Revelando uma porção, Ocultando duas
Entre os grandes sábios, há uma expressão que costumam usar ao revelar um assunto profundo: começam as suas palavras dizendo: “Estou a revelar uma porção e a ocultar duas porções.” Os nossos sábios tinham o maior cuidado em não pronunciar palavras desnecessárias, conforme instruíram: “Uma palavra é uma pedra; o silêncio são duas” (Megillah 18a, “Introdução ao Livro do Zohar,” Item 18).
Isto significa que, se tem uma palavra preciosa cujo valor é o de uma pedra, deve saber que não a dizer vale duas pedras. Isto refere-se àqueles que pronunciam palavras desnecessárias, sem conteúdo ou utilidade relevantes, exceto para adornar o estilo aos olhos do leitor. Tal prática era estritamente proibida aos olhos dos sábios, como é conhecido por aqueles que examinam as suas palavras e como vou demonstrar nos ensaios seguintes. Por isso, devemos estar atentos para compreender esta expressão comum entre eles.
Três Tipos de Ocultação da Sabedoria
Os segredos da Torá dividem-se em três partes, e cada uma tem a sua própria razão para ser ocultada. São designadas pelos seguintes nomes:
- Desnecessário,
- Impossível,
- O conselho do Senhor é para os que O temem.
Não há sequer uma fração desta sabedoria onde não se apliquem escrutínios destas três partes, e vou clarificá-las uma por uma.
1. Desnecessário
Isto significa que ninguém beneficiará com a sua revelação. Claro que não é uma grande perda, pois aqui trata-se apenas da pureza da mente, como uma advertência contra ações definidas como “e então?”, ou seja, “E então, se o fiz, não há mal nenhum nisso.”
Mas deve saber que, aos olhos dos sábios, o “e então?” é considerado o pior dos corruptores, pois todos os destruidores no mundo, os que já existiram e os que hão de vir, são pessoas do tipo “e então?”. Isto significa que se ocupam e ocupam os outros com coisas desnecessárias. Por isso, os sábios não aceitavam nenhum aluno antes de terem a certeza de que ele seria cauteloso na sua forma de proceder, de modo a não revelar o que não era necessário.
2. Impossível
Isto significa que a linguagem não os obriga a dizer nada sobre a sua qualidade, devido à sua grande sublimidade e espiritualidade. Assim, qualquer tentativa de revestir estas questões com palavras pode apenas induzir os examinadores em erro e desviá-los para um caminho falso, o que é considerado a pior de todas as transgressões . Portanto, revelar qualquer coisa nestes assuntos requer permissão do Alto. Esta é a segunda parte da ocultação da sabedoria. Contudo, essa permissão também necessita de explicação.
Permissão do Alto
Este tema é explicado no livro O Portão para as Palavras de Rashbi, do ARI (na porção Mishpatim, O Zohar, 4:100, começando com as palavras “O filho de Yochai sabia como ocultar”): “Deve saber que algumas almas dos justos pertencem ao tipo de luz circundante, enquanto outras pertencem ao tipo de luz interior. (Vai encontrar o significado disso no meu livro Panim Meirot, Portal Makifin, Ramo 48.) Aqueles que pertencem ao tipo de luz circundante têm o poder de falar dos segredos e ocultações da Torá através de um grande disfarce e ocultação, de forma que apenas os que são dignos disso os compreendam.
A alma de Rabi Shimon Bar-Yochai pertencia ao tipo de luz circundante. Por isso, ele tinha a capacidade de revestir as palavras e ensiná-las de tal forma que, mesmo se as ensinasse a muitos, apenas os dignos de as compreender as entenderiam. Por essa razão foi-lhe dada ‘permissão’ para escrever O Livro do Zohar.
A permissão para escrever um livro nesta sabedoria não foi ‘concedida’ aos seus professores nem aos primeiros, que os precederam na escrita nesta sabedoria, embora fossem certamente mais conhecedores desta sabedoria do que ele. Mas a razão é que eles não tinham o poder de revestir os assuntos da forma como ele o fez. Este é o significado do que está escrito: ‘O filho de Yochai sabia como guardar (os seus segredos).’ Agora pode entender o grande ocultamento no O Livro do Zohar que Rashbi escreveu, pois nem toda mente pode compreender as suas palavras.
A essência das suas palavras: Explicar os assuntos na sabedoria da verdade não depende, de forma alguma, da grandeza ou pequenez do sábio cabalista. Em vez disso, depende da iluminação de uma alma dedicada a este propósito. A iluminação dessa alma é considerada ‘receber permissão’ do Alto para revelar a sabedoria superior. Assim, aprendemos que aquele que ainda não recebeu essa permissão não deve fazer clarificações sobre esta sabedoria, pois não pode revestir esses assuntos subtis com as palavras adequadas de forma a não induzir os estudantes em erro.
Por esta razão, não encontramos nenhum livro sobre a sabedoria da verdade que anteceda O Livro do Zohar de Rashbi, pois todos os livros na Sabedoria, anteriores a ele, não são categorizados como esclarecimentos da sabedoria, mas apenas como alusões, sem uma ordem de causa e consequência, como é conhecido pelos entendidos.
Devo acrescentar, como recebi dos livros e de autores, que desde o tempo de Rashbi e dos seus discípulos, os autores de O Zohar, até ao tempo do ARI, não houve um único escritor que compreendesse as palavras de O Zohar e dos Tikkunim [correções] como o ARI. Todas as composições anteriores ao seu tempo são meras noções vagas sobre esta sabedoria, incluindo os livros do sábio RAMAK.
