<- Biblioteca de Cabala
Continuar a Ler ->
Biblioteca de Cabala

Michael Laitman

E isto é para Judá


(De um comentário da Haggadah da Pesach [A Narrativa da Páscoa Judaica])
"Este é o pão da pobreza que os nossos pais comeram na terra do Egipto." A Mitzva [mandamento] de comer Matza [pão ázimo] foi dada aos filhos de Israel ainda antes de saírem do Egipto, antecipando o futuro êxodo, que ocorreria de forma apressada. Conclui-se que a Mitzva de comer a Matza foi-lhes ordenada enquanto ainda eram escravos, e o objectivo desta Mitzva era para o momento da redenção, pois então saíram apressadamente.
Por esta razão, gostamos de recordar a ingestão das Matzot no Egipto ainda hoje, pois nós também estamos, como quando estávamos no exílio. Além disso, com esta Mitzva, pretendemos atrair a redenção que vai acontecer em breve, nos nossos dias, Amén, tal como os nossos Patriarcas as comeram no Egipto.
"Este ano—aqui… no próximo ano—livres." Está escrito acima que com a intenção desta Mitzva podemos evocar a redenção garantida, destinada a nós, assim como com a Mitzva de comer a Matza dos nossos Patriarcas no Egipto.
"Fomos escravos…" Está escrito no Tratado de Pesachim (p. 116a): "Começa-se com a denúncia e termina-se com o louvor." Relativamente à denúncia, Rav e Shmuel discordaram: Rav disse que se deveria começar com "No princípio, os nossos Patriarcas eram idólatras", e Shmuel disse que se deveria começar com "Fomos escravos." A prática segue Shmuel. 
Devemos compreender a sua divergência. O motivo pelo qual "começamos com a denúncia e terminamos com o louvor" é o que está escrito: "Tal como a vantagem da luz que advém do interior da escuridão." Devemos recordar o aspecto da denúncia, pois através dela adquirimos um conhecimento profundo das misericórdias do Criador, que Ele fez connosco.
É sabido que o nosso princípio é todo, apenas em denúncia, pois "a ausência precede a presença". Por isso, está escrito: "O homem nasce como um burro selvagem." E, no final, adquire a forma de homem. Isto aplica-se a todos os elementos da Criação, e assim também aconteceu com a raiz da nação de Israel.
A razão disto é que o Criador fez emergir a Criação como existência a partir da ausência. Por isso, não há uma única criação que não tenha estado, anteriormente, em ausência. Contudo, essa ausência assume uma forma distinta em cada elemento da Criação, pois, ao dividirmos a realidade em quatro categorias—inanimado, vegetativo, animal e falante—, constatamos que o início do inanimado é, necessariamente, a ausência total. 
Contudo, o início do vegetativo não é ausência completa, mas sim apenas do seu nível anterior, que, em relação a si próprio, é considerado como ausência. E relativamente ao assunto de semear e da decomposição, que é necessária com qualquer semente que, é recebida da forma do inanimado. O mesmo princípio aplica-se à ausência do animal e do falante: A forma vegetativa é considerada ausência em relação ao nível animal. A forma do nível animal é considerada ausência em relação ao falante.
Portanto, o texto ensina-nos que a ausência que precede a existência do homem é a forma do animal. Por isso está escrito:"O homem nasce como um burro selvagem." Pois é necessário que todo o homem comece no estado de animal. A Escritura diz: "Homem e animal, Tu salvarás, ó Senhor." Assim como ao animal é concedido tudo o que necessita para a sua subsistência e o cumprimento do seu propósito, também ao homem é providenciado tudo o que é necessário para a sua existência e o cumprimento do seu objectivo.
Após todas as investigações e escrutínios, verificamos que a única necessidade nos desejos do homem, que não existe em toda a espécie animal, é o despertar para a Dvekut [adesão] com o Criador. Somente a espécie humana está apta para este propósito, e nenhuma outra. 
Conclui-se que toda a questão da presença na espécie humana reside nesta preparação que está impressa nele, que o impele a desejar o trabalho do Criador. E nisto é ele superior ao animal. Muitos já afirmaram que até a inteligência nas artes e na condutas políticas se encontra presente, com grande sabedoria, em muitas espécies do reino animal.
Assim, podemos também compreender a questão da ausência que precede a existência do homem como a negação do desejo de proximidade com o Criador, uma vez que este é o nível animal. Agora entendemos as palavras da Mishna, que afirmou: “Começa com denúncia e termina com louvor.” Isto significa que devemos recordar e investigar a ausência que precede a nossa existência de forma positiva, pois esta é a denúncia que antecede o louvor, e é a partir dela que compreenderemos o louvor mais profundamente, como está escrito: “Começa com denúncia e termina com louvor.”
