ele realmente se humilha perante todos e cada um, não conseguirá superar aqueles que troçam do seu caminhar no caminho do Criador, uma vez que se humilha perante todos. Em vez disso, nesse momento, ele deve dizer: “E o seu coração era elevado nos caminhos do Senhor.” Ou seja, não deve deixar-se impressionar por ninguém que lhe diga: “Este trabalho que assumiste sobre ti é adequado a pessoas habilidosas e corajosas, acostumadas a superar obstáculos e que receberam uma boa educação. Ou seja, desde pequenas foram habituadas a dar ao trabalho do Criador a importância primordial. Mas tu não és assim. Deverias contentar-te em ser um proprietário importante, ou seja, assegurar que os teus filhos aprendam Torá e o trabalho do Criador, e então serás um proprietário importante e as tuas filhas casarão com discípulos da Torá. Não é apropriado para ti, homem de meia-idade, começar a caminhar no caminho do trabalho que leva à Torá Lishma [por Seu Benefício], e completamente não por benefício próprio. Sai desse caminho e não anseies por assuntos para além do teu nível.”
Nessa altura, ele não tem escolha senão não se deixar impressionar por eles e cumprir as palavras dos nossos sábios: “Que não se envergonhe perante os escarnecedores.” Portanto ele deve seguir o caminho do orgulho. Mas, por outro lado, deve manter “Sê muito, muito humilde.” Contudo, segundo a regra, “Não há dois opostos num único portador,” como podem ambos estar numa só pessoa? Há muitos outros exemplos de dois opostos no trabalho do Criador, mas pode haver dois opostos num único portador em dois tempos, ou seja, um de cada vez.
A raiz da questão é como está escrito na “Introdução ao Livro do Zohar” (itens 10-11): “Como é possível que a estrutura da impureza e das Klipot [cascas] tenha origem na Sua santidade, uma vez que está no extremo oposto da Sua santidade?”
Ele diz ali: “Este desejo de receber, que é a própria essência das almas pela criação, é Tuma’a [impureza] e Klipot. Isto porque a disparidade de forma neles os separaria d’Ele. E para corrigir essa separação, que reside no Kli [vaso] das almas, Ele criou todos os mundos e separou-os em dois sistemas, que são os quatro mundos ABYA de Kedusha, e opostos a eles os quatro mundos ABYA de Tuma’a. Ele imprimiu o desejo de doar no sistema de ABYA de Kedusha, removeu deles o desejo de receber para si próprios, e colocou-o no sistema de ABYA de Tuma’a.”
Ele também diz ali: “Como serão corrigidas essas duas coisas, que são opostas em forma uma da outra? Por esta razão, a realidade deste mundo corpóreo foi criada, ou seja, um lugar onde há um corpo e uma alma, e um tempo de corrupção e um tempo de correção. Para o corpo, que é o desejo de receber para si próprio, expande-se da sua raiz, no Pensamento da Criação, através do sistema dos mundos de Tuma’a, e permanece sob a autoridade desse sistema pelos primeiros treze anos. Este é o tempo de corrupção. Depois, começa o tempo de correção, que é após os treze anos. Ao envolver-se em Torá e Mitzvot [mandamentos/boas ações], quando se envolve para doar contentamento ao seu Criador, ele começa a purificar o desejo de receber para si próprio impresso nele, e lentamente transforma-o para ser para a doação.”
Conclui-se que, assim que a criatura é criada, ela consiste em dois opostos: 1) vasos de receção, 2) vasos de doação. Não há maior oposição do que esta. Esses dois opostos vêm num único portador, mas um de cada vez, e parece que há uma linha do meio que contém ambos: 1) o desejo de receber, 2) o desejo de doar.
A linha média contém ambos quando o desejo de receber está incluído no desejo de doar, chamado “receber para doar.” Por conseguinte as duas forças estão incluídas nesta linha do meio, ou seja, receção e doação juntas.
Assim, a resposta à nossa pergunta, “Como pode haver, no trabalho do homem, plenitude completa e carência em absoluta inferioridade, no mesmo portador?” é que isso pode ser em dois tempos. Ou seja, é necessário dividir a ordem do trabalho de cada um em duas formas: 1) Uma forma será pelo caminho da “direita”, chamado “plenitude”. Isto porque, quando alguém começa a virar, deve primeiro virar para a direita, chamada “plenitude”, e depois para a esquerda. É assim porque o homem só pode caminhar especificamente com duas pernas, enquanto com uma perna não se pode falar de caminhar.