E as mesmas palavras que foram ditas sobre Rashbi devem ser ditas sobre o próprio ARI — que os seus predecessores não receberam permissão do Alto para revelar as interpretações da sabedoria, ao ARI foi dada essa permissão. Isto não distingue, de forma alguma, grandeza ou pequenez, pois é possível que o mérito dos predecessores do ARI fosse muito maior do que o dele, mas eles não receberam permissão para tal. Por esta razão, abstiveram-se de escrever comentários que se relacionassem com a essência da sabedoria, contentando-se com breves alusões que não estavam de forma alguma interligadas.
Portanto, desde que os livros do ARI surgiram no mundo, todos os que estudam a sabedoria da Cabala deixaram de lado os livros do RAMAK e de todos os primeiros e grandes que precederam o ARI, como é sabido entre os que se dedicam a esta sabedoria. Eles ligaram as suas vidas espirituais exclusivamente aos escritos do ARI, de forma que os livros essenciais, considerados interpretações adequadas desta sabedoria, são apenas O Livro do Zohar, os Tikkunim e, a seguir a eles, os livros do ARI.”
3. O Conselho do Senhor é para os que O Temem
Isto significa que os segredos da Torá são revelados apenas àqueles que temem o Seu nome, que guardam a Sua glória com o coração e com a alma, de modo a nunca cometerem qualquer tipo de blasfémia. Esta é a terceira parte da ocultação da sabedoria.
Esta parte é a mais rigorosa no que diz respeito à ocultação, pois este tipo de revelação fez cair muitos. Deste contexto surgiram todos os mágicos, feiticeiros e cabalistas “práticos,” que caçam almas com a sua astúcia, bem como os místicos que utilizam uma sabedoria ressequida, proveniente das mãos de estudantes indignos, para obter benefícios corpóreos para si próprios ou para outros. O mundo já sofreu muito com isso e ainda sofre.
Saiba que a raiz da ocultação era apenas nesta parte. Foi a partir dela que os sábios adotaram uma rigorosa exigência ao testar os discípulos, como disseram os nossos sábios (Hagigah 13a): “Um resumo é dado apenas a um juiz principal, e a alguém cujo coração esteja preocupado,” e “Maase Beresheet não deve ser explorado em pares, nem a Merkava explorada sozinha.” Existem muitos outros exemplos semelhantes, e todo este receio deve-se à razão acima mencionada.
Por esta razão, são poucos os escolhidos que foram recompensados com esta sabedoria, e mesmo aqueles que passaram por todos os testes e exames são obrigados sob os juramentos mais severos a não revelar nada dessas três partes. (Sobre este tema, veja a introdução ao Livro da Criação por Rabi Moshe Burtril.)
Não interpretem mal as minhas palavras ao dizer que dividi a ocultação da sabedoria em três partes. Não quero com isso dizer que a sabedoria da verdade em si própria se divide nestas três partes. O que quero dizer é que estas três partes ramificam-se a partir de cada detalhe desta sabedoria, pois são os únicos três tipos de escrutínio que se aplicam sempre a esta sabedoria.
Aqui, porém, devemos perguntar: Se é verdade que o rigor da ocultação da sabedoria é tão severo, de onde vieram todas as milhares de composições sobre esta sabedoria? A resposta é que há uma diferença entre as duas primeiras partes e a última parte. O principal peso recai apenas sobre a terceira parte, mencionada acima, pela razão já explicada.
Mas as duas primeiras partes não estão sob proibição constante, pois, por vezes, um tema na categoria do “desnecessário” inverte-se, deixa de o ser por alguma razão e torna-se necessário. Do mesmo modo, a parte “impossível” pode, em certas ocasiões, tornar-se possível. Isto acontece por duas razões: ou devido ao desenvolvimento da geração ou por ser concedida permissão do Alto, como aconteceu com Rashbi e o ARI, e em menor nível com os seus predecessores. Todos os livros autênticos escritos nesta sabedoria surgem destes discernimentos.
Isto é o que eles querem dizer com a sua expressão: “Revelei uma porção e ocultei duas porções.” Querem dizer que aconteceu terem revelado algo novo que os seus predecessores não vislumbraram. Por isso, indicam que estão a revelar apenas uma porção, ou seja, a primeira das três porções da ocultação, deixando duas porções ocultas.
Isto indica que algo aconteceu como razão que justificou essa revelação: ou o “desnecessário” assumiu a forma de “necessário,” ou foi concedida “permissão do Alto,” como expliquei acima. Este é o significado da expressão: “Estou a revelar uma porção.”
Os leitores destes ensaios, que pretendo imprimir durante o ano, devem saber que todos são inovações, que não estão a ser apresentadas claramente como tal, no seu conteúdo preciso, em qualquer livro que me preceda. Recebi-as de “boca para boca” do meu professor, que estava autorizado para tal, ou seja, ele também as recebeu de “boca para boca” dos seus professores.
E, embora as tenha recebido sob todas as condições de ocultação e vigilância, pela necessidade apresentada no meu ensaio “Tempo de Agir,” a parte “desnecessária” inverteu-se para mim e tornou-se “necessária.” Por isso, revelei esta porção com permissão completa, como expliquei acima. Contudo, guardarei as outras duas porções, conforme me foi ordenado.