Inclina o Ouvido, Ó Céu
Artigo Nº 2, 1986
«“Inclina o ouvido, ó céu.” Rabino Yehuda começou, “Eu abri para o meu amado. A voz do meu amado bate.’” Ele diz, “A voz do meu amado bate” é Moisés, que admoestou Israel em vários argumentos, em várias contendas, como está escrito, “Estas são as palavras”, “Vocês foram rebeldes” e “Em Horebe provocaram”, como está escrito, “bate”.» (No Sulam [Comentário da Escada], itens 1-2) «Embora Moisés admoestasse Israel, todas as suas palavras foram com amor, como está escrito, “Porque são uma nação sagrada para o Senhor vosso Deus” e “O Senhor vosso Deus escolheu-vos para serem o Seu povo”, “mas porque o Senhor vos amou”, como está escrito, “Abre para mim, minha irmã, minha esposa”, com afeição.»
Devemos compreender as palavras do sagrado Zohar.
1) Se ele dá tantos louvores ao povo de Israel, como está escrito, “Porque são uma nação sagrada para o Senhor vosso Deus” e “O Senhor vosso Deus escolheu-vos para serem o Seu povo”, como podemos falar de admoestação? Se são um povo sagrado, o que lhes falta?
2) O que isso nos ensina para a posteridade, uma vez que são dois opostos no mesmo portador? Ou seja, ou são uma nação sagrada, ou não são!
3) Há uma regra: “O amor cobre todas as transgressões”. Os escritos dizem (Deuteronómio, 7:7), “Não foi por serem mais numerosos que todas as nações que o Senhor vos desejou ou vos escolheu, pois eram os menos numerosos de todos os povos … mas por causa do amor do Senhor por vocês.” Portanto, como é possível encontrar transgressões neles, uma vez que “o amor cobre todas as transgressões”?
A questão é que sabemos que há o assunto dos dois escritos que se negam mutuamente até que o terceiro escrito vem e decide. “Linhas” na espiritualidade significa que a qualidade de Hesed [misericórdia] é chamada “linha da direita”. Hesed significa que ele deseja apenas fazer o bem aos outros e não quer nada em troca. Ele anseia pelo amor do Criador e não tem preocupação consigo próprio. Pelo contrário, todas as suas aspirações são apenas para doar contentamento ao seu Criador, e para si próprio ele contenta-se com pouco. Ou seja, ele não tem consideração pelo que possui, nomeadamente bons sabores na Torá, na oração ou nas Mitzvot [mandamentos], mas está feliz com a sua sorte.
Aqui, na espiritualidade, quando a pessoa faz uma introspeção e diz que acredita na Providência Privada, que tudo vem do alto, ou seja, que o Criador lhe deu um pensamento e desejo de servir o Criador e de se dedicar à Torá e às Mitzvot, embora não sinta sabor na Torá e nas Mitzvot. Ainda assim, ele não se importa com isso e diz que está satisfeito por poder cumprir o mandamento do Criador. Isso, por si só, é para ele como se tivesse feito uma fortuna. E mesmo que não alcance a grandeza do Criador, o que ele possui dá-lhe satisfação e ele acredita que é um presente do Céu que lhe foi dado o pensamento e o desejo.
Ele vê que outros não receberam isso. Pelo contrário, tudo o que aspiram é alcançar coisas corpóreas, ou seja, ser favorecidos pelas pessoas ou deleitar o corpo com coisas que os animais também usam. Mas ele, por outro lado, recebeu um pensamento e desejo de servir o Criador, “e quem sou eu para que Ele me tenha escolhido?” É como dizemos, “Bendito és Tu, ó Senhor, que escolhe o Seu povo, Israel, com amor.”
Portanto, bendizemos o Criador por nos escolher, ou seja, por nos ter dado um pensamento e desejo de cumprir a Torá e as Mitzvot. Portanto, quando ele olha para os outros, que não têm o desejo pela Torá e pelas Mitzvot que ele tem, ele diz que Ele o escolheu acima dos outros para O servir. Embora Ele lhe tenha dado apenas um pequeno serviço, sem qualquer intelecto ou razão, ele diz que mesmo este serviço, o menor dos menores, é mais do que o seu próprio valor, porque quando se olha através dos olhos da grandeza de Deus, ele diz que não merece nem mesmo isso. Portanto, certamente ele está tão feliz como se tivesse sido recompensado com um serviço digno de grandes homens.