“Direita” significa plenitude porque, quando alguém vem para assumir sobre si o trabalho do Criador, a ordem é que deve assumir o fardo do reino dos céus “como um boi ao jugo e como um burro à carga.” O “boi” refere-se ao intelecto, chamado “boi”, do versículo: “Que o boi conheça o seu dono”, referindo-se à fé acima da razão.
Um “burro” refere-se ao coração, chamado “burro”, como em: “e um burro, o berço do seu mestre,” referindo-se ao amor-próprio. Portanto, quando diz: “trabalhar para doar contentamento ao seu Criador”, ele considera isso como uma carga, que quer sempre lançar para fora dos seus ombros. Está sempre a procurar o que pode comer deste trabalho, ou seja, que prazer o seu desejo de receber pode extrair.
Quando assume sobre si este trabalho, ele diz: “Devo ver por mim próprio, ou seja, verificar sempre se não estou a enganar-me a mim próprio de que estou no caminho certo, que é o apropriado, ou seja, cumprir a Torá e as Mitzvot por causa do mandamento do Criador e não por quaisquer outras razões. Contudo, estou a cumprir as palavras dos nossos sábios, que disseram: ‘A pessoa deve sempre envolver-se em Torá e Mitzvot, mesmo que seja Lo Lishma [não pelo Seu benefício], pois de Lo Lishma ela chegará a Lishma [pelo Seu Benefício].’ Assim, por que deveria pensar se estou a cumprir Torá e Mitzvot com todas as intenções para que tudo seja para o benefício do Criador?
“Contudo, tenho um grande privilégio que o Criador me deu um pensamento e desejo de cumprir algo em Torá e Mitzvot. Segundo a regra, com algo importante não consideramos a quantidade, mas a qualidade. Pelo contrário, mesmo que seja uma pequena quantidade, se a qualidade é o que importa, algo pequeno de alta qualidade é muito importante. Por esta razão, uma vez que o Criador nos ordenou através de Moisés para cumprir a Torá e as Mitzvot, não me importo com quanto posso cumpri-lo. Pelo contrário, mesmo que tenha as piores e mais vis intenções, na ação eu cumpro tanto quanto o meu corpo permite.
“E embora eu seja incapaz de superar os desejos do corpo, ainda estou feliz por pelo menos ter a força para cumprir os mandamentos do Criador de alguma forma, porque acredito que tudo vem da Providência. Ou seja, o Criador deu-me o desejo e a força para cumprir Torá e Mitzvot, e agradeço-Lhe por isso, pois vejo que nem todos receberam este privilégio de cumprir as Mitzvot do Criador.” Ele deve dizer que não pode sequer avaliar a grandeza e a importância de cumprir o mandamento do Criador, mesmo sem qualquer intenção.
Podemos compará-lo a uma criança que não quer comer, que não tira prazer de comer, pelo que os pais a obrigam a comer, quer ela queira ou não. E embora a criança não tenha prazer, no final, mesmo por coerção, isso também a beneficia, para que possa viver e crescer. Contudo, certamente seria melhor se a criança quisesse comer por si própria, ou seja, se desfrutasse da comida. Mas mesmo sem prazer e completamente por coerção, isso ainda beneficia a criança.
Devemos dizer o mesmo em relação ao serviço ao Criador. Mesmo a cumprir Torá e Mitzvot por coerção, ou seja, forçamo-nos a cumprir e os nossos corpos resistem a qualquer coisa que seja de Kedusha [santidade], ainda assim, o ato que ele realiza faz o seu efeito, e por isso ele pode chegar a um estado em que tem desejo de cumprir. Nessa altura, todas as coisas que fez não foram em vão. Pelo contrário, tudo o que fez entra em Kedusha.
Podemos interpretar isto com o que os nossos sábios disseram sobre o versículo: “Ele vai sacrificá-lo perante o Senhor segundo a sua vontade” (Arachin, 21). “Os nossos sábios disseram: ‘Sacrificá-lo’ indica que ele é forçado. Mas está escrito, ‘segundo a sua vontade.’ Como é isto? Ele é forçado até dizer, ‘Eu quero’.”
