Carta Nº 34
Véspera de Rosh Hashana [Véspera do Ano Novo Judaico], 14 de Setembro de 1957
Aos amigos, que vivam para sempre.
Após me ter aproximado de vocês no lugar corpóreo imaginário, esperamos pela aproximação dos corações, pois há muito tempo que não temos correspondência, e o ato físico traz a unidade, como se diz na oração de Rosh Hashana, “E todos vão tornar-se uma só sociedade”. Nesse estado, será mais fácil “Fazer a Tua vontade com todo o coração”.
Isto acontece porque, enquanto não houver apenas uma sociedade, é difícil trabalhar com todo o coração. Em vez disso, uma parte do coração permanece para o próprio benefício e não para o benefício do Criador. Sobre isso, diz-se na Midrash Tanchuma, “‘Vós estais aqui hoje’, como o dia por vezes brilha e por vezes escurece, assim é convosco. Quando está escuro para vocês, a luz do mundo vai brilhar para vós, como é dito, ‘E o Senhor será para vós uma luz eterna.’ Quando? Quando todos vós forem uma só sociedade, como está escrito, ‘Vivos, cada um de vós, neste dia.’
Normalmente, se a pessoa pegar numa pilha de ramos, poderá quebrá-los todos ao mesmo tempo? Mas, se pegar em cada um deles individualmente, até uma criança os pode quebrar. Da mesma forma, verificamos que Israel não será redimido até que todos sejam uma só sociedade, como está dito, ‘Naqueles dias e naquele tempo, diz o Senhor, os filhos de Israel virão, eles e os filhos de Judá juntos.’ Assim, quando estão unidos, recebem a face da Divindade.”
Apresentei as palavras da Midrash para que não pensem que a questão de um grupo, que é o amor aos pelos amigos, está relacionada com o Hassidismo. Pelo contrário, é o ensinamento dos nossos sábios, que viram quão necessária era a união dos corações num único grupo para a recepção da face da Divindade.
Embora haja sempre um dos amigos que se destaca e grita, “Juntem as vossas mãos para um único grupo!” e sempre atribua a negligência aos amigos, ainda assim não o podemos excluir de entre os amigos que são negligentes nesta matéria, e isto deve ser suficiente para a compreensão.
Principalmente, vamos esperar que no novo ano, Shin-Tav-Het-Yod [“Que vivam” mas também o ano no calendário hebraico, contado em letras (1949-50)], o Criador nos conceda a vida eterna, como está escrito, “Pois Deus designou-me outra semente em vez de Abel,” etc., e “Que vivam” se torne realidade.
O significado de Rosh Hashana [Início do Ano Judaico] é um novo começo, quando a pessoa inicia a construção de uma nova estrutura. Como disseram os nossos sábios, “A pessoa deve sempre considerar-se meio pecador, meio justo. Se realizar uma única Mitzva [boa ação/mandamento], feliz é, pois sentenciou-se a si própria e ao mundo inteiro ao lado do mérito. Se cometer uma transgressão, ai dela, pois sentenciou-se a si própria e ao mundo inteiro ao lado da culpa.”
Devemos compreender o que significa que a pessoa se deve sempre considerar cinquenta-cinquenta. 1) Se realiza uma Mitzva e se sentencia ao lado do mérito, como pode dizer-se que é novamente cinquenta-cinquenta? Afinal, já sentenciou e já possui uma maioria de méritos. Por outro lado, se cometeu uma transgressão, como pode dizer-se depois que é cinquenta-cinquenta? 2) Como pode dizer-se que é cinquenta-cinquenta quando se sabe de si próprio que está cheio de pecados e transgressões? Ao mesmo tempo, é-se compelido a confessar, “Somos culpados, traímos” e “Pelo pecado.”
A questão é que os nossos sábios nos fazem compreender a ordem do trabalho. Aqui não se trata de um tribunal e julgamento do Alto. Somente quando a pessoa se apresenta perante o tribunal do Alto é que as suas transgressões e méritos são sentenciados.
Pelo contrário, aqui os nossos sábios ensinam-nos que se deve sempre iniciar o trabalho e escolher o bem e abominar o mal. Isto porque a escolha é pertinente precisamente em algo que é cinquenta-cinquenta, pois então ele tem o poder de escolher. Mas quando um dos lados já tem a maioria, ele já não pode decidir, porque o homem segue a maioria e então é irrelevante falar de escolha.
Isto levanta a questão, “Como pode ele enganar-se a si próprio e dizer que é cinquenta-cinquenta quando, na verdade, sabe que está cheio de pecados?” Contudo, devemos saber que a questão da escolha que lhe é dada é permanente e existe sempre, como em, “Aquele que é maior que o seu amigo, a sua inclinação é maior que ele.” Segundo esta regra, se ele tem muitos pecados, então tem uma inclinação pequena, que não é maior que a inclinação ao bem, mas é precisamente cinquenta-cinquenta, para que ele possa decidir.
