Introdução ao Estudo das Dez Sefirot
1) Para começar, sinto uma grande necessidade de quebrar uma parede de ferro que nos tem separado da sabedoria da Cabala, desde a destruição do Templo até esta geração. Este peso recai sobre nós e desperta o receio de sermos esquecidos de Israel.
Contudo, quando começo a falar com alguém sobre a participação neste estudo, a sua primeira pergunta é: “Porque é que devo saber quantos anjos há no céu e quais são os seus nomes? Não poderei manter toda a Torá com todos os seus detalhes e complexidades sem este conhecimento?”
Em segundo lugar, a pessoa pergunta: “Os sábios já determinaram que devemos primeiro encher o estômago com Mishna e Gemara, e quem se pode enganar pensando que já completou toda a Torá revelada, e que só lhe falta a sabedoria do oculto?”
Em terceiro lugar, a pessoa tem medo de se tornar amarga por causa deste estudo. Isto porque já houve incidentes de desvio do caminho da Torá devido ao envolvimento com a Cabala. Daí a pergunta: “Porque é que preciso deste incómodo? Quem é tão tolo para se colocar em perigo sem razão?”
Em quarto lugar: Mesmo aqueles que favorecem este estudo permitem-no apenas a pessoas sagradas, servos do Criador, e nem todos os que desejam tomar o Senhor podem vir e tomar.
Em quinto lugar, e mais importante, “Há uma conduta entre nós que, em caso de dúvida, deve ser mantida: faz o que o povo faz”, e os meus olhos veem que todos os que estudam a Torá na minha geração têm uma visão comum, e abstêm-se de estudar o oculto. Além disso, aconselham aqueles que lhes perguntam, que é, sem dúvida, preferível estudar uma página de Gemara em vez deste estudo.
2) De facto, se concentrarmos o nosso coração em responder a uma única pergunta muito famosa, tenho a certeza de que todas estas perguntas e dúvidas vão desaparecer do horizonte, e vão olhar para o seu lugar para verificar que desapareceram, ou seja, esta questão indignada que o mundo inteiro coloca, a saber, “Qual é o sentido da minha vida?” Ou seja, estes anos contados da nossa vida, que nos custam tão pesadamente, e as inúmeras dores e tormentos que sofremos por eles, para os completar ao máximo, quem é que os desfruta? Ou ainda mais precisamente, a quem trazemos contentamento?
É verdade que os historiadores se cansaram de a contemplar, e particularmente na nossa geração, ninguém deseja sequer considerá-la. No entanto, a questão permanece tão amarga e tão veemente como sempre. Às vezes, ela encontra-nos sem convite, picando o nosso intelecto e degradando-nos ao chão, antes de encontrarmos o famoso estratagema de seguir insensatamente as correntes da vida, como habitualmente.
3) Na verdade, é para resolver este grande enigma que o versículo diz: “Prove e veja que o Senhor é bom.” Aqueles que cumprem a Torá e as Mitzvot [mandamentos] correctamente são os que provam o sabor da vida. São eles que vêem e testemunham que o Senhor é bom, como dizem os nossos sábios, que Ele criou os mundos para fazer o bem às Suas criações, pois é a conduta do Bom Fazer o Bem.
No entanto, aqueles que ainda não sentiram o sabor da vida de cumprir a Torá e as Mitzvot não conseguem sentir ou compreender que o Senhor é bom, como disseram os nossos sábios, que quando o Criador nos criou, o Seu único propósito era beneficiar-nos. Por isso, não temos outro conselho senão cumprir a Torá e as Mitzvot como deve ser.
Está escrito na Torá (porção Nitzavim): “Vejam, coloquei diante de vós hoje a vida e o bem, e a morte e o mal.” Isto significa que antes da entrega da Torá, tínhamos apenas a morte e o mal diante de nós, como dizem os nossos sábios, “Os ímpios, nas suas vidas, são chamados ‘mortos’”, uma vez que a sua morte é melhor que a sua vida, pois a dor e o sofrimento que enfrentam para o seu sustento é muitas vezes maior do que o pequeno prazer que sentem nesta vida.
No entanto, agora fomos agraciados com a Torá e as Mitzvot, e ao cumpri-las somos recompensados com a verdadeira vida, alegre e deliciosa para o seu dono, como está escrito, “Prove e veja que o Senhor é bom.” Por isso, os escritos dizem: “Vejam, coloquei diante de vós hoje a vida e o bem”, algo que não tínhamos na realidade antes da entrega da Torá.
E no final dos escritos, “Portanto, escolha a vida, para que possam viver, vós e os vossos descendentes.” Aqui há uma afirmação aparentemente repetida: “escolha a vida, para que viva.” No entanto, é uma referência à vida de quem cumpre a Torá e as Mitzvot, que é quando há verdadeira vida. Porém, uma vida sem Torá e Mitzvot é mais difícil que a morte. Este é o significado das palavras dos nossos sábios, “Os ímpios, nas suas vidas, são chamados ‘mortos.’”
Os escritos dizem, “para que possam viver, vós e os vossos descendentes.” Isto significa que não só uma vida sem Torá é desprovida de alegria para o seu possuidor, como também não pode fazer os outros felizes. Não se encontra satisfação nem nos próprios filhos, pois a vida dos seus filhos também é mais difícil que a morte. Por isso, que presente lhes deixa?
No entanto, não só aquele que vive na Torá e nas Mitzvot tem deleite com a sua própria vida, como também se sente feliz por gerar filhos e lhes legar esta boa vida. Este é o significado de “para que possam viver, vós e os vossos descendentes”, pois ele recebe prazer adicional na vida dos seus filhos, da qual ele foi a causa.
4) Agora pode compreender as palavras dos nossos sábios sobre o versículo: “Portanto, escolha a vida” (ver a interpretação de RASHI). Afirma: “Eu dou-lhe instruções para escolher a parte da vida, como quem diz ao filho: ‘Escolhe para ti uma boa parte na minha terra.’ Ele coloca-o na melhor parte e diz-lhe: ‘Escolhe isto para ti.’” Sobre isto foi dito: “Senhor, a porção da minha herança e do meu cálice, Tu apoias a minha sorte. Colocaste a minha mão na boa sorte, para dizer: ‘Toma isto para ti.’”
À primeira vista, estas palavras parecem desconcertantes. O versículo diz: “Portanto, escolha a vida”, o que implica que a escolha é feita pela própria pessoa. No entanto, eles dizem que Ele a coloca na parte boa. Então, já não há escolha aqui? Além disso, afirmam que o Criador coloca a mão da pessoa na boa sorte. Isto é, de facto, intrigante, pois, sendo assim, onde está a escolha do homem?
Agora podemos ver o verdadeiro significado das suas palavras. É, de facto, verdade que o próprio Criador coloca a mão da pessoa na boa sorte, dando-lhe uma vida de prazer e contentamento em contraste com a vida corpórea, que está cheia de tormentos e dores, e desprovida de qualquer conteúdo. A pessoa inevitavelmente afasta-se e escapa dela quando vê, mesmo que aparentemente, por entre as fendas, um lugar tranquilo para onde possa fugir desta vida, que é mais difícil do que a morte. Na verdade, da parte do Criador, não há melhos colocação da mão da pessoa na boa sorte, do que esta.
E a escolha da pessoa refere-se apenas ao fortalecimento. Isto porque há, certamente, um grande esforço e empenho antes que a pessoa purifique o seu corpo, para ser capaz de observar a Torá e as Mitzvot corretamente, não para o seu próprio benefício, mas para trazer contentamento ao seu Criador, o que se chama Lishma [pelo Seu Benefício]. Apenas desta forma se é agraciado com uma vida de felicidade e prazer que vem com a observância da Torá.
Antes de alcançar essa purificação, há certamente uma escolha em fortalecer-se no bom caminho por todos os meios e estratégias possíveis. A pessoa deve fazer tudo o que a sua mão encontrar força para fazer, até completar a obra de purificação e não sucumbir sob o peso a meio do caminho.
5) De acordo com o exposto, vai compreender as palavras dos nossos sábios no Masechet Avot: “Tal é o caminho da Torá: Coma pão com sal, beba pouca água, durma no chão, leve uma vida de sofrimento e esforce-se na Torá. Se fizer assim, feliz é; feliz neste mundo e feliz no mundo vindouro.”
Devemos perguntar sobre estas palavras: O que distingue a sabedoria da Torá das outras disciplinas do mundo, que não exigem este auto-sacrifício e vida de sofrimento, sendo suficiente o trabalho em si próprio para adquirir esses conhecimentos? Ainda que labutemos extensivamente na Torá, isso não basta para adquirir a sabedoria da Torá, exceto através da mortificação com pão e sal e uma vida de sofrimento.
O final das palavras é ainda mais surpreendente, pois dizem: “Se fizer assim, feliz será neste mundo e feliz será no mundo vindouro.” Isto porque é evidente que é possível ser feliz no mundo vindouro. Mas neste mundo, enquanto nos mortificamos em comer, beber e dormir, e levar uma vida de sofrimento, seria dito sobre tal vida: “feliz será neste mundo?” Será este o significado de uma vida feliz neste mundo?
6) Contudo, conforme explicado acima, o envolvimento na Torá e a observância das Mitzvot de forma correta, sob a condição rigorosa de trazer contentamento ao Criador e não para o seu próprio prazer, é impossível de alcançar sem um grande esforço e trabalho árduo na purificação do corpo.
A primeira estratégia é habituar-se a não receber nada para o seu próprio prazer, nem mesmo as coisas permitidas e necessárias para a existência do corpo, como comer, beber, dormir e outras necessidades semelhantes. Desta forma, a pessoa desprende-se completamente de qualquer prazer que lhe apareça, mesmo no que é necessário para se sustentar, até que leve uma vida de sofrimento no sentido literal.
Depois, quando a pessoa já se habituou a isso e o seu corpo já não possui qualquer desejo de receber prazer para si próprio, torna-se então possível dedicar-se à Torá e cumprir as Mitzvot também dessa forma, ou seja, para trazer contentamento ao Criador e não de forma alguma para o seu próprio prazer.