Isto significa que as palavras “perante o Senhor, segundo a sua vontade” intrigaram os nossos sábios. Significa que tudo o que ele faz no que diz respeito a aproximar-se do Criador não é considerado um ato se ele não quiser trabalhar para o Criador, o que é chamado “segundo a vontade do Senhor”. Em vez disso, essa pessoa ainda é incapaz de fazer coisas para beneficiar o Criador, o que significa que as suas ações são inúteis, como se nada tivesse feito, porque ainda não estão de acordo com a vontade do Criador.
Contudo, está escrito: “Ele vai sacrificá-lo”. Isso significa que ele é forçado, ou seja, mesmo por coerção. Isto é, quando ele não quer trabalhar para o Criador, ainda é chamado “sacrifício”. Mas isto é intrigante, uma vez que ele não quer sacrificar a oferta ao Criador, pelo que o início do versículo contradiz o seu fim.
Sobre isto, eles disseram: “Ele é forçado até dizer, ‘Eu quero’”. Ou seja, isto segue a regra que os nossos sábios disseram: “A pessoa deve sempre envolver-se em Torá e Mitzvot mesmo Lo Lishma, pois de Lo Lishma chega a Lishma” (Pesachim 50b). Isto significa que, ao subjugar-se a si próprio cada vez, embora o corpo não concorde em trabalhar para o Criador, porque onde não vê benefício próprio não consegue fazer nada.
Ainda assim, ele não presta atenção às queixas do corpo e diz ao seu corpo: “Deves saber que, mesmo forçado, estás a cumprir os mandamentos do Criador. Não te ajudará resistir ao trabalho. Diz-se que as Mitzvot práticas têm o poder de levar alguém a Lishma.” Este é o significado de “Ele é forçado”, ou seja, ele força-se a si próprio e não ouve qualquer lógica ou razão que o corpo tenta explicar-lhe, mas diz-lhe: “No final, ele alcançará Lishma.” Este é o significado de “até dizer, ‘Eu quero’”. Ou seja, de Lo Lishma chegamos a Lishma, que é chamado “Eu quero.”
Portanto, cada vez que ele se lembra, enquanto realiza algum ato de Kedusha, uma grande alegria desperta imediatamente nele por ter sido recompensado com algum contacto com assuntos que o Criador lhe ordenou fazer. Embora saiba que tudo o que faz é Lo Lishma, ainda está profundamente feliz, uma vez que os nossos sábios nos prometeram que de Lo Lishma chegamos a Lishma.
Ele está ainda mais feliz porque os nossos sábios disseram: “Aquele que se arrepende por amor, os pecados tornam-se para ele como méritos, e aquele que se arrepende por medo, os pecados tornam-se para ele como erros.” Por conseguinte, quando ele é recompensado com trabalhar Lishma, todas as Mitzvot que realizou Lo Lishma entrarão em Kedusha e serão tão importantes como se as tivesse realizado Lishma.
Assim, mesmo enquanto ainda está a trabalhar Lo Lishma, é tão importante para ele como se estivesse a trabalhar Lishma. Ou seja, ele pensa que tudo o que faz é certamente mais importante do que pecados e está destinado a ser corrigido em algo bom, e considera tudo o que faz, mesmo a menor coisa, como uma grande Mitzva [mandamento]. É como os nossos sábios disseram (Avot, Capítulo 2): “Sê cuidadoso com um mandamento menor como com um maior, pois não conheces a recompensa pelos mandamentos.”
Por esta razão, quando ele calcula os trabalhos que está a realizar, cujas Mitzvot está a cumprir, e quando diz algumas palavras de Torá, ele diz a si próprio: “De quem é a Torá que estou a aprender?” E quando abençoa por prazer, como antes de beber ou antes de comer pão, ele pensa: “Com quem estou a falar agora?”
Conclui-se que, então, ele está em absoluta plenitude, e essa plenitude gera alegria porque, nessa altura, ele está aderido ao Criador, tal como assume que está a falar com o Criador, que é Bom e Faz O Bem. Naturalmente, ele recebe alegria da raiz, pois a raiz de todas as criações é o Criador, que é chamado “o Bom que Faz o Bem.”