A linha da direita vem das Sefirot superiores. Este discernimento é chamado a Sefira Hesed, relacionada com a equivalência de forma com o Criador — como Ele dá, assim o inferior deseja dar aos superiores. Isso é considerado equivalência de forma, onde ele não considera o que tem em vasos de recepção. Pelo contrário, a sua única medida de completude é a sua capacidade de doar.
Mesmo que não possa doar muito, ele contenta-se com isso porque examina a sua inferioridade em comparação com o Doador, e em comparação com outras pessoas que ele vê como mais virtuosas do que ele. Ainda assim, foi-lhe dado do alto um pensamento e desejo que não lhe foram dados, e ele não diz sobre nada, “O meu poder e a força da minha mão.”
Por esta razão, ele está sempre satisfeito e não tem nada a acrescentar ao seu trabalho. Pelo contrário, ele agradece e louva o Criador tanto quanto pode, e agradece e louva-O com todo o tipo de louvores. E mesmo quando não dá o louvor e a gratidão que pensa que deveria dar ao Criador, ele não se arrepende disso porque diz sobre si próprio, “Quem sou eu para falar sempre ao Rei, como é adequado para pessoas importantes, e não para pessoas humildes como eu?” Portanto, ele está sempre em plenitude e não tem nada a acrescentar.
E se por vezes se esquece das questões do trabalho e o seu intelecto está imerso em assuntos mundanos, e após algum tempo se lembra da espiritualidade e vê que durante todo esse tempo esteve a lidar com questões corpóreas deste mundo, ele ainda não pensa no tempo em que esteve separado. Em vez disso, ele está feliz porque o Criador o convocou de entre todas as pessoas e lhe disse, “Onde estás?” Ele começa imediatamente a agradecer ao Criador por lhe lembrar que deve pensar na espiritualidade.
Portanto, mesmo nesse estado ele não pensa em carências e arrependimentos por ter esquecido completamente as questões do trabalho durante todo esse tempo, mas está feliz porque pelo menos agora pode pensar no trabalho do Criador. Por conseguinte, agora, também, ele está num estado de plenitude e não chegará a um estado em que se sinta enfraquecido do trabalho, mas estará sempre em plenitude. Isso é chamado “linha da direita”, Hesed, que é plenitude.
Contudo, isto depende do nível em que a pessoa acredita na Providência Privada, ou seja, que o Criador dá tudo — a luz, assim como o Kli [vaso] —, ou seja, tanto o desejo e a carência do homem por isso, que ele não está tão aderido ao Criador, como também a sensação no seu corpo da falta de observância da Torá e das Mitzvot. O Criador dá tudo. A luz é, certamente, algo que o Criador deve dar, porque o sabor na Torá e nas Mitzvot pertence, sem dúvida, ao Criador. É como dizemos na noite de Yom Kippur [Dia da Expiação], “Pois ela é como barro nas mãos do oleiro. Quando Ele deseja, dá abundantemente; quando Ele deseja, dá com parcimónia. Assim nós estamos nas Tuas mãos, Guardião da misericórdia.”
Portanto se a pessoa vê que um desejo de estudar desperta nela, mesmo que seja apenas por uma hora por dia, e quando está a orar vê que, durante alguns minutos, sabe que está a orar e não esquece que está envolvida num Talit [xaile de oração] e Tefillin, e o seu coração pensa todos os pensamentos do mundo, e então lembra-se, por alguns minutos, que está coroada com o Talit e os Tefillin e que agora está no meio de uma oração, e começa a pensar a quem está a falar durante a oração. Ela sente que não está simplesmente a falar, mas está diante do Rei, e acredita em “Tu ouves a oração de todas as boca”. Embora veja que já orou muitas vezes e a sua oração não foi atendida, ainda assim acredita acima da razão que o Criador ouve, de facto, a oração, e a razão pela qual a sua oração não foi concedida é que provavelmente não orou do fundo do coração. Portanto, ela compromete-se a orar com mais intenção “e o Criador certamente me ajudará e concederá a minha oração”. Então, ela começa imediatamente a agradecer ao Criador por lhe lembrar que está agora coroada com Talit e Tefillin. Sente-se bem, pois olha para outras pessoas, como elas ainda estão adormecidas, enquanto comigo, “o Criador despertou-me no meio da oração”, e assim ela está alegre.