E uma vez que as transgressões vêm através da inclinação ao mal e as Mitzvot [boas acções/mandamentos] vêm através da inclinação ao bem, como interpretou RASHI, “Criaste justos através da inclinação ao bem; criaste ímpios através da inclinação ao mal”, por isso os nossos sábios disseram, “A pessoa deve sempre considerar-se meio pecador, meio justo.” Ou seja, no que diz respeito à escolha, é sempre assim, e se as transgressões são de... então a inclinação ao mal diminui. Assim, ele é cinquenta-cinquenta.
Da mesma forma, se ele realiza uma única Mitzva e já se sentenciou ao lado do mérito, é-lhe imediatamente dada uma grande inclinação ao mal, como está escrito, “Aquele que é maior que o seu amigo, a sua inclinação é maior.” Assim, agora ele tem cinquenta-cinquenta, para que possa sentenciar ao lado do mérito.
Portanto, em Rosh Hashana, inicia-se o trabalho de novo. Além disso, os dias dos dez dias penitenciais são chamados “dias de perdão e expiação dos pecados”, para que o homem tenha toda a oportunidade de se juntar novamente ao trabalho do Criador, mesmo que tenha estado tão distante do trabalho.
E a essência do trabalho é a oração, pois somente pela oração se pode sair do domínio público e entrar no domínio do Único. Isto porque, no que diz respeito às orações, grandes e pequenos são iguais. Além disso, aquele que sente a sua baixeza pode oferecer uma oração mais genuína do fundo do coração, pois sabe de si próprio que não pode livrar-se dos problemas sozinho. Então, ele pode dizer que, na verdade, aqueles que foram criados com talentos especiais e qualidades de subtileza podem fazer algo por si próprios, enquanto aqueles sem dons especiais e boas qualidades precisam da misericórdia do céu. Assim, apenas esta pessoa pode oferecer uma oração honesta.
Contudo, devemos ter cuidado para não fugir da campanha, pois é o comportamento da inclinação que, onde se pode oferecer uma oração verdadeira, ela traz-lhe centelhas de desespero e fornece-lhe provas, conclusões e inferências de que a sua oração será inútil. Por fim, a pessoa torna-se incapaz de acreditar em “Pois Tu ouves a oração de cada boca”. Disseram os nossos sábios, “O Criador anseia pela oração dos justos”. Isto acontece porque a oração é a principal ferramenta para a inspiração da Divindade, pois é considerada uma oração dos pobres.
E a oração aplica-se até ao maior dos maiores. Sem ela, não se pode alcançar um estado de “permanência” no trabalho. Este é o significado de, “Pois os pobres nunca cessarão na terra”. Devemos compreender por que o Criador nos prometeu isto, que é necessário haver sempre pobres. Não seria melhor se não existisse tal coisa em Israel?
Contudo, na interpretação acima, “pobre” significa um lugar para a oração, e se não há lugar de carência, não há lugar para a oração. Assim, não haverá lugar para a oração assim que a pessoa é recompensada com grandeza? A este respeito, o Criador promete-nos, “Os pobres nunca cessarão”, ou seja, vai haver sempre um lugar onde seja possível encontrar uma necessidade para que se possa ascender a um nível superior.
Este é o significado de, “A pobreza convém a Israel como uma cinta vermelha a um cavalo branco”. Isto significa que, mesmo que ele já seja um judeu em plena grandeza, ainda assim, a pobreza é adequada, pois é um lugar de carência para que ele possa oferecer uma oração.
Esta é a questão apresentada na Guemara (Berachot 9b): “Disse o Rabino Ela a Ulla, ‘Quando subires lá, dá as minhas saudações ao meu irmão, Rabino Berona, na presença de todo o grupo, pois ele é um grande homem e rejubila nas Mitzvot [mandamentos/boas acções]. Certa vez, ele conseguiu unir a redenção com a oração, e um sorriso não deixou os seus lábios durante todo o dia.’” Ou seja, o facto de ser um grande homem é quando ele já se encontra num estado de redenção, livre de todas as carências, sem mais nada a fazer. Nesse estado, ele tem o trabalho de encontrar alguma falha em si próprio para orar por ela. E quando ele estava “unindo a redenção com a oração”, encontrou prontamente um lugar para a oração e teve uma alegria sem fim, como está escrito, “Pois os pobres nunca vão cessar na terra”.
Conclui-se de tudo o que foi dito que o mais importante é a oração. Sejam fortes na oração e acreditem que, “Tu ouves a oração de cada boca”.
Que sejamos inscritos no livro da vida.
Vosso amigo, Baruch Shalom HaLevi
Filho de Baal HaSulam