Os nossos sábios disseram: “Bom para ele e faz o bem aos outros.” Isto significa que, nessa altura, ele pode acreditar que o Criador lhe está a fazer o bem, ele e a todos. Isto significa que, então, ele pode acreditar acima da razão que isso é realmente assim, embora conclua com o seu intelecto externo que não vê o bem em completude.
Mas agora, através dos cálculos que faz com o seu trabalho em Torá e Mitzvot, quando está de alguma forma aderido, em certa medida, ao Criador, ele tem o poder de acreditar acima da razão que isso é realmente assim. Naturalmente, “a verdade mostrará o seu caminho”. O resultado dele pensar que agora está a falar com o Criador é um grande despertar de alegria, como está escrito: “Majestade e esplendor perante Ele, força e alegria estão no Seu lugar.”
Devemos compreender em relação a quem foi dito que há alegria no Seu lugar. Certamente, todos os nomes que mencionamos são da perspectiva das criaturas, ou seja, de acordo com a perceção das criaturas. Contudo, no próprio Criador, os nossos sábios disseram: “Não há qualquer pensamento nem perceção n’Ele.” Pelo contrário, tudo é dito apenas da perspectiva das criaturas.
Portanto, isto significa que aqueles que sentem que estão perante Ele experienciam majestade e esplendor, assim como aqueles que pensam que estão no Seu lugar, pois “lugar” significa “equivalência de forma”.
Mas há outra interpretação, que significa um espelho, como ouvi de Baal HaSulam, que no lugar onde alguém pensa, aí está ele. Assim, se a pessoa pensa que está de pé e a falar com o Rei, então está no lugar onde o Rei está presente, e então sente, como está escrito, “força e alegria estão no Seu lugar”.
Por isto, podemos compreender o que perguntámos sobre o que os nossos sábios disseram: “A partir do início de Adar, aumentamos a alegria.” Perguntámos: “Por que aumentar a alegria?” Ou seja, a alegria é o resultado de alguma razão, então qual é a razão que podemos despertar para que nos traga alegria?
De acordo com o exposto, refere-se a aumentar o avanço na linha da direita, chamada “plenitude”. Quando a pessoa está num estado de plenitude, isso é chamado “equivalência”. Ou seja, o todo, que é o homem, está agora aderido ao Todo, como está escrito: “O abençoado adere ao abençoado, e o amaldiçoado não adere ao abençoado.” Portanto, se alguém está num estado de crítica, chamado “linha da esquerda”, está num estado de “amaldiçoado”, e então está separado do Todo. Por esta razão, nessa altura, ele só pode sentir escuridão e não luz, pois apenas a luz traz alegria.
Contudo, devemos compreender por que, especificamente no mês de Adar, devemos aumentar a alegria, e por que não podemos estar no caminho da direita durante todo o ano? Devemos responder a isto que, uma vez que o milagre de Purim ocorreu no mês de Adar, quando a luz do fim da correção iluminou, como está escrito em A Porta das Intenções (O Estudo das Dez Sefirot, Parte 16, p. 1813, item 220): “Portanto, no futuro [fim da correção], todos os dias santos serão cancelados, exceto o rolo de Ester [Purim].” A razão é que nunca houve um milagre tão grande, nem em qualquer Shabat, nem em qualquer dia feriado.
Por esta razão, a preparação para uma luz tão grande deve ser a alegria, que é a preparação para receber um hóspede estimado, que é a luz do fim da correção. Assim, ao preparar-se através do aumento da alegria, expandimos a luz chamada “os dias de festa e regozijo”.
Isto segue a regra escrita no sagrado Zohar: “O ato abaixo desperta o ato acima.” Ou seja, de acordo com o trabalho dos inferiores, o trabalho acima desperta. Isto significa que, quando os inferiores se envolvem em alegria, da mesma forma expandem a luz da alegria para baixo, como está escrito (Ester, 9:21): “E Mordecai escreveu, para os obrigar nesses dias em que os judeus se livraram dos seus inimigos, e foi um mês que se transformou para eles de tristeza em alegria e de luto em dia de festa, para que os tornassem dias de banquete e regozijo”, pelos quais expandiram a luz do fim da correção que então iluminou.