Ao alcançar isto, a pessoa é recompensada com saborear uma vida feliz, repleta de deleite e prazer, sem qualquer mácula de sofrimento, que se revela na prática da Torá e das Mitzvot Lishma. Como diz o Rabino Meir (Avot 6): “Quem se dedica à Torá Lishma é agraciado com muitas coisas. Além disso, o mundo inteiro torna-se valioso para ela, os segredos da Torá são-lhe revelados, e ela torna-se como uma fonte que jorra.”
É sobre ele que o versículo diz: “Prove e veja que o Senhor é bom.” Quem prova o sabor da prática da Torá e das Mitzvot Lishma é agraciado com a visão do propósito da criação, que é fazer apenas o bem às Suas criações, pois é da natureza do Bom Fazer o Bem. Então, a pessoa rejubila e deleita-se com os anos de vida que o Criador lhe concedeu, e o mundo inteiro torna-se valioso para ela.
7) Agora pode compreender os dois lados da moeda no envolvimento com a Torá e as Mitzvot: O primeiro lado é o caminho da Torá, ou seja, a extensa preparação que a pessoa deve fazer para purificar o seu corpo antes de ser agraciada com a verdadeira observância da Torá e das Mitzvot.
Nesse estado, é inevitável que a pessoa se dedique à Torá e às Mitzvot Lo Lishma [Não pelo Seu Benefício], misturado com o desejo de se deleitar, pois ainda não purificou e limpou o seu corpo do desejo de receber prazer das vaidades deste mundo. Durante esse tempo, é necessário levar uma vida de sofrimento e labuta na Torá, conforme está escrito na Mishná.
No entanto, depois de completar o caminho da Torá, já tendo purificado o corpo e estando agora apta a observar a Torá e as Mitzvot Lishma, para trazer contentamento ao Criador, a pessoa alcança o outro lado da moeda, que é uma vida de prazer e grande tranquilidade, à qual se refere a intenção da criação, “fazer o bem às Suas criações”, ou seja, a vida mais feliz neste mundo e no mundo vindouro.
8) Isto explica a grande diferença entre a sabedoria da Torá e os restantes ensinamentos do mundo: adquirir os outros ensinamentos não melhora de forma alguma a vida neste mundo, pois nem sequer proporcionam alívio para os tormentos e sofrimentos que se experienciam durante a vida. Por isso, não há necessidade de corrigir o corpo, e o esforço que a pessoa despende em troca desses ensinamentos é suficientemente compensado, tal como acontece com todos os outros bens mundanos adquiridos através de trabalho e esforço.
No entanto, o único propósito do envolvimento na Torá e nas Mitzvot é tornar a pessoa digna de receber toda a bondade contida na intenção da criação, “fazer o bem às Suas criações.” Por conseguinte, é indispensável purificar o corpo para merecer essa bondade divina.
9) Isto também esclarece plenamente as palavras da Mishna: “Se fizer assim, será feliz neste mundo.” Esta precisão foi feita de forma deliberada, para indicar que uma vida feliz neste mundo está disponível apenas para aqueles que completaram o caminho da Torá. Assim, a mortificação no comer, beber, dormir e uma vida de sofrimento mencionadas aqui aplicam-se apenas enquanto se está no caminho da Torá. É por isso que disseram meticulosamente: “Tal é o caminho da Torá.”
E quando a pessoa completa este caminho de Lo Lishma, numa vida de sofrimento e mortificação, a Mishna conclui: “…será feliz neste mundo.” Isto porque será agraciada com a felicidade e bondade contidas na intenção da criação, e todo o mundo será compensador para a pessoa, mesmo este mundo, e ainda mais o mundo vindouro.
10) O Zohar (Bereshit, Item 348 no Zohar com o comentário Sulam, Bereshit 1) escreve sobre o versículo: “E Deus disse: ‘Que haja luz,’ e houve luz”: que haja luz para este mundo e que haja luz para o mundo vindouro. Isto significa que as obras da criação foram criadas na sua estatura e forma plenas, como disseram os nossos sábios, ou seja, na sua glória e perfeição máximas. Consequentemente, a luz criada no primeiro dia surgiu em toda a sua perfeição, contendo também a vida deste mundo, em delicadeza e harmonia completas, como expresso nas palavras: “Que haja luz.”
Contudo, para preparar um lugar de escolha e esforço, Ele ocultou essa luz para os justos no final da correção, como disseram os nossos sábios. Assim, afirmaram nas suas palavras puras: “Que haja luz para este mundo.” No entanto, ela não permaneceu assim, mas sim: “Que haja luz para o mundo vindouro.”
Por conseguinte, aqueles que praticam a Torá e as Mitzvot Lishma são agraciados com essa luz apenas no final da correção, no fim dos dias, após a purificação completa do seu corpo no caminho da Torá. Então, são recompensados com essa grande luz também neste mundo, como disseram os nossos sábios: “Verá o seu mundo na tua vida.”
11) Contudo, encontramos e vemos nas palavras dos sábios do Talmude, que eles tornaram o caminho da Torá mais acessível para nós do que os sábios da Mishna. Isto porque disseram: “A pessoa deve sempre praticar a Torá e as Mitzvot, mesmo Lo Lishma, pois de Lo Lishma vai chegar a Lishma, já que a luz nela contida reforma.”
Assim, providenciaram-nos um novo meio, em vez da penitência apresentada na Mishna (Avot) mencionada anteriormente: a “luz na Torá”. Esta contém poder suficiente para reformar a pessoa e levá-la a praticar a Torá e as Mitzvot Lishma.
Não mencionaram aqui penitência, mas apenas que o envolvimento na Torá e nas Mitzvot, por si só, proporciona à pessoa essa luz que reforma, permitindo que a pessoa se envolva na Torá e nas Mitzvot com o propósito de trazer contentamento ao seu Criador, e não para o seu próprio prazer. E isto é chamado Lishma.
12) No entanto, parece necessário questionar as suas palavras. Afinal, encontrámos alguns estudantes cuja prática na Torá não os ajudou a alcançar Lishma através da luz nela contida. De facto, praticar a Torá e as Mitzvot Lo Lishma significa que a pessoa acredita no Criador, na Torá e na recompensa e punição, e envolve-se na Torá porque o Criador ordenou esse envolvimento, mas associa o seu próprio prazer com trazer contentamento ao seu Criador.
Se, depois de todo o esforço na prática da Torá e das Mitzvot, a pessoa perceber que nenhum prazer ou benefício pessoal lhe adveio desse grande empenho e esforço, vai lamentar todo o esforço despendido. Isto porque, desde o início, enganou-se ao pensar que também teria deleite com o seu esforço. Isto é chamado Lo Lishma (como está escrito nos Tosafot, Rosh Hashana).
Ainda assim, os nossos sábios permitiram o início da prática da Torá e das Mitzvot também Lo Lishma, pois de Lo Lishma chega-se a Lishma. Contudo, não há dúvida de que, se esse estudante não foi agraciado com fé no Criador e na Sua lei, mas ainda tem dúvidas, não é sobre ele que os nossos sábios disseram: “De Lo Lishma vai chegar a Lishma.” Não é sobre ele que disseram que, ao envolver-se nela, “a luz nela contida vai reformar” (Midrash Raba, Ptichta de Eicha, e o Talmude de Jerusalém, Hagigah, Capítulo 1, Regra 7, “De Lo Lishma chega-se a Lishma” (Eicha Rabá, Peticha 2).
Isto porque a luz na Torá brilha apenas para aqueles que têm fé. Além disso, a medida dessa luz é proporcional à força da fé de cada um. No entanto, para aqueles sem fé, o efeito é o oposto, como está escrito: “Para os que nela se inclinam para a esquerda — uma poção da morte” (Shabat 88), pois recebem escuridão da Torá, e os seus olhos escurecem.
13) Os sábios já apresentaram uma bela alegoria sobre este assunto, a respeito do versículo: “Ai de vós que desejais o dia do Senhor! Para quê o dia do Senhor? É escuridão e não luz” (Amas 5). Há uma alegoria sobre um galo e um morcego que aguardavam a luz. O galo disse ao morcego: “Eu espero a luz, pois a luz é minha. Mas tu, para que precisas da luz?” (Sanhedrin 98b).
Claramente, aqueles estudantes que não foram agraciados com a passagem de Lo Lishma para Lishma devido à sua falta de fé, e que, portanto, não receberam nenhuma luz da Torá, vão caminhar na escuridão e morrer sem sabedoria.
Mas aqueles que foram agraciados com a fé completa estão garantidos, nas palavras dos nossos sábios de que, porque se envolvem na Torá, mesmo em Lo Lishma, a luz nela contida reforma. Serão agraciados com a Torá Lishma, que traz uma vida feliz e boa neste mundo e no próximo mundo, mesmo sem a necessidade de aflição prévia e uma vida de sofrimento. Sobre eles está escrito no versículo: “Então vais deleitar-te no Senhor, e Eu te farei cavalgar sobre os lugares elevados da terra.”
14) Relativamente a este assunto mencionado acima, interpretei certa vez a afirmação dos nossos sábios: "Aquele cuja Torá é o seu ofício." A medida da sua fé torna-se evidente na sua prática da Torá, pois as letras da palavra Umanuto [o seu ofício] são as mesmas, em hebraico, que as letras da palavra Emunato [a sua fé].
É como uma pessoa que confia no seu amigo e lhe empresta dinheiro. Pode confiar nele com uma libra, mas se ele lhe pedir duas libras, vai recusar emprestar-lhas. Também pode confiar-lhe cem libras, mas não mais do que isso. Do mesmo modo, pode confiar nele ao ponto de lhe emprestar metade das suas posses, mas não a totalidade. Finalmente, pode confiar nele ao ponto de lhe entregar tudo o que possui, sem o menor receio. Esta última forma de fé é considerada "fé completa", enquanto as anteriores são "fé incompleta", sendo apenas uma fé parcial, em maior ou menor grau.