Este é também o significado dos nossos quatro exílios, exílio após exílio, que antecedem as quatro redenções, redenção após redenção, até à quarta redenção, que é a perfeição completa pela qual aguardamos para breve, nos nossos dias, Amém. O exílio refere-se à “ausência que precede a presença”, que é a redenção. E visto que esta ausência é aquilo que prepara para o HaVaYaH que lhe é atribuído, tal como a sementeira prepara a colheita, todas as letras de Geula [redenção] estão presentes em Gola [exílio], exceto o Alef, pois esta letra indica o “Aluf [Campeão] do mundo.”
Isto ensina-nos que a forma da ausência é apenas a negação da presença. E conhecemos a forma da presença—redenção—a partir do versículo: “E não vão ensinar mais cada um ao seu próximo …porque todos Me vão conhecer, desde o mais pequeno até ao maior.” Daqui se conclui que a forma da ausência anterior, ou seja, a forma do exílio, é apenas a ausência do conhecimento do Criador. Esta é a ausência do Alef, que falta em Gola e que está presente em Gueula, a Dvekut com o “Campeão do mundo.” Esta é precisamente a redenção das nossas almas, nem mais nem menos, pois dissemos que todas as letras de Geula estão presentes em Gola, exceto o Alef, que é o “Campeão do mundo.”
Para compreender esta questão profunda, de que a ausência em si própria prepara a presença que lhe é atribuída—devemos aprender com os padrões deste mundo corpóreo. Vemos que, no conceito de liberdade, que é um conceito sublime, apenas alguns escolhidos o percebem, e mesmo estes requerem as preparações adequadas. A maioria das pessoas é completamente incapaz de o perceber. Pelo contrário, no que respeita ao conceito de escravidão, pequenos e grandes são iguais, e mesmo o mais simples entre os homens não a vai suportar.
(Vimos que, na Polónia, perderam o seu reino apenas porque a maioria deles não compreendeu devidamente o valor da liberdade nem a preservou. Por isso, caíram sob o jugo da subjugação pelo governo russo durante cem anos. Durante esse período, todos sofreram sob o peso da subjugação e, do mais pequeno ao maior, e ansiavam desesperadamente pela liberdade. Embora ainda não tivessem saboreado verdadeiramente a liberdade como ela é, e cada um a imaginasse à sua maneira, a ausência de liberdade, que é a subjugação, gravou profundamente nos seus corações o apreço e o amor pela liberdade. Por essa razão, quando foram libertados do jugo da subjugação, muitos ficaram perplexos, sem saber o que tinham realmente ganho com essa liberdade. Alguns até se arrependeram e disseram que o seu próprio governo lhes impunha ainda mais tributos do que o governo estrangeiro, e desejaram voltar à situação anterior. Isto aconteceu porque a força da ausência não os impactou de forma suficiente.
Agora podemos compreender a disputa entre Rav e Shmuel. Rav interpreta a Mishna como começando com a denúncia, para que, através dela, a salvação seja plenamente apreciada. Por isso, ele diz para começar a partir do tempo de Terah, e não como diz Shmuel, pois, no Egipto, o amor e o serviço ao Criador já estavam implantados em alguns membros da nação. Além disso, a intensificação da escravidão no Egipto não constitui, por si só, uma carência na vida da nação chamada “Adam.”
Por outro lado, Shmuel não interpreta como Rav, pois o conceito de liberdade da nação no conhecimento do Criador é um conceito sublime que apenas alguns compreendem, e isso apenas mediante as devidas preparações, mas a maioria da nação ainda não alcançou essa realização.
Porém, todos compreendem a dificuldade da subjugação, como escreveu Even Ezra no início da porção Mishpatim: “Nada é mais penoso para o homem do que estar sob a autoridade de outro homem como ele.”
Ele interpreta a Mishna no sentido de que, uma vez que a ausência prepara a presença, esta deve ser considerada parte da salvação do Criador, e também por ela devemos ser gratos. Por isso, não se deve começar com “No início, os nossos Patriarcas eram idólatras” pois esse tempo nem sequer pode ser considerado a “ausência que precede a presença”, visto que estavam completamente desprovidos da presença do tipo humano, estando totalmente afastados do Seu amor.
Assim, começamos com a escravidão no Egipto, quando as centelhas do Seu amor ardiam nos seus corações, ainda que, devido à impaciência e ao trabalho árduo, fossem sendo extintas dia após dia. Isto é considerado “ausência que precede a presença” razão pela qual ele diz para começar com “éramos escravos.”