Devemos discernir acerca da extensão da alegria. Dissemos que a razão para isso é que, nessa altura, a pessoa agradece ao Criador por a aproximar. Portanto, quando ele dá graças, está envolvido em doação, porque agradece e louva o Criador por lhe dar um pensamento e desejo de ter algum contacto com a espiritualidade.
Mas agora ele não quer que o Criador lhe dê nada. Portanto, não está a pedir nada ao Criador, e agora o seu único objetivo é dar graças ao Criador. Por conseguinte agora ele tem Dvekut [adesão] com o Criador, porque está envolvido em doação. Assim, por isto, a alegria e a plenitude são atraídas para ele a partir da Dvekut, porque agora está aderido ao Completo. Este é o significado de aumentar a alegria através disso.
Não é assim quando ele se envolve em ladainhas, pois uma oração que vem do fundo do coração está cheia de carências, uma vez que, na medida da sensação de carência, a sua oração é mais profunda. Portanto, ele não pode estar feliz. Assim, a razão para a alegria é quando ele se envolve em louvor e gratidão e não quando se envolve em examinar carências.
De acordo com o exposto, podemos interpretar o que os nossos sábios disseram: “Se ele está a deliberar com idólatras, que faça o julgamento em Adar.” Isto significa que há deliberação com um estrangeiro como se fosse costume que Israel delibere com estrangeiros. Será que isto pertence às pessoas que se envolvem em Torá e trabalho, e que não se envolvem em qualquer trabalho ou comércio?
No trabalho, devemos interpretar que isto se refere aos idólatras que existem em todo Israel, ou seja, num só corpo. Aquelas pessoas que querem caminhar no caminho do Criador, os seus corpos resistem-lhes. É como os nossos sábios disseram sobre o versículo: “Não haverá um Deus alheio em ti.” Eles disseram: “Que Deus alheio há no corpo do homem? É a inclinação ao mal.” Isto é chamado “idólatras”, uma vez que resiste a ser Israel. Isto é considerado como deliberar. E então, no mês de Adar, quando foram recompensados com o milagre e houve alegria e regozijo para os judeus porque temiam os judeus, e se transformou no oposto — que os judeus governaram os seus inimigos — por esta razão, neste mês, podemos sentenciar o estrangeiro dentro de nós, e certamente terá sucesso neste mês, pois é considerado como “transformado no contrário”, como está escrito: “E os judeus governaram os seus inimigos.”
Devemos lembrar que se delibera com os próprios idólatras porque cada um argumenta: “É tudo meu.” Israel argumenta que o corpo foi criado apenas para ser Israel e servo do Criador, e não para o amor-próprio, enquanto o estrangeiro dentro dele argumenta: “É tudo meu”, também, ou seja, que todo o corpo foi criado com um desejo de receber, porque o corpo precisa de atender apenas ao seu desejo de receber. Por que deveria pensar em doar? Ele apresenta várias provas de que está certo, porque é isso que todos fazem.
Ou seja, diz-lhe: “Vai ver o que todos estão a fazer. Há alguém que se preocupe com os outros enquanto as suas próprias necessidades não estiverem satisfeitas? Há muito poucas pessoas, não mais que um punhado, cujas necessidades foram completamente satisfeitas, pelo que começaram a cuidar do bem-estar dos outros. Contudo, mesmo então, vigiam cuidadosamente para que a sua preocupação pelos outros, Deus nos livre, não prejudique o seu amor-próprio. Mas tu estás a dizer, ‘É tudo meu’, ou seja, evitar completamente pensar no amor-próprio. Em vez disso, queres usar toda a tua energia para servir os outros, e justificas o teu desejo de trabalhar pelos amigos, que é chamado ‘amor aos outros’, dizendo-me que este não é o fim, mas que pensas que, ao envolveres-te no amor pelos outros, serás capaz de alcançar o amor pelo Criador. Ou seja, queres ser completamente anulado perante o Criador. Mas então, o que será do corpo, se queres dar todo o teu corpo ao Criador, para te anulares completamente perante Ele? Diz-me, como posso concordar com isto? É muito difícil de compreender. Portanto, sou forçado a argumentar, ‘É tudo meu’, e não te deixar avançar um passo.”