Da mesma forma, há quem dedique apenas uma hora por dia à prática da Torá e do trabalho, de acordo com o nível da sua fé no Criador. Outra pode dedicar duas horas, segundo a medida da sua fé no Criador. Já uma terceira não desperdiça um único momento do seu tempo livre sem se ocupar da Torá e do trabalho. Assim, apenas a fé desta última é completa, pois confia no Criador com tudo o que possui. As anteriores, no entanto, ainda não possuem uma fé completa.
15) Assim, foi esclarecido de forma aprofundada que nenhuma pessoa deve esperar que a prática da Torá e das Mitzvot Lo Lishma a leve a Lishma, exceto quando souber, no seu coração, que lhe foi concedida fé no Criador e na Sua Torá de forma adequada. Isto porque a luz nela presente vai reformá-la, e será recompensada com o "dia do Senhor", que é pura luz, pois a Kedusha [santidade] da fé purifica os seus olhos para que possam deleitar-se na Sua luz, até que a luz da Torá a transforme.
Contudo, aqueles que não possuem fé são como morcegos. Não conseguem olhar para a luz do dia, pois a luz do dia transforma-se para eles numa escuridão ainda mais terrível do que a própria noite, uma vez que só se alimentam nas trevas.
Do mesmo modo, os olhos dos que não têm fé estão cegos para a luz do Criador. Por isso, a luz transforma-se em escuridão para eles, e a poção da vida converte-se numa poção de morte. Sobre eles está escrito: "Ai daqueles que desejam o dia do Senhor! Para que vos serve o dia do Senhor? Ele é trevas e não luz." Portanto, antes de mais, é necessário que a pessoa complete a sua própria fé.
16) Isto responde também a outra questão colocada pelos Tosfot (Taanit, p. 7). Dizem lá que: "Qualquer pessoa que pratique a Torá Lishma, a sua Torá torna-se para ela uma poção de vida. E qualquer uma que pratique a Torá Lo Lishma, a sua Torá torna-se para ela uma poção da morte." Eles perguntam: "Mas não dissemos que a pessoa deve sempre estudar a Torá, mesmo que seja Lo Lishma, pois a partir do Lo Lishma vai alcançar Lishma?"
De acordo com o que foi explicado acima, podemos dividir isto da seguinte forma: Aquela que se ocupa da Torá pela Mitzva de estudar a Torá e que acredita em recompensa e castigo, mas que ainda associa o prazer pessoal e o benefício próprio à intenção de dar contentamento ao seu Criador, vai receber a luz nela contida, que a vai reformar e leva-la a Lishma. Já aquela que estuda a Torá não pelo mandamento de aprender Torá, pois não acredita de forma suficiente em recompensa e castigo para se esforçar tanto por isso, mas apenas o faz pelo seu próprio prazer, para esta pessoa, a Torá torna-se uma poção de morte, pois a luz presente nela transforma-se em escuridão.
17) Por isso, o aluno compromete-se, antes do estudo, a fortalecer-se em fé no Criador e na Sua orientação em ‘recompensa e castigo’, como disseram os nossos sábios: "O teu empregador está obrigado a pagar-te a recompensa pelo teu trabalho." A pessoa deve direcionar o seu esforço para as Mitzvot da Torá e, desta forma, será recompensada com o prazer da luz nela contida e a sua fé vai fortalecer-se e vai crescer através do poder dessa luz, como está escrito: "Será a saúde para o seu umbigo e a medula para os seus ossos" (Provérbios 3:8).
Assim, a pessoa pode estar certa de que, de Lo Lishma, vai chegar a Lishma, de uma forma que mesmo que a pessoa saiba acerca dela própria que ainda não foi agraciada com a fé ainda assim, tem esperança através da prática da Torá, pois não há maior Mitzva do que dedicar o seu coração e intelecto em alcançar a fé no Criador através dela. É como disseram os nossos sábios: "Habacuc veio e salientou apenas isto: ‘O justo vai viver pela sua fé’" (Makkot 24).
Além disso, não há outro conselho senão este, como está escrito (Baba Batra, p. 16a): "Raba disse: 'Job desejou livrar o mundo inteiro do julgamento. Disse-Lhe: ‘Mestre do mundo, Tu criaste os justos, Tu criaste os ímpios; quem Te pode deter?’’"
E RASHI interpreta ali: "Tu criaste os justos através da inclinação ao bem; Tu criaste os ímpios através da inclinação ao mal. Por isso, ninguém se pode salvar da Tua mão, pois quem Te pode deter? Os pecadores são coagidos." E o que responderam os amigos de Job? "Na verdade, revogas o temor e enfraqueces a oração diante de Deus; o Criador criou a inclinação ao mal, mas criou para ela a Torá como tempero" (Job 15).
RASHI interpreta ali: "Criou para ela a Torá", que é o tempero que elimina os pensamentos de transgressão, como está dito: "Se encontrares este vilão, leva-o ao seminário. Se for duro, vai amolecer. Por isso, não são coagidos, pois podem salvar-se a si próprios" (Kidushin, p. 30).
18) Claramente que não podem livrar-se do julgamento. Se disserem que receberam esse tempero e ainda têm pensamentos de transgressão, ou seja, continuam em dúvida e a inclinação ao mal ainda não se dissolveu, isso significa que o Criador, que a criou e que lhe deu a sua força, certamente também soube criar o remédio e o tempero adequados para a enfraquecer e erradicar por completo.
E se a pessoa pratica a Torá e não consegue remover a inclinação ao mal, é porque ou foi negligente no esforço e empenho necessários na prática da Torá, ou, como está escrito: "Não me esforcei e encontrei? Não acredite", ou talvez tenha despendido a quantidade de esforço necessário, mas foi negligente na qualidade desse esforço.
Isto significa que, enquanto praticavam a Torá, não estabeleceram o seu intelecto e coração em atrair a luz na Torá, que traz fé ao coração da pessoa. Ao invés, distraíram-se do requisito principal exigido pela Torá, ou seja, da luz que gera a fé. E, embora inicialmente tenham tido essa intenção, o seu intelecto desviou-se durante o estudo.
De qualquer forma, a pessoa não pode livrar-se do julgamento alegando coerção, pois os nossos sábios afirmam categoricamente: "Eu criei a inclinação ao mal; Eu criei para ela a Torá, como tempero." Se tivesse havido qualquer exceção a isto, a questão de Job permaneceria válida.
19) Com tudo o que foi explicado até agora, eliminei uma grande objeção às palavras do Rav Chaim Vital na sua introdução ao Shaar HaHakdamot [Portão das Introduções] do ARI e na introdução ao livro Árvore da Vida. Ele escreve: “Na verdade, não se deve dizer: ‘Irei ocupar-me com a sabedoria da Cabala’ antes de se dedicar à Torá, à Mishna e ao Talmude. Isto porque os nossos sábios já disseram: ‘A pessoa não se deve entrar no PARDESS (1) a menos que tenha enchido o estômago com carne e vinho.’”
Isto é como uma alma sem corpo: não tem recompensa, ação ou consideração antes de estar ligada a um corpo, quando este está completo, corrigido nas Mitzvot da Torá, nas 613 Mitzvot.
Por outro lado, quando a pessoa se ocupa com a sabedoria da Mishna e do Talmude da Babilónia, mas não dá também uma parte aos segredos da Torá e às suas ocultações, é como um corpo que permanece na escuridão, sem uma alma humana, a vela de Deus que brilha dentro dele. Assim, o corpo está seco e não recebe de uma fonte da vida.
Deste modo, um discípulo sábio que pratica a Torá Lishma deve primeiro ocupar-se com a sabedoria da Bíblia, da Mishna e do Talmude, enquanto o seu intelecto o suportar. Depois, deverá aprofundar-se no conhecimento do seu Criador, na sabedoria da verdade.
Foi assim que o rei David ordenou ao seu filho Salomão: “Conhece o Deus de teu pai e serve-O.” E se essa pessoa achar o estudo do Talmude pesado e difícil, será melhor que o deixe, uma vez que tenha testado a sua sorte nesta sabedoria, e se ocupe com a sabedoria da verdade.
Está escrito: “Um discípulo que não viu um bom sinal no seu estudo dentro de cinco anos, também não o verá” (Hullin, p. 24). Assim, qualquer pessoa para quem o estudo seja fácil deve dedicar uma parte do seu tempo, uma ou duas horas por dia, ao estudo da Halacha [normas judaicas], explicando e interpretando as questões da Halacha literal.
20) As suas palavras parecem muito desconcertantes: ele diz que antes de a pessoa ter sucesso no estudo do literal, já deve ocupar-se com a sabedoria da verdade. Isto contradiz as suas próprias palavras anteriores, de que a sabedoria da Cabala sem a Torá literal é como uma alma sem corpo, sem ação, consideração ou recompensa.
A prova que apresenta, de que um discípulo que não viu um bom sinal é ainda mais desconcertante, pois será que os nossos sábios disseram que, por isso, ele deveria abandonar o estudo da Torá? Certamente que não, mas sim para o alertar a examinar os seus caminhos e tentar com outro mestre ou noutra parte do estudo. Mas, sem dúvida, não deve abandonar a Torá, nem sequer a Torá literal.
21) Outra perplexidade é que tanto as palavras do Rav Chaim Vital como as palavras da Guemara implicam que é necessária alguma preparação específica e mérito para a pessoa ser recompensada com a sabedoria da Torá. No entanto, os nossos sábios disseram (Midrash Rabá, porção “E Esta É a Bênção”): “O Criador disse a Israel: ‘Vejam, toda a sabedoria e toda a Torá são fáceis: qualquer um que Me tema e cumpra as palavras da Torá, toda a sabedoria e toda a Torá estarão no seu coração.’”
Assim, aqui não é necessário mérito prévio, mas apenas que, através do temor ao Criador e da observância das Mitzvot, se seja agraciado com toda a sabedoria da Torá.