Se passarem mais alguns minutos e ela esquecer novamente onde está, e pensar no boi e no burro, e de repente for despertada novamente do Alto, faria sentido que ela se queixasse por ter esquecido tudo — que está agora na sinagoga. Contudo, ela não quer ouvir falar disso. Pelo contrário, está feliz por ter sido lembrada. Portanto, desta forma, ela olha apenas para “fazer o bem”, ou seja, está feliz por agora ter podido fazer o bem e não nota que, até então, esteve a vaguear pelo mundo da separação.
Ela pode sentir tudo isto na medida em que reconhece o seu valor, que não é melhor do que as outras pessoas, e que algumas até têm o espírito de heresia e nenhuma afinidade com o Judaísmo. Ela também vê que há pessoas que nem sequer prestam atenção ao Judaísmo, mas vivem como todos os outros animais, sem preocupação com qualquer propósito na vida. Pelo contrário, pensam que toda a sua vida, que consideram estar num nível superior ao dos animais, é que também se preocupam com o respeito, e entendem que por vezes é melhor renunciar à luxúria para obter respeito. Mas, no que diz respeito ao Judaísmo, mesmo que tenham sido circuncidados pelos seus pais, eles próprios não lhe prestam atenção porque outras coisas lhes interessam mais.
Quando ela olha para eles, vê que não sabe por que foi mais privilegiada do que eles pelo Criador, que lhe concedeu o pensamento e o desejo de se envolver com a Torá e as Mitzvot, mesmo que apenas em ação. Ou seja, ela vê que ainda está longe de alcançar o nível de Lishma [pelo Seu Benefício], mas diz, “Em todo o caso, fui privilegiada com Lo Lishma [não pelo Seu Benefício], como disseram os nossos sábios, ‘De Lo Lishma chegamos a Lishma.’ Assim, pelo menos estou no primeiro estágio de Kedusha [santidade].” Ela contempla quão feliz está por o Criador a ter conduzido ao primeiro nível de Kedusha, chamado Lo Lishma, e quanto deve agradecer e louvar o Criador, especialmente se a pessoa é recompensada e lhe é dado um pensamento de se dedicar aos segredos da Torá, embora não compreenda uma única palavra do que está escrito ali, é ainda assim um grande privilégio que agora ela está aderida ao estudo da interioridade da Torá.
Portanto ela acredita que falam apenas de Divindade e que tem um lugar para se aprofundar no seu pensamento, pois “tudo o que estou a aprender é dos nomes sagrados, então devo ser muito afortunada. Portanto, tudo o que preciso fazer é agradecer e louvar o Criador. Ou seja, a vitalidade de todo o mundo vem apenas de coisas vãs, enquanto eu fui recompensada com a entrada no primeiro estágio de Kedusha, chamado Lo Lishma.” Isto é considerado a “linha da direita”, ou seja, plenitude, que não requer correção.
Contudo, está escrito, “direita, e esquerda, e entre elas uma noiva”. Ou seja, também precisamos de uma linha da esquerda. Realmente precisamos de compreender isto: se ela sente que está em plenitude e pode agradecer e louvar o Criador dia e noite, o que mais precisa? Contudo, ela própria sabe que é Lo Lishma, e o propósito do homem é trabalhar para o Criador, e ela diz que não alcançou este nível. Então, como pode alguém ascender em níveis se não sente carência?