Nesse estado, há uma grande guerra, porque cada um diz que ele está certo. O Israel nele argumenta que, uma vez que o Criador nos criou com a intenção de que a Sua vontade é beneficiar as Suas criações, Ele certamente sabe o que é bom para as criaturas. Ou seja, Ele entendeu que apenas fazendo tudo para doar contentamento ao Criador elas terão a força para receber os níveis mais elevados, chamados “revelação da Divindade”, que se reveste no intelecto interno e no sentimento interno no coração. Assim, só desta forma elas serão capazes de receber todo o deleite e prazer que o Criador quis dar às criaturas.
Isto não seria assim se recebessem com vasos de receção. Além de causar separação, há a questão de se contentarem com menos. Ou seja, devemos acreditar no que está escrito no sagrado Zohar, que há uma luz ténue que brilha nas Klipot [cascas] para as sustentar. Ou seja, todos os prazeres no mundo corpóreo são como uma luz ténue em comparação com o deleite e prazer que se encontra em Kedusha [santidade].
Ou seja, mesmo um pequeno nível de Kedusha, como Nefesh de Assiya, contém mais prazer do que todos os prazeres mundanos. Se alguém recebesse a abundância no desejo de receber para o seu próprio benefício, contentar-se-ia com isso e não seria capaz de avançar e alcançar níveis superiores, porque, para o benefício próprio, essa iluminação de Nefesh de Assiya é satisfatória, e ele não teria necessidade de adicionar algo aos prazeres de que estava a desfrutar.
Contudo, quando alguém é ensinado a trabalhar para doar contentamento ao seu Criador, não pode dizer: “Contento-me com o que me foi concedido”, uma vez que tudo o que recebe é para beneficiar o Criador. Portanto, ele não pode dizer: “Tenho o suficiente, uma vez que satisfiz o Criador ao receber uma pequena luz superior e isso agrada ao Criador, pelo que não quero receber mais.”
É proibido dizer: “Tenho o suficiente porque já O satisfiz ao receber esta pequena iluminação d’Ele.” Em vez disso, deve tentar doar cada vez mais contentamento ao Criador a cada momento. E uma vez que cada alegria no Alto é quando o propósito da criação, que é fazer o bem às Suas criações, realmente alcança os inferiores — e isto é o que agrada ao Alto — por isso, no mês de Adar, quando o tempo do milagre desperta — como está escrito, “e foi transformado no oposto, que os judeus governaram os seus inimigos” — o tempo é propício para despertar o estrangeiro dentro dele. É como os nossos sábios disseram (Berachot 5): “Deve-se sempre irritar a inclinação ao bem sobre a inclinação ao mal”, como foi dito, “irritem-se, mas não pequem.” RASHI interpreta “irritar a inclinação ao bem” como fazer a guerra com a inclinação ao mal.
Aqui significa que no mês de Adar ele pode derrotar a inclinação ao mal, uma vez que, então, quando houve o milagre do Alto, é como os nossos sábios disseram (Shabat 88): “Eles cumpriram e receberam.” Observaram o que já tinham recebido. RASHI interpreta: “O que Rabba disse, que a geração o recebeu nos dias de Assuero, foi por causa do amor pelo milagre que lhes foi feito.”
Mas no mês de Av, o tempo da ruína do Templo, quando devemos lamentá-lo, então o significado do que os nossos sábios disseram “diminuir a alegria” é o caminho em que nos envolvemos no mês de Adar — na direita, para despertar o milagre que apareceu no mês de Adar. É como os nossos sábios disseram: “Pelo amor pelo milagre, eles cumpriram e receberam.”
Mas no mês de Av, quando devemos lamentar a ruína do Templo, devemos trabalhar na linha da esquerda, ou seja, criticar as nossas ações, que devemos estar no caminho de Kedusha, que é para doar, e como estamos distantes da doação.
Quando alguém pensa nisto, está num estado de afastamento de Kedusha e está imerso no amor-próprio, onde toda a sua base para se envolver em Torá e Mitzvot é para satisfazer o desejo de receber com toda a satisfação possível.
Portanto, ao considerar a sua inferioridade, ele pode despertar a dor da ruína de Kedusha que há em cada um. E então o versículo: “Todos os que lamentam Jerusalém são recompensados com ver o consolo de Jerusalém” torna-se verdadeiro.