22) Com efeito, se examinarmos as suas palavras, elas vão tornar-se tão claras para nós em pureza, como os astros no céu. O que ele escreveu: “é melhor afastar-se disso, depois de ter posto à prova a sua sorte na sabedoria revelada”, não se refere à sorte em inteligência e erudição. Ao invés, refere-se ao que explicamos acima na interpretação da frase: “Eu criei a inclinação ao mal; eu criei para ela a Torá como tempero.” Significa que a pessoa se dedicou e se esforçou na Torá revelada e, ainda assim, a inclinação ao mal continua a imperar e não se dissolveu de forma alguma. Isto porque ainda não se libertou dos pensamentos de transgressão, conforme RASHI escreve acima na explicação: “Criei para ela a Torá como tempero.”
Por isso, ele aconselha a deixar essa via e a ocupar-se da sabedoria da verdade, pois é mais fácil atrair a luz na Torá ao praticar e esforçar-se na sabedoria da verdade, do que ao esforçar-se na Torá revelada. A razão para tal é muito simples: a sabedoria da Torá revelada está revestida de formas externas e materiais, como roubo, pilhagem, danos, etc. Por esse motivo, torna-se difícil e penoso para qualquer pessoa orientar o seu intelecto e o seu coração para o Criador durante o estudo, de modo a atrair a luz na Torá.
Isto é ainda mais evidente para a pessoa para quem o estudo do Talmude em si já é pesado e árduo. Como poderá lembrar-se do Criador durante o estudo, se o escrutínio se debruça sobre questões materiais e não pode coexistir simultaneamente com a intenção voltada para o Criador?
Por conseguinte, ele aconselha-o a dedicar-se à sabedoria da Cabala, visto que esta está inteiramente revestida dos nomes do Criador. Assim, poderá certamente orientar com facilidade o seu intelecto e o seu coração para o Criador durante o estudo, mesmo que este lhe seja extremamente difícil, pois o estudo das questões desta sabedoria e do Criador são uma e a mesma coisa – e isto é algo muito simples.
23) Por isso, ele apresenta uma prova sólida com base nas palavras da Guemara: “Um discípulo que, ao fim de cinco anos, não tenha visto um bom sinal no seu estudo, também não o verá depois.” Por que razão não viu um bom sinal no seu estudo? Certamente, isso deve-se apenas à ausência da intenção do coração e não a qualquer falta de aptidão, pois a sabedoria da Torá não exige talento natural.
Pelo contrário, como está escrito na Midrash acima citada: “O Criador disse a Israel: ‘Vejam, toda a sabedoria e toda a Torá são fáceis: qualquer um que Me tema e que cumpra as palavras da Torá terá toda a sabedoria e toda a Torá no seu coração.’”
Evidentemente, é necessário habituar-se à luz da Torá e das Mitzvot, mas não sabemos durante quanto tempo. A pessoa pode ficar à espera toda a sua vida. Por isso, a Braita alerta-nos (Chulin 24) para não esperarmos mais do que cinco anos.
Além disso, o Rabino Yosi afirma que três anos são já suficientes para alcançar a sabedoria da Torá (Chulin 24). Se a pessoa não vir um bom sinal após esse período, não deve iludir-se com falsas esperanças e enganos, mas sim reconhecer que nunca verá um bom sinal.
Por conseguinte, deve encontrar imediatamente uma boa estratégia para ser bem sucedido em alcançar Lishma e ser agraciado com a sabedoria da Torá. A Braita não especifica qual estratégia seguir, mas adverte para não permanecer na mesma situação à espera.
Este é o significado das palavras do Rav, segundo as quais a estratégia mais segura e eficaz é o envolvimento na sabedoria da Cabala. A pessoa deve afastar-se por completo da sabedoria da Torá revelada, visto que já pôs à prova a sua sorte nela e não teve sucesso. Ao invés, deve dedicar todo o seu tempo à sabedoria da Cabala, onde o seu êxito está garantido pelas razões acima mencionadas.
24) Isto é algo muito simples, pois estas palavras não têm qualquer relação com o estudo da Torá revelada no que diz respeito à sua aplicação prática. Com efeito, “não é o ignorante que é piedoso, e um estudo errado conduz ao mal, e um único pecador destrói muito bem.” Assim, é indispensável repeti-las tantas vezes quanto for necessário para não falhar na prática.
No entanto, aqui fala-se apenas do estudo da sabedoria da Torá revelada, com o propósito de explicar e examinar questões que surgem na interpretação das leis, como o próprio Rav Chaim Vital conclui aqui. Refere-se à parte do estudo da Torá que não está ligada à sua aplicação prática, ou à formulação das próprias leis.
Com efeito, aqui pode-se ser mais flexível e aprender a partir das abreviações, sem as fontes originais. No entanto, isso também exige um estudo aprofundado, pois aquele que conhece a partir da origem não é como aquele que apenas obteve um conhecimento superficial através de uma leitura breve de uma abreviação. Para evitar equívocos, Rav Chaim Vital afirma logo no início das suas palavras que a alma apenas se une ao corpo quando este se encontra completo e corrigido nas Mitzvot da Torá, ou seja, nas 613 Mitzvot.
25) Agora poderá ver como todas as questões que apresentamos no início da introdução são uma insensatez completa. São obstáculos que a inclinação ao mal espalha para capturar almas inocentes, expulsá-las do mundo, despojadas e exploradas.
Consideremos a primeira questão, onde eles imaginam que podem cumprir toda a Torá sem conhecer a sabedoria da Cabala. Digo-lhes: de facto, se conseguem estudar a Torá e cumprir as Mitzvot de forma adequada, Lishma, ou seja, apenas com o propósito de trazer contentamento ao Criador, então realmente não precisam de estudar Cabala. Pois, nesse caso, é dito acerca destas pessoas: “A alma da pessoa vai ensinar-lhe tudo.” Isto porque, então, todos os segredos da Torá vão surgir diante de vocês como uma nascente inesgotável, conforme as palavras do Rabino Meir na Mishna acima mencionada (Avot), e não vão necessitar do auxílio dos livros.
Contudo, se ainda estão a estudar Lo Lishma, mas esperam alcançar Lishma através deste estudo, então pergunto-vos: “Há quantos anos têm praticado desta forma?” Se ainda estão dentro dos cinco anos, como afirma o Tana Kama, ou dentro dos três anos, como diz o Rabino Yossi, então podeis ainda aguardar e ter esperança.
Porém, se já estudaram a Torá Lo Lishma por mais de três anos, como afirma o Rabino Yosi, e mais de cinco anos, como diz o Tana Kama, então a Braita adverte de que não vão ver um bom sinal neste caminho que estão a percorrer! Porque enganar as vossas almas com falsas esperanças, quando tendes uma estratégia tão acessível e segura como o estudo da sabedoria da Cabala? Como já expliquei anteriormente, o estudo dos temas desta sabedoria e do próprio Criador são uma e a mesma coisa.
26) Examinemos também a segunda questão, que afirma que se deve primeiro encher a barriga com Mishna e Guemara. Todos concordam que, de facto, assim deve ser. No entanto, isso é válido apenas se a pessoa já foi agraciada com o estudo Lishma, ou mesmo Lo Lishma, se ainda estiver dentro dos três ou cinco anos. Contudo, passado esse tempo, a Braita adverte que nunca verá um bom sinal, e por isso deve testar o seu êxito no estudo da Cabala.
27) Devemos também compreender que a sabedoria da verdade se divide em duas partes. A primeira, denominada os ‘segredos da Torá’, não deve ser exposta senão de forma alusiva e apenas de um cabalista sábio para um discípulo que compreenda no seu próprio intelecto. Tanto o Maase Merkava como o Maasa Bereshit pertencem também a esta parte. Os sábios do Zohar referem-se a essa parte como “as três primeiras Sefirot, Keter, Hochma, Bina”, sendo também designada como o Rosh [Cabeça] do Partzuf.
A segunda parte é chamada os ‘Taamin [sabores] da Torá’. É permitido revelá-los e, na verdade, é uma grande Mitzva divulgá-los. O Zohar refere-se a esta parte como as “sete Sefirot inferiores do Partzuf,” sendo também designada como o Guf [Corpo] do Partzuf.
Cada Partzuf de Kedusha [santidade] é constituído por dez Sefirot, chamadas Keter, Hochma, Bina, Chesed, Guevura, Tifferet, Netzach, Hod, Yesod e Malchut. As três primeiras Sefirot são consideradas o Rosh [Cabeça] do Partzuf, enquanto as sete inferiores são chamadas o Guf [Corpo] do Partzuf. Mesmo a alma do homem inferior contém estas dez Sefirot, bem como cada discernimento, tanto nos mundos superiores como nos inferiores.
A razão pela qual as sete Sefirot inferiores, que são o Guf [Corpo] do Partzuf, são denominadas sabores da Torá encontra-se no versículo: "e o paladar prova a sua comida." As luzes que aparecem abaixo das três primeiras Sefirot, ou seja, abaixo do Rosh [Cabeça], são chamadas Taamim [sabores], e Malchut do Rosh [Cabeça] é chamada Chech [paladar].
Por esta razão, são chamadas os Taamin [sabores] da Torá, pois aparecem no paladar do Rosh [Cabeça], que é a origem de todos os Taamin [sabores], ou seja, Malchut do Rosh [Cabeça]. A partir daí, já não é proibido revelá-los. Pelo contrário, a recompensa de quem os divulga é imensurável e ilimitada.
Além disso, estas três primeiras Sefirot e as sete sefirot inferiores expandem-se tanto no geral como na divisão mais particular possível. Assim, até mesmo as três primeiras Sefirot da Malchut no fim do mundo de Assiya pertencem à seção dos ‘segredos da Torá’, que é proibido divulgar. E as sete Sefirot inferiores no Keter da Rosh [Cabeça] de Atzilut pertencem à categoria dos Taamin [sabores] da Torá, que é permitido revelar. Estas palavras encontram-se registadas nos livros de Cabala.