Há uma regra de que, se a pessoa pede algo ao Criador, deve ser do fundo do coração. Isso significa que ela deve sentir a carência no coração, e não como um discurso superficial. Isto porque, quando alguém pede luxos, sem os quais se pode viver, ninguém tem piedade dessa pessoa quando ela grita e chora por não ter algo que muitos outros não têm. E, embora ela grite e chore para que lhe seja dado, é raro que haja pessoas que tenham piedade dela. Contudo, quando alguém grita e chora por uma carência que tem, mas que o resto do mundo possui e ela não, então, quando ela grita e clama pela misericórdia das pessoas, é ouvida, e quem pode ajudar, tenta ajudá-la.
É o mesmo aqui no trabalho do Criador. Quando ela tenta encontrar plenitude na linha da direita, embora saiba que deve tentar fazer todas as suas ações para o Criador, também sabe que o homem deve cumprir o que está escrito, “O seu prazer está na lei do Senhor, e na Sua lei medita dia e noite” (Salmos 1). Ela não cumpre isto, mas está a tentar com todas as suas forças sentir plenitude na linha direita. Nesse momento, embora saiba que ainda não tem plenitude, ainda não pode pedir ao Criador que lhe dê força para cumprir “E na Sua lei medita dia e noite”, e clamar ao Criador para a ajudar a alcançar Lishma, a menos que o faça como se fossem luxos e não necessidades.
Isto acontece pela razão acima mencionada: quando alguém pede algo e grita e chora por não o ter, mas outras pessoas na sua cidade também não o têm, ele não pode dizer que isso é uma necessidade, mas sim um luxo, e não se chora ou implora por luxos. Mas aqui, quando ele caminha na linha da direita e vê que outras pessoas não têm o que ele tem, dado que apenas uma pequena porção do mundo possui o que ele tem em espiritualidade, como pode ele dizer que exige do Criador que o aproxime para que possa dedicar-se a Lishma? Isto é um luxo, e não se pode pedir luxos do fundo do coração, ou seja, que essa carência alcance a profundidade do coração. Ele próprio diz que o que tem já é algo grandioso, então como pode pedir ao Criador que tenha misericórdia dele relativamente a um luxo, para lhe dar a força de se dedicar a Lishma, ou seja, para doar contentamento ao seu Criador?
Portanto é impossível para alguém pedir ao Criador que o guie sobre como caminhar no caminho da verdade, uma vez que ele não tem tal necessidade, pois dizemos sobre luxos, ou seja, sobre algo que outros não têm, “um problema partilhado é um problema reduzido à metade”. Portanto, ele não tem nenhuma possibilidade de alcançar o reconhecimento do mal, de que o facto de não conseguir dedicar-se à Torá e às Mitzvot para o Criador é mau. Portanto ele aceita o estado de Lo Lishma, e embora este caminho seja chamado “caminho da falsidade” e não o “caminho verdadeiro”, ele nunca sentirá que está a marchar no caminho da falsidade, como está escrito na “Introdução do Livro do Zohar” (item 175).
Por isso, devemos também caminhar na linha da esquerda. Contudo, devemos alocar apenas uma pequena quantidade de tempo para escrutinar a linha da esquerda. A maior parte do tempo deve ser passada na linha da direita, pois apenas aqueles que têm uma atração interna para alcançar Lishma têm permissão para caminhar também na linha da esquerda. No entanto, aqueles que sentem que não estão entre os trabalhadores, que pensam que não conseguem superar os seus desejos, não devem caminhar na linha da esquerda. Por esta razão, mesmo aqueles com uma atração interna para alcançar Lishma, embora possam caminhar na linha da esquerda, precisam de ter cuidado para não caminhar na linha da esquerda por mais do que um curto período de tempo, e apenas num horário definido. E não a qualquer momento, mas de acordo com o tempo que cada um reserva para si próprio para examinar a linha da esquerda.
O horário deve ser tal que cada um estabeleça o seu horário diário, ou semanal, ou mensal. Cada um conforme o seu sentimento, mas ele não deve alterar a meio o horário que decidiu. Se ele quiser mudar a meio porque o corpo vem até ele e lhe faz entender que “é mais apropriado para ti teres um horário diferente do que estabeleceste para ti próprio”, então ele deve dizer ao seu corpo, “Eu tenho o meu horário. Quando fizer outro horário, ou seja, se estabeleci um horário para toda a semana, quando a semana terminar começarei a fazer um novo horário, então podes vir e dizer-me para fazer um horário diferente do que quero fazer. Mas não posso mudar o horário a meio.”
Contudo, devemos saber o significado da linha da esquerda, uma vez que há muitos discernimentos na linha da esquerda. Há uma linha da esquerda que é completa escuridão. Isto é chamado “Malchut sendo a qualidade de julgamento e elevando-se em cada Sefira, tornando-se escuridão”. Ou seja, nenhuma luz brilha ali. Há também uma linha da esquerda chamada “Hochma sem Hassadim”. Isto também é chamado “escuridão”, mas a escuridão ali é apenas em relação à luz. Em relação aos Kelim, os seus Kelim já entraram em Kedusha, ou seja, ele pode ter a intenção de doação também quando usa os vasos de recepção.
Portanto essa linha da esquerda é um grande nível. É chamada “escuridão” devido à abundante abundância que aparece então. Enquanto ele não tiver um revestimento de Hassadim, está proibido de usar essa luz porque, ao usá-la, pode cair em receber para benefício próprio devido à abundante abundância que não consegue superar e receber para doar. É por isso que precisamos da linha da esquerda; é por isso que a linha da esquerda é muito importante.
Primeiro, precisamos saber que não há tempo nem lugar na espiritualidade. Portanto, qual é o significado das linhas direita e esquerda?
A questão é que tudo o que não requer correção é chamado “linha da direita”, e algo que requer correção é chamado “linha da esquerda”. Encontramos esta questão no que diz respeito à colocação dos Tefillin. Os nossos sábios disseram (Minchot 37), “Rabino Yosi Hachorem: ‘Como sabemos que colocamos à esquerda? Ele aprendeu-o onde Rav Natan aprendeu: Rav Ashi disse que está escrito, “da tua mão”, com um Hey ‘fraco’. RASHI interpretou que escrever com um Hey ‘fraco’ implica feminino, esquerda, como ele disse que ela é tão impotente quanto uma mulher.’”
Isto significa que “esquerda” é considerada fraca e impotente, e que deve ser-lhe dada força. É por isso que vemos que, sempre que queremos dar um exemplo de algo que requer correção, chamamo-lo “esquerda”. É por isso que, depois da linha esquerda, precisamos da linha do meio, que corrige a linha da esquerda. E é por isso que chamamos aquilo que precisa de correção pelo nome “esquerda”, para sabermos que agora precisamos de fazer correções.
As correções que corrigem a esquerda são chamadas “meio”, uma vez que a linha mostra as carências na direita, ou seja, a própria direita não mostra nenhuma carência até que a linha da esquerda venha. Ou seja, pelo seu envolvimento na linha da esquerda, ele vê que há carências na direita. Assim que entrou na esquerda, ele perde a plenitude que tinha na direita, e, portanto, agora está num estado de carência.
Contudo, há muitos discernimentos que devemos fazer na carência que a linha da esquerda mostra, ou seja, qual é a razão pela qual há uma carência na esquerda. Isto é, a esquerda diz que há uma carência na direita. Mas, por vezes, não vemos nenhuma carência na linha esquerda, e então quem está a mostrar que há uma carência também na linha esquerda, uma vez que a esquerda mostrou que há uma carência na direita? Assim, o caminho da esquerda deve ser plenitude. Portanto, qual é a razão pela qual há uma carência na esquerda, pela qual ele a chama de “esquerda”? Há muitos discernimentos sobre isto; tudo depende da questão, pois em qualquer situação, a pessoa encontra uma razão diferente e é impossível determinar a razão. Pelo contrário, tudo é avaliado caso a caso.
A esquerda, no início do trabalho, é uma crítica à direita — se é correcto permanecer na falsidade, porque nos foi dada a Torá e as Mitzvot devido ao mal, chamado “amor-próprio”, ou seja, não se preocupar com nada, mas sim considerar que todos os meios são aceitáveis para alcançar o objectivo de satisfazer o nosso desejo de receber com toda a satisfação possível. É chamado “mal” porque nos obstrui de alcançar Dvekut [adesão] com o Criador e de sair do amor-próprio, como o intelecto animal exige. Pelo contrário, o objectivo é ser recompensado com Dvekut com o Criador, após o qual receberá o deleite e prazer que existem no pensamento da criação, chamado “O Seu desejo de fazer o bem às Suas criações”. Com isto, podemos agradar ao Criador, porque assim o Criador completa o Seu objectivo de potencial a efectivo — para que as criaturas sintam o deleite e prazer que Ele contemplou em seu favor.
E dado que este desejo de receber, considerado como amor-próprio, é tudo o que obstrui isto, é chamado “mal”. Para sair deste mal, Ele deu-nos a Torá e as Mitzvot, para alcançarmos o nível chamado “servo do Criador”. Não é que ele trabalhe para si próprio, mas sim para alcançar o nível de Lishma.
Na direita, ele deleita-se com a plenitude de Lo Lishma, o que significa que está a caminhar no caminho da falsidade e quer permanecer ali. Mas, embora saiba que está no nível de Lo Lishma, por que se considera que ele quer permanecer em Lo Lishma?
Isto segue a regra de que não se pode pedir ao Criador do fundo do coração por uma carência que seja um luxo, mas sim apenas por uma necessidade. Uma vez que ele já está feliz por estar em Lo Lishma, mesmo após todas as suas justificações — que é bom estar feliz mesmo em Lo Lishma —, ele não pode mais sentir uma carência para precisar disto necessariamente. Pelo contrário, isto será como um luxo para ele, se puder dedicar-se à Torá e às Mitzvot Lishma. Assim, ele deve permanecer na linha da direita.
Portanto, ele deve trabalhar com atenção e crítica à linha da direita, ou seja, ver as carências na linha da direita. Por causa disso, na medida em que sente as carências, ou seja, que as carências que vê não significam nada porque a impressão do homem com as carências depende do nível em que estas tocam o seu coração para sentir a carência como incompleta e a sua inclinação para a verdade e o seu repúdio pelas mentiras, então, se essa carência tocar o coração, ou seja, se a situação em que está lhe causa dor, então o estado anterior da linha da direita, quando ele tinha plenitude, inverte-se nele em sofrimento. Nesse momento, ele pode orar ao Criador do fundo do coração, porque agora a Lishma é tão importante para ele quanto a vida, pois através dela ele adere à vida das vidas. Mas quando estava ligado à linha da direita, a Lishma era um luxo aos seus olhos, ou seja, ele também podia viver sem ela, mas aquele que quer melhorar a sua vida e estar acima dos outros tem de tentar alcançar o nível de Lishma.
Quando a pessoa vê que não considera a Lishma como um luxo, ou seja, estar acima dos outros, mas que agora sente que é o pior deles porque vê quão longe está do Criador e da qualidade da verdade, mais do que o resto das pessoas, embora não as veja a caminhar no caminho de Lishma, isso não muda nada que ele não veja ninguém a caminhar no caminho de Lishma, porque, em questões que dizem respeito ao coração, não se recebe uma impressão dos outros. Embora se diga, “um problema partilhado é um problema reduzido à metade”, estes adágios não mudam a sua situação.
A título de alegoria, se a pessoa tem uma dor de dentes e está a chorar e a gritar, e lhe dizem, “Por que estás a gritar? Não vês que há outras pessoas aqui, na clínica do dentista, cujos dentes doem tanto quanto os teus?” Vemos que ele não para de chorar por causa da sua dor de dentes. O facto de haver outras pessoas como ele não muda nada para ele. Se ele está realmente com dor, não pode olhar para os outros para encontrar alívio para a sua própria dor, se está realmente a sofrer.
Da mesma forma, se a pessoa realmente chegou a sentir que está longe da verdade, não será consolada pelo facto de todos estarem a seguir o caminho da falsidade. Pelo contrário, dia e noite ela anseia sair desse estado. Nesse momento, a pessoa adquire a necessidade de alcançar Lishma porque não pode mais tolerar a falsidade.
Mas, uma vez que esse Kli [vaso] não é feito de uma só vez, ou seja, o desejo que a pessoa recebe da linha da esquerda não é formado de uma só vez, mas esse desejo forma-se nela gradualmente até alcançar a medida completa, e antes disso ela ainda não pode alcançar Lishma, uma vez que não há luz sem um Kli, significa que ela não pode ser recompensada com Lishma antes de o desejar, e esse desejo cresce dentro dela lentamente. Cêntimo após cêntimo junta-se numa grande quantia, ou seja, enche-se num desejo completo, e então a Lishma pode revestir-se nesse desejo porque ela já tem um Kli completo, ou seja, um desejo completo de ser recompensada com Lishma.
Contudo, devemos saber que, quando ele se encontra na linha da esquerda, ou seja, quando se critica, está em separação. Isto porque sente que está imerso no amor-próprio e não se preocupa em poder fazer algo pelo Criador. Nesse estado, ele não pode existir, porque o homem só pode viver do positivo e não do negativo.
Portanto, a pessoa deve entrar novamente na linha da direita, ou seja, cumprir a Torá e as Mitzvot Lo Lishma e dizer que há plenitude nisso, como explicamos acima. Precisamos de saber a regra fundamental de que há uma diferença entre Ohr Pnimi [Luz Interna] e Ohr Makif [Luz Envolvente]. Ohr Pnimi significa que a luz brilha dentro dos Kelim [vasos]. Isto significa que a luz se reveste no Kli porque há equivalência entre a luz e o Kli, e o Kli já pode receber a luz para doar. Mas Ohr Makif significa iluminação de longe. Isto significa que, embora o Kli ainda esteja longe da luz, uma vez que o Kli é para receber e a luz é pura doação, ainda assim a luz brilha de longe, como se estivesse a envolver os Kelim.
É por isso que, quando nos dedicamos à Torá e às Mitzvot Lo Lishma, ainda recebemos iluminação na forma de Ohr Makif. Por conseguinte através de Lo Lishma já temos contacto com a luz superior, embora seja uma iluminação de longe. É por isso que é chamado “positivo”, e a pessoa pode receber vitalidade disto e existir. Ao valorizar o Lo Lishma, ela valoriza o serviço ao Criador em geral, que vale a pena dedicar-se à Torá e às Mitzvot de qualquer maneira. Baal HaSulam disse que, na verdade, não se pode valorizar o valor de cumprir a Torá e as Mitzvot em Lo Lishma, pois, no final, não há nada a acrescentar nas acções. Pelo contrário, ela cumpre o mandamento do Criador e é por isso que isto é considerado o primeiro estágio no trabalho, sobre o qual os nossos sábios disseram, “De Lo Lishma chegamos a Lishma”. Por esta razão, o homem deve receber vitalidade e plenitude da linha da direita, momento em que recebe a luz do Criador como Ohr Makif [Luz Circundante].
Depois, ele deve criticar novamente as suas ações, o seu envolvimento na linha da direita, e voltar a mudar para a linha da direita. Por isto, as duas linhas crescem nele. Contudo, estas duas linhas contradizem-se mutuamente e são chamadas “dois escritos que se negam um ao outro até que o terceiro escrito vem e decide entre eles”.
No entanto, devemos saber que o Criador dá a terceira linha, chamada “linha do meio”, como disseram os nossos sábios, “Há três parceiros no homem: o Criador, o seu pai e a sua mãe. O pai semeia o branco; a mãe semeia o vermelho; e o Criador coloca um espírito e uma alma nele.” De acordo com o acima mencionado, resulta que as duas linhas pertencem ao inferior, e a linha do meio pertence ao Criador. Isto significa que as duas linhas fazem com que ele possa orar do fundo do coração ao Criador para o ajudar a sair do amor-próprio e alcançar Dvekut com o Criador, pois, quando a pessoa ora do fundo do coração, a sua oração é atendida.
Contudo, devemos saber que há muitos aspectos nas três linhas.