28) Vai encontrar a origem destas palavras no Tratado de Pesachim (p. 119), onde se diz: Está escrito (Isaías 23): "E o seu ganho e o seu lucro serão sagrados para o Senhor; não serão armazenados nem acumulados, pois o seu lucro será para aqueles que habitam perante o Senhor, para se saciarem e para vestes majestosas." [literalmente “cobrindo Atik]. O que significa “vestes majestosas” [“cobrindo Atik]? Refere-se àquilo que cobre as coisas que Atik Yomin cobriu. E o que são essas coisas? Os segredos da Torá. Outros dizem que se refere àquilo que revela as coisas que Atik Yomin encobriu. E o que são essas coisas? Os sabores da Torá.
O Rashbam interpreta “Atik Yomin é o Criador”, conforme está escrito: "E Atik Yomin senta-se." Os segredos da Torá correspondem ao Maase Merkava e ao Maase Bereshit. O significado de “nome” é como está escrito: “Este é o Meu nome para sempre.” O termo “vestes” significa que Ele não as concede a qualquer pessoa, mas apenas àqueles cujo coração está inquieto, como se diz em “ninguém aprende”: "Isto revela as coisas que Atik Yomin encobriu." Ou seja, os segredos da Torá que estavam ocultos desde o princípio, mas que Atik Yomin revelou e autorizou que fossem divulgados. Aquele que os revela recebe a recompensa mencionada neste versículo.
29) Agora pode ver claramente a grande diferença entre os segredos da Torá, nos quais todos os que os alcançam recebem essa grande recompensa (explicada na Guemara, na interpretação do versículo) por os manterem ocultos e não os revelarem. E acontece ao contrário com os Taamim da Torá, onde todos os que os alcançam recebem essa grande recompensa por os divulgarem a outros.
Alguns dizem que não há qualquer divergência na primeira opinião, mas apenas uma análise dos diferentes significados entre elas. O primeiro significado refere-se ao final, como se diz: “vestes majestosas” (cobrindo Atik). Por isso, interpretam que a grande recompensa é concedida por manter ocultos os segredos da Torá.
Outros dizem que se refere ao início: “vão saciar-se”, o que significa os Taamim (sabores) da Torá, como está escrito: “e o paladar prova a comida.” Isto deve-se ao facto de as luzes dos Taamim serem chamadas “comer”; por isso, interpretam que a grande recompensa mencionada no versículo se aplica a quem revela os Taamim da Torá. No entanto, ambos concordam que os segredos da Torá devem ser ocultados e os Taamim da Torá devem ser revelados.
30) Assim, tem uma resposta clara para a quarta e a quinta questões apresentadas no início da introdução. O que encontra nas palavras dos nossos sábios, bem como nos livros sagrados, que estes ensinamentos são dados apenas a quem tem o coração inquieto, referindo-se à parte chamada “os segredos da Torá”, que corresponde às três primeiras Sefirot, a Cabeça, o Rosh, concedida apenas a alguns, sob certas condições, não vai encontrar sequer um vestígio dessa parte nos livros de Cabala, nem escritos nem impressos, pois são coisas que Atik Yomin ocultou, como está escrito na Guemara.
Além disso, digam se é possível sequer pensar ou imaginar que todos aqueles justos sagrados e célebres, os maiores e melhores da nação, tais como o Sefer Yetzirá (Livro da Criação), o Livro do Zohar, a Braita de Rabi Ishmael, Rav Hai Gaon e Rav Hamai Gaon, Rabi Elazar de Garmiza e todos os outros Rishonim (Primeiros Mestres), desde Nachmânides e o Baal HaTurim, passando pelo Baal Shulchan Aruch, até ao Gaon de Vilna (GRA) e ao Gaon de Ladi, e todos os demais justos, de quem recebemos toda a Torá Revelada, de cujas palavras vivemos, para sabermos que actos realizar para encontrar graça perante o Criador.
Todos eles escreveram e publicaram livros sobre a sabedoria da Cabala. E não há maior revelação do que escrever um livro, cujo autor não sabe quem o lerá. É possível que até mesmo os ímpios o estudem e escrutinem. Assim, não existe uma revelação maior dos segredos da Torá do que esta.
E não devemos sequer pôr em dúvida esses mestres sagrados e puros, supondo que possam ter infringido, mesmo que minimamente, o que está escrito e explicado na Mishna e na Guemara, que estão proibidos de divulgar, como está indicado na interdição de aprendizagem (no Tratado de Hagigah).
Pelo contrário, todos os livros escritos e impressos devem necessariamente ser considerados como pertencentes aos Taamim da Torá, que Atik Yomin primeiro ocultou e depois revelou, como está escrito: “o paladar prova a comida.” Não só não é proibido revelá-los, mas, pelo contrário, há um grande mérito em divulgá-los (como está escrito em Pesachim 119).
E aquele que sabe como os revelar e os revela, receberá uma grande recompensa. Pois a revelação destas luzes a muitos, especialmente às multidões, está diretamente ligada à vinda do Messias, em breve, nos nossos dias, Ámen.
31) É absolutamente necessário explicar, de uma vez por todas, porque é que a vinda do Messias depende do estudo da Cabala entre as massas, algo que é tão enfatizado no Zohar e em todos os livros de Cabala. O público tem debatido esta questão de forma infrutífera até ao ponto de se tornar insuportável.
A explicação para este assunto encontra-se nos Tikkunim [correções] do Zohar (Tikkun 30, “Segundo Caminho”). Eis as suas palavras: Segundo caminho: “E o Ruach [espírito/vento] de Deus pairava sobre a face das águas.” O que é “e o Ruach”? De facto, quando a Shechina (Divindade) desce ao exílio, esse Ruach (vento/espírito) sopra sobre aqueles que se dedicam à Torá, porque a Shechina está entre eles.
Toda a carne é erva, e são todos como animais que comem feno, e toda a sua misericórdia é como a flor do campo (Isaías 40). Toda a misericórdia que praticam, fazem-na por si mesmos. Até mesmo todos aqueles que se dedicam à Torá, toda a misericórdia que praticam, fazem-na por si mesmos.
Nesse tempo, “E Ele lembrou-Se de que eram carne, um vento que passa e não regressa” (Salmos 78), ao mundo. Este é o espírito do Messias. Ai daqueles que o fazem partir e não regressar ao mundo. Fazem a Torá seca e não querem esforçar-se na sabedoria da Cabala. Causam a partida da origem da sabedoria, que é o Yod nela contido. O espírito que parte é o espírito do Messias, o espírito da santidade, o espírito de sabedoria e entendimento, o espírito de conselho e força, o espírito de conhecimento e temor do Criador.
Segundo mandamento: “E Deus disse: ‘Que haja luz’, e houve luz.” Este é o amor, que é o amor de misericórdia, como está escrito: “Amei-te com um amor eterno; e portanto, atraí-te com misericórdia.” É dito acerca disto: “Se despertarem e se incitarem o amor enquanto for desejado”, etc, o amor e o temor são a sua essência, seja para o bem ou para o mal. Por esta razão, é chamado temor e amor com intenção de receber recompensa. E por isso, o Criador disse: “Conjuro-vos, ó filhas de Jerusalém, pelas gazelas e pelas corças do campo, Se despertarem e se incitarem o amor enquanto for desejado”, que é o amor sem recompensa, e não com a intenção de receber recompensa. Isto porque o temor e o amor com intenção de receber recompensa são da serva, e “por três coisas treme a terra”, etc.: “por um servo quando se torna rei, e por uma serva que herda a sua senhora.”
32) Vamos começar a explicar os Tikkunim do Zohar em toda a sua extensão. Ele diz que o temor e o amor que a pessoa sente na prática da Torá e das Mitzvot com a intenção de receber recompensa, ou seja, enquanto espera obter algum benefício da Torá e do trabalho, são considerados como a serva. Sobre ela está escrito: “uma serva que herda a sua senhora.”
Isto parece enigmático, pois é aceite que “a pessoa deve sempre dedicar-se à Torá e às Mitzvot, mesmo em Lo Lishma”, e então, porque tremeu a terra? Além disso, devemos compreender a relação entre o envolvimento em Lo Lishma e a serva, bem como a alegoria de que ela herda a sua senhora. Que herança existe aqui?
33) Com tudo o que foi explicado acima nesta introdução, vai ser possível compreender o assunto: não permitiram o estudo Lo Lishma, exceto pelo facto de que, a partir de Lo Lishma, se chega a Lishma, pois a luz nela contida reforma. Assim, o envolvimento em Lo Lishma é considerado como uma serva que realiza os trabalhos inferiores para a sua senhora, que é a Shechina.
Isto porque, no final, a pessoa alcança Lishma e recebe a recompensa de ser imbuida com a Shechina. Então, a serva, que é o envolvimento em Lo Lishma, será também considerada uma serva de Kedusha [santidade], pois apoia e prepara a Kedusha, embora seja considerada o mundo de Assiya da Kedusha.
No entanto, se a fé da pessoa for incompleta e ela se dedicar à Torá e ao trabalho apenas porque o Criador lhe ordenou que estudasse, já vimos acima que, numa Torá e num serviço assim, a luz não será de forma alguma revelada, pois os seus olhos estão corrompidos e transformam a luz em escuridão, como o morcego.
Tal envolvimento já não é considerado uma serva de Kedusha, pois não vai adquirir Lishma através dele. Assim, passa para o domínio da serva da Klipa [casca/pele], que herda essa Torá e esse serviço e os rouba para si própria.
Por isso, "a terra tremeu", ou seja, a Shechina, chamada "terra", pois essa Torá e esse serviço, que deveriam ter chegado a ela como sua posse, são roubados por essa serva perversa e desviados para a posse das Klipot [plural de Klipa]. Assim, a serva herda a sua senhora.
34) O Tikkuney Zohar interpreta o significado do juramento: "Se despertarem e se incitarem o amor enquanto for desejado." A precisão está no facto de que Israel vai atrair a luz de Hesed [misericórdia] superior, chamada "amor de misericórdia", pois é isto que é desejado. Esta luz é atraída particularmente através do envolvimento na Torá e nas Mitzvot sem a intenção de receber recompensa. A razão para tal é que a luz da sabedoria superior é transmitida a Israel através desta luz de misericórdia, aparecendo e revestindo-se nesta luz da misericórdia que Israel expande.
E esta luz de sabedoria é o significado do versículo: "E vai repousar sobre ele o espírito do Senhor, o espírito de sabedoria e de entendimento, o espírito de conselho e de fortaleza, o espírito de conhecimento e de temor do Senhor" (Isaías 11), referido ao Rei Messias. Como se diz mais adiante: "E Ele vai erguer um estandarte para as nações e vai reunir os dispersos de Israel e vai congregar os de Judá, espalhados pelos quatro cantos da terra." Isto porque, após Israel expandir a luz da sabedoria através da luz da misericórdia, como em "o espírito de sabedoria e de entendimento", etc., o Messias aparece e reúne os dispersos de Israel.
Assim, tudo depende da prática da Torá e do trabalho Lishma, que pode atrair a grande luz da misericórdia, na qual a luz da sabedoria se reveste e expande. Este é o significado do juramento: "Se despertarem e se incitarem." É assim pois a redenção completa e a reunião dos exilados são impossíveis sem isso, visto que assim estão organizados os canais da Kedusha.
35) Também interpretaram “e o espírito de Deus pairava sobre a face das águas.” O que é “o espírito de Deus”? Quando a Shechina está no exílio, esse vento [também “espírito”] sopra sobre aqueles que se dedicam à Torá, pois a Shechina está com eles. Interpretação: Durante o exílio, quando Israel ainda se ocupava da Torá e das Mitzvot Lo Lishma, se esse for o seu estado porque de Lo Lishma se chega a Lishma, então a Shechina está entre eles, ainda que em estado de exílio, uma vez que ainda não alcançaram Lishma. Como foi dito acima, encontra-se na forma de uma serva da Kedusha.
Isto significa que a Shechina está entre eles, mas oculta. No entanto, estão destinados a alcançar a revelação da Shechina, e então o espírito do Rei Messias paira sobre os que se dedicam ao estudo e desperta-os para chegarem a Lishma, tal como está dito: “a luz nela vai reformá-los”, ajudando e preparando a implementação da Shechina, que é a sua senhora.
No entanto, se esse estudo em Lo Lishma não for adequado para os conduzir a Lishma, pela razão mencionada acima, a Shechina lamenta e diz: “Toda a carne é erva, pois são todos como animais que comem feno.” Ou seja, o espírito do homem, que ascende para o alto, não está presente entre aqueles que se ocupam da Torá. Em vez disso, contentam-se com o espírito do animal, que descende.
Eles interpretam a razão para isso da seguinte forma: “Toda a sua misericórdia é como a flor do campo.” Ou seja, mesmo todos aqueles que se esforçam na Torá, toda a misericórdia que praticam, fazem-na para benefício próprio. Ou seja, todo o seu envolvimento na Torá e nas Mitzvot é apenas para seu próprio proveito e prazer, e esse envolvimento na Torá não os pode conduzir a Lishma.
Ele escreve ali: “Nessa altura, e Ele lembrou-se de que eram carne, um vento [espírito] que passa e não regressa ao mundo”, e este é o espírito do Messias. Isto significa que o espírito do Messias não paira sobre eles, mas afasta-se e não regressa, porque a serva impura rouba a sua Torá e herda o lugar da sua senhora, pois não estão no caminho de passar de Lo Lishma para Lishma.
Por esta razão, ele deduz ali que são eles os responsáveis por tornar a Torá seca e que não querem esforçar-se no estudo da sabedoria da Cabala. Ou seja, ainda que não tenham sucesso através do estudo da Torá revelada, pois nela não há luz e está seca devido à pequenez dos seus intelectos (ver Item 16), poderiam ainda assim alcançar êxito através do estudo da Cabala, pois a luz nela está revestida com o revestimento do Criador: os nomes sagrados e as Sefirot. Assim, poderiam facilmente alcançar esse estado de Lo Lishma que os levaria a Lishma. E então, o espírito de Deus pairava sobre eles, como está escrito: “a luz nela contida reforma-os.”
Contudo, não têm qualquer desejo pelo estudo da Cabala. E este é o significado de “Ai deles, pois causam pobreza, ruína, saque, matança e destruição no mundo.” Esse espírito que se afastou é o espírito do Messias, como foi dito, o espírito de santidade, o espírito de sabedoria e entendimento, etc.
36) Aprendemos do Tikuney Zohar que há um juramento de que a luz da misericórdia e do amor não vai despertar no mundo antes que as ações de Israel na Torá e nas Mitzvot tenham a intenção de não receber recompensa, mas apenas de trazer contentamento ao Criador. Este é o significado do juramento: “Conjuro-vos, ó filhas de Jerusalém.”
Deste modo, a duração do exílio e do sofrimento que padecemos depende de nós e aguarda que sejamos mereçedores na prática da Torá e das Mitzvot Lishma. Se o alcançarmos, essa luz do amor e da misericórdia, que tem o poder de se expandir, será revelada, como está dito: “E vai repousar sobre ele o espírito, o espírito de sabedoria e entendimento”, etc., e então seremos recompensados com a redenção completa.
Foi também esclarecido que é impossível que todo Israel alcance essa grande pureza senão através do estudo da Cabala, pois este é o caminho mais fácil, adequado até para as pessoas comuns.
Por outro lado, ao ocupar-se apenas da Torá revelada, é impossível ser recompensado através dela, exceto para alguns escolhidos e após grandes esforços, mas não para a maioria das pessoas, pela razão explicada no Item 22. Isto esclarece completamente a irrelevância das quarta e quinta questões apresentadas no início da introdução.
37) A terceira questão, que é o temor de que a pessoa se desvie, na verdade, não há aqui qualquer motivo para preocupação. Isto porque o afastamento do caminho do Criador que ocorreu anteriormente deu-se por duas razões: 1) Ou porque transgrediram as palavras dos nossos sábios, revelando coisas que lhes eram proibidas de divulgar; 2) Ou porque entenderam as palavras da Cabala no seu sentido superficial, como se fossem instruções corpóreas, violando assim o mandamento “Não farás para ti uma estátua ou qualquer imagem.”
Por isso, até hoje, existiu de facto uma muralha fortificada em torno desta sabedoria. Muitos tentaram iniciar o estudo, mas não conseguiram prosseguir devido à falta de entendimento e às designações corpóreas. Foi por essa razão que me esforcei na interpretação Panim Meirot e Panim Masbirot, para explicar o grande livro Etz Chaim (A Árvore da Vida), do ARI, abstraindo as formas corpóreas e estabelecendo-as como leis espirituais, acima do tempo e do espaço. Assim, qualquer principiante pode compreender os assuntos, as suas razões e explicações, com clareza e grande simplicidade, não menos do que se compreende a Guemara através da interpretação de RASHI.
38) Vamos continuar a aprofundar a questão da prática da Torá e das Mitzvot Lishma, sobre a qual comecei a falar. Devemos compreender este termo, Torá Lishma, e porque é que o trabalho desejável e completo recebe este nome “Lishma”, enquanto que o trabalho indesejável é chamado Lo Lishma.
O significado literal sugere que a pessoa que se ocupa da Torá e das Mitzvot com a intenção de trazer contentamento ao seu Criador, e não a si própria, deveria ser referido como Torá Lishmo [Pelo Benefício Dele] e Torá Lo Lishmo [não Pelo Benefício Dele], ou seja, pelo benefício do Criador. Porque é que, então, se utiliza o termo Lishma e Lo Lishma, que significa pelo Benefício da Torá?
Há certamente algo mais a compreender aqui além do que foi dito, pois o versículo indica que Torá Lishmo, ou seja, para trazer contentamento ao Criador, ainda não é suficiente. Pelo contrário, o estudo deve ser Lishma, ou seja, pelo benefício da Torá. Isto requer explicação.
39) A questão é que sabemos que o nome da Torá é “Torá da vida”, como está escrito: “Pois são vida para aqueles que a encontram” (Provérbios 4:22). E também está escrito: “Pois não é coisa vã para vós, porque é a vossa vida” (Deuteronómio 32:47). Deste modo, o significado de Torá Lishma é que a prática da Torá e das Mitzvot proporciona vida e longevidade, e então a Torá corresponde ao seu nome. E a pessoa que não orienta o seu coração e o seu intelecto para o acima referido, a prática da Torá e das Mitzvot traz-lhe o oposto de vida e longevidade, o que significa que está completamente em Lo Lishma, pois o seu nome é “Torá da vida”. Estas palavras são explicadas nas palavras dos nossos sábios (Taanit 7a): “Qualquer pessoa que pratica a Torá Lo Lishma, a sua Torá transforma-se para ela numa poção de morte, e qualquer pessoa que pratica a Torá Lishma, a sua Torá transforma-se para ela numa poção da vida.”
No entanto, as suas palavras precisam de explicação, para compreender como é que a sagrada Torá pode transformar-se para alguém numa poção da morte? Não só todo o seu trabalho e esforço seriam em vão, sem qualquer benefício pelo seu empenho e dedicação, mas além disso, a própria Torá e o seu estudo transformam-se para a pessoa numa poção da morte. De facto, isto é desconcertante.
40) Em primeiro lugar, devemos compreender as palavras dos nossos sábios (Meguilá 6b), que disseram: “Esforcei-me e encontrei – acredite; não me esforcei e encontrei – não acredite.”
Devemos questionar a expressão “Esforcei-me e encontrei”, pois parecem ser conceitos contraditórios pois o esforço refere-se ao trabalho e à dedicação que a pessoa investe em troca de algo desejado. Para algo de grande valor, a pessoa faz um grande esforço; para algo de menor valor, um esforço menor.
O seu oposto é “encontrar”. A sua conduta, é acontecer a uma pessoa de forma completamente inesperada, e sem qualquer preparação em trabalho, esforço ou pagamento. Portanto, como é possível, então, dizer “Esforcei-me e encontrei”? Se há esforço, deveria dizer “Esforcei-me e adquiri” ou “Esforcei-me e fui recompensada”, e não “Esforcei-me e encontrei.”
41) O Zohar escreve sobre o versículo “Os que Me procuram vão encontrar-Me”, e pergunta: “Onde se encontra o Criador?” Disseram que o Criador se encontra apenas na Torá. Também, relativamente ao versículo “Na verdade, Tu és um Deus que Se oculta”, dizem que o Criador Se esconde na sagrada Torá.
Devemos compreender bem estas palavras. Parece que o Criador está oculto apenas nas coisas e nos acontecimentos e condutas corpóreos, e em todas as vaidades deste mundo, que estão fora da Torá. Como se pode então dizer o contrário, que Ele Se esconde apenas na Torá?
Há também a questão geral de que o Criador Se oculta de forma a que precise de ser procurado; porque necessita Ele desta ocultação? Além disso, está escrito “Todos os que O procuram vão encontrá-Lo”, que se entende do versículo “Os que Me procuram vão encontrar-Me.” Precisamos de compreender a fundo este “procurar e encontrar”, o que são e porque existem.
42) De facto, devemos saber que a razão da nossa grande distância do Criador, e do facto de estarmos tão propensos a transgredir a Sua vontade, reside apenas numa única causa, que se tornou a origem de todo o tormento e sofrimento dos quais padecemos, e de todos os pecados e erros em que caímos. Claramente, ao remover essa causa, ficaremos imediatamente livres de toda a dor ou aflição. Ser-nos-á concedida de imediato a adesão a Ele com todo o coração, alma e força. E digo-lhe que essa causa inicial não é outra senão “a nossa falta de compreensão da Sua orientação sobre as Suas criaturas”, ou seja, não O compreendermos devidamente.
43) Se, por exemplo, o Criador estabelecesse a ‘Providência revelada’ para com as Suas criações de tal forma que, por exemplo, qualquer pessoa que comesse algo proibido sufocasse imediatamente, e qualquer pessoa que cumprisse uma Mitzva descobrisse nela prazeres maravilhosos, superiores aos mais sublimes prazeres deste mundo corpóreo, então: 1) Que insensato contemplaria sequer provar algo proibido, sabendo que perderia a vida como resultado disso, tal como ninguém cogita lançar-se ao fogo? 2) Que insensato deixaria de cumprir uma Mitzva o mais depressa possível, tal como nenhuma pessoa hesita ou demora em usufruir de um grande prazer corpóreo que se lhe apresenta? Assim, se tivéssemos a ‘Providência revelada’, todas as pessoas do mundo seriam justos completos.
44) Portanto, vemos que tudo o que precisamos no nosso mundo é da ‘Providência revelada’. Se a tivéssemos, todas as pessoas do mundo seriam justos completos e também entrariam em adesão com Ele com amor absoluto, pois certamente seria uma grande honra para qualquer um de nós ser amigo e amar o Criador com todo o coração e alma, e aderir a Ele sempre, sem nunca O perder, nem por um instante.
No entanto, como não é assim, e neste mundo uma Mitzva não recebe recompensa, nem aqueles que desafiam a Sua vontade são punidos diante dos nossos olhos, pois o Criador tem paciência com eles, e, além disso, por vezes parece acontecer precisamente o contrário, como está escrito (Salmos 73): “Eis que os ímpios, os tranquilos no mundo, alcançaram riquezas.” Por isso, nem todos os que desejam aproximar-se do Senhor o conseguem fazer. Pelo contrário, tropeçamos a cada passo, até ao ponto em que os nossos sábios disseram (VaYikrá Rabá 2) sobre o versículo: “Encontrei um homem entre mil, onde mil entram numa sala e apenas um sai para a luz.”
Assim, compreender a Sua Providência é a causa de todo o bem, e a falta de compreensão é a causa de todo o mal. Conclui-se que este é o eixo sobre o qual todas as pessoas do mundo giram, para melhor ou para pior.
45) Quando examinamos atentamente a realização da Providência que as pessoas sentem, encontramos quatro tipos aqui. Cada um destes tipos recebe uma Providência específica do Criador, de modo que existem quatro discernimentos de realização da Providência. Na realidade, são apenas duas: 1) ocultação da face e 2) revelação da face, mas subdividem-se em quatro.
Existem dois discernimentos de Providência na ‘ocultação da face’: 1) ‘ocultação simples’ e 2) ‘ocultação dentro da ocultação’, e duas formas de Providência na revelação da face’: 3) Providência de ‘recompensa e castigo’ e 4) ‘Providência eterna’, como será explicado adiante.
46) O versículo diz (Deuteronómio 31:17): “Então, naquele dia, vai acender-se a Minha ira contra eles, e vou abandoná-los, e esconder a Minha Face deles; e serão consumidos, e muitos males e angústias lhes sobrevirão. E dirão naquele dia: ‘Não nos sobrevieram estes males porque o nosso Deus não está entre nós?’ E Eu,naquele dia, certamente que esconderei a Minha face, por causa de todo o mal que fizeram, pois voltaram-se para outros deuses.”
Se examinarmos estas palavras, veremos que, no início, está escrito: “esconder a Minha Face deles”, o que significa uma ‘ocultação simples’. Depois, diz: “e muitos males e angústias lhes sobrevirão... E Eu certamente que esconderei a Minha face” (onde o termo “esconder” aparece duas vezes em hebraico), o que indica uma ocultação dupla. Precisamos de compreender o significado desta “ocultação dupla”.
47) Antes de mais, devemos entender o significado da expressão “face do Criador”, a respeito da qual o texto diz: “esconderei a Minha face deles.” Pode ser comparado a alguém que vê o rosto do seu amigo e o reconhece imediatamente. No entanto, quando o vê apenas de costas, não pode ter certeza absoluta de que é ele, podendo até duvidar e pensar: “Talvez seja outra pessoa, e não o meu amigo.”
O mesmo acontece aqui: todos sabem e sentem que o Criador é bom e que a conduta do Bom é fazer o bem. Assim, quando o Criador concede generosamente aos Seus seres criados, diz-se que a Sua Face está revelada às Suas Criações, pois todos O reconhecem e sentem a Sua presença, já que Ele age de acordo com o Seu nome, como vimos acima a respeito da ‘Providência revelada’.
48) No entanto, quando Ele age de forma contrária ao que foi mencionado acima, ou seja, quando os seres criados sofrem aflições e dores no Seu mundo, é considerado o posterior do Criador. Isto acontece porque a Sua Face, ou seja, a totalidade do Seu atributo de bondade, está completamente oculta deles, e tal conduta não se ajusta ao Seu nome. É como uma pessoa que vê o seu amigo por trás e pode duvidar, pensando: “Talvez seja outra pessoa.”
As Escrituras dizem: “Então, naquele dia, vai acender-se a Minha ira… e vou ocultar a Minha Face deles.” Durante a ira, quando as pessoas sofrem problemas e dores, isso significa que o Criador esconde a Sua Face que representa a Sua benevolência absoluta, revelando-lhes apenas o Seu Posterior. Neste estado, é necessário um grande fortalecimento da fé para evitar pensamentos de transgressão, pois é difícil reconhecê-Lo a partir do Seu Posterior. A isto chama-se ‘ocultação simples’.
49) No entanto, quando os problemas e tormentos se acumulam em grande medida, isso leva a uma ‘ocultação dupla’, chamada nos textos de ‘ocultação dentro da ocultação’. Significa que nem sequer as Suas costas são visíveis, ou seja, as pessoas já não acreditam que o Criador esteja irado com elas ou que as castigue, mas atribuem tudo ao acaso ou à natureza, acabando por negar a Sua Providência na recompensa e no castigo. Isto é o que se entende pelo versículo: “Mas Eu certamente que esconderei a Minha face... porque se voltaram para outros deuses.” Ou seja, tornam-se heréticos e desviam-se para a idolatria.
50) No entanto, anteriormente, quando o texto fala apenas da perspetiva da ‘ocultação simples’, termina com as palavras: “e dirão, naquele dia: Porventura não nos sobrevieram estes males porque o nosso Deus não está entre nós?” Isto significa que ainda acreditam na ‘Providência de recompensa e castigo’ e dizem que os problemas e sofrimentos lhes chegam porque não estão em adesão com o Criador, como está escrito: “estes males sobrevieram-nos porque o nosso Deus não está entre nós.” Isto é considerado ainda como ver o Criador, mas apenas por trás. Por essa razão, é chamado de ‘ocultação simples’, ou seja, apenas ‘ocultação da face’.
51) Agora explicámos os dois discernimentos da ‘Providência oculta’ que as pessoas sentem: ‘ocultação simples’ e ‘ocultação dentro da ocultação’. A ‘ocultação simples’ diz respeito apenas à ‘ocultação da face’, enquanto a parte posterior ainda lhes é revelada. Isto significa que acreditam que o Criador lhes enviou os sofrimentos como castigo. E embora lhes seja difícil reconhecer sempre o Criador através da Sua parte posterior, o que os leva a transgredir, mesmo assim são considerados ‘ímpios incompletos’. Ou seja, estas transgressões são como erros, pois resultam da acumulação de aflições, já que, em geral, acreditam na recompensa e no castigo.
52) A ‘ocultação dentro da ocultação’ significa que até a parte posterior do Criador lhes está oculta, pois não acreditam na ‘recompensa e no castigo’. Estas transgressões são consideradas pecados. São considerados como “totalmente ímpios” porque se revoltam e dizem que o Criador não cuida de todo das Suas criações, voltando-se para a idolatria, como está escrito: “porque se voltaram para outros deuses.”
53) Devemos saber que toda a questão do esforço em cumprir a Torá e as Mitzvot através da escolha, se aplica essencialmente às duas perceções mencionadas da ‘Providência oculta’. Sobre esta altura, Ben He He diz (Avot, Capítulo 5): “A recompensa é proporcional à dor.”
Dado que a Sua orientação não está revelada, é impossível vê-Lo, exceto em ‘ocultação da face’, por trás, como alguém que vê um amigo pelas costas e pode duvidar e confundi-lo com outra pessoa. Desta forma, a pessoa fica sempre diante da escolha entre cumprir a Sua vontade ou quebrá-la. Isto porque as dificuldades e os sofrimentos que enfrenta fazem-na duvidar da realidade da Sua orientação sobre as criaturas, seja da primeira forma, que são os erros, seja da segunda, que são os pecados.
Em qualquer caso, a pessoa está ainda em grande sofrimento e esforço. As Escrituras referem-se a esse tempo ao dizer: “Tudo quanto a sua mão conseguir fazer, faça conforme as suas forças” (Eclesiastes 9). Isto acontece porque não será agraciada com a ‘revelação da face’, a medida completa da Sua bondade, antes de se esforçar e fazer tudo o que estiver ao seu alcance, pois “a recompensa é proporcional à dor.”
54) Quando o Criador vê que a pessoa completou a sua medida de esforço e terminou tudo o que tinha a fazer pelo poder da sua escolha e pelo fortalecimento da sua fé no Criador, Ele ajuda-a. Então, a pessoa alcança a ‘Providência revelada’, ou seja, a ‘revelação da face’. Com isso, é recompensada com um ‘arrependimento completo’, voltando a aderir ao Criador com o coração, a alma e todas as suas forças, como se fosse naturalmente atraída pela perceção da ‘Providência revelada’.
55) Estes estados acima mencionados de ‘realização’ e ‘arrependimento’ acontecem à pessoa em dois níveis. O primeiro é a realização da ‘Providência de recompensa e castigo absolutos’. Além de alcançar com total clareza a recompensa por cada Mitzva no mundo vindouro, também é recompensada com a perceção do prazer maravilhoso na própria realização da Mitzva neste mundo.
Além disso, para além de alcançar o castigo amargo decorrente de cada pecado após a morte da pessoa, também lhe é concedido sentir o gosto amargo de cada transgressão enquanto ainda está viva.
Naturalmente, quem recebe esta ‘Providência revelada’ tem a certeza de que não voltará a pecar, tal como tem a certeza de que não vai cortar a sua própria carne, infligindo-se um sofrimento terrível. Além disso, tem a certeza de que não vai negligenciar uma Mitzva sem a cumprir no instante em que esta lhe chega às mãos, tal como tem a certeza de que não negligenciaria um prazer mundano ou um grande lucro que lhe surgisse.
56) Podemos compreender agora as palavras dos nossos sábios: “O que é o arrependimento? Quando ‘Aquele que Conhece os Mistérios’ testemunha que a pessoa não voltará à insensatez.” Estas palavras parecem enigmáticas, pois quem poderia subir aos céus para ouvir o testemunho do Criador? Além disso, diante de quem é que o Criador deveria testemunhar? Não bastaria que Ele próprio soubesse que a pessoa se arrependeu de todo o coração e não voltará a pecar?
Com a explicação, a questão torna-se muito simples: na verdade, ninguém pode ter a certeza absoluta de que não voltará a pecar antes de ser recompensado com a realização da ‘recompensa e do castigo’, ou seja, a ‘revelação da face’. Esta ‘revelação da face’, do ponto de vista da salvação do Criador, é chamada de “testemunho”, pois a Sua salvação, ao conceder esta realização da ‘recompensa e do castigo’, é o que garante que a pessoa não voltará a pecar.
Por isso, considera-se que o Criador testemunha a seu favor. Está escrito: “O que é o arrependimento?” Ou seja, quando é que a pessoa pode ter a certeza de que foi agraciada com um arrependimento completo? Para isso, é-lhe dado um sinal claro: “Quando ‘Aquele que Conhece os Mistérios’ testemunha que a pessoa não voltará à insensatez.” Isto significa que vai alcançar a ‘revelação da face’ e, nesse momento, a própria salvação vai testemunhar que não voltará à insensatez.
57) O arrependimento acima referido é chamado ‘arrependimento por temor’. Isto porque, embora a pessoa regresse ao Criador com o coração e a alma, até que ‘Aquele que Conhece os Mistérios’ testemunhe que não voltará à insensatez, essa certeza de que não voltará a pecar deve-se à realização e perceção do terrível castigo e do sofrimento atroz que decorrem das transgressões. Por esta razão, tem a certeza de que não vai pecar, tal como tem a certeza de que não vai infligir a si própria um sofrimento horrível.
No entanto, no final, este arrependimento e esta certeza devem-se apenas ao temor do castigo que resulta das transgressões. Assim, o arrependimento ocorre apenas através do medo do castigo. Por isso, é chamado ‘arrependimento por temor’.
58) Através disto, é possível compreender as palavras dos nossos sábios, segundo as quais aquela pessoa que alcança ‘arrependimento por temor’ é recompensada com a transformação dos seus pecados em erros. Devemos compreender como isso acontece. De acordo com o que foi explicado acima (Item 52), podemos compreender completamente que os pecados cometidos pela pessoa derivam da receção de uma orientação de ‘ocultação dupla’, ou seja, ‘ocultação dentro da ocultação’. Isto significa que a pessoa não acredita na ‘orientação baseada na recompensa e no castigo’.
A ‘ocultação simples’ significa que a pessoa acredita na orientação de ‘recompensa e castigo’, mas, devido à acumulação de sofrimento, por vezes tem pensamentos de transgressão. Isto porque, embora acredite que o sofrimento lhe veio como um castigo, continua como alguém que vê um amigo por trás e pode ter dúvidas e confundi-lo com outro. Como foi explicado ali, esses pecados são apenas erros, uma vez que, em termos gerais, a pessoa acredita numa orientação baseada na ‘recompensa e no castigo’.
59) Assim, quando a pessoa é recompensada com o ‘arrependimento por temor’, ou seja, com uma perceção clara da recompensa e do castigo, a ponto de ter a certeza de que não voltará a pecar, a ‘ocultação dentro da ocultação’ é completamente corrigida nela. Isto porque agora vê claramente que existe uma ‘orientação baseada na recompensa e no castigo’. Para a pessoa, é evidente que todo o sofrimento que sentiu foi um castigo da Providência pelos pecados que cometeu. Em retrospectiva, percebe que cometeu um grave erro e, assim, elimina esses pecados.
No entanto, isso não é totalmente assim. Em vez disso, esses pecados tornam-se erros, semelhantes às transgressões cometidas na ‘ocultação simples’, quando a pessoa falhou devido à confusão provocada pela acumulação de tormentos que levam a pessoa a perder o juízo. Esses pecados são considerados apenas erros.
60) Contudo, através deste arrependimento, a pessoa não corrigiu de todo a primeira ‘ocultação da face’, que tinha anteriormente, mas apenas a partir do momento em que foi recompensada com a ‘revelação da face’. No passado, antes de ser recompensada com o arrependimento, a ‘ocultação da face’ e todos os erros permaneceram como estavam, sem qualquer alteração ou correção. Isto porque, mesmo então, acreditava que as tribulações e os sofrimentos lhe aconteciam como castigo, conforme está escrito: “Dirão, pois, naquele dia: Porventura não nos sobrevieram estas calamidades porque o nosso Deus não está entre nós?”
61) Por conseguinte, ainda é considerada um ‘justo incompleto’, pois aquela pessoa que é recompensada com a ‘revelação da face’, ou seja, a medida completa da Sua bondade, como convém ao Seu nome, é chamada ‘justo’ (Item 55). Isto porque justifica a Sua orientação tal como ela realmente é, ou seja, que Ele é inteiramente bom e absolutamente perfeito com as Suas criações, sendo bom tanto para os bons como para os maus.
Assim, uma vez que foi recompensada com a ‘revelação da face’, a partir desse momento merece o nome de ‘justo’. No entanto, como ainda não completou a correção, tendo apenas superado a ‘ocultação dentro da ocultação’, e não corrigiu a primeiro ocultação, mas apenas deste ponto em diante, o período anterior a ter sido recompensada com o arrependimento ainda não lhe confere o nome de ‘justo’. Isto porque continua a existir ocultação do rosto, como antes. Por esta razão, é chamada ‘justo incompleto’, ou seja, a pessoa que ainda necessita de corrigir o seu passado.
62) Também é chamada de “intermédio”, pois, após ser recompensada com o ‘arrependimento por temor’, qualifica-se, através da sua completude na Torá e nas boas ações, a ser recompensada também com o ‘arrependimento por amor’. E então, alcança o estado de ‘justo completo’. Assim, agora a pessoa está no meio entre o temor e o amor, sendo por isso chamada ‘intermédio’. No entanto, antes disso, ainda não estava totalmente qualificada, sequer, para se preparar para o arrependimento por amor.
63) Isto explica detalhadamente o primeiro nível da realização da ‘revelação da face’, a realização e a perceção de uma orientação baseada na ‘recompensa e no castigo’, de modo que ‘Aquele que Conhece os Mistérios’ testemunhará que ele não voltará à insensatez. Isto é chamado ‘arrependimento por temor’, em que os seus pecados se tornam para ele como erros. Também é chamado ‘justo incompleto’ e ‘intermédio’.
64) Agora vamos explicar o segundo nível da realização da ‘revelação do rosto’ – a realização da orientação completa, verdadeira e eterna. Significa que o Criador protege as Suas criaturas como O Bom que Faz o Bem, tanto aos bons como aos maus. Neste estado, a pessoa é considerada um ‘justo completo’ e alcança o ‘arrependimento por amor’, sendo-lhe permitido transformar os seus pecados em virtudes.
Isto esclarece os quatro discernimentos na compreensão da orientação que se aplica às criaturas. As três primeiras – ‘dupla ocultação’, ‘ocultação simples’ e ‘obtenção de uma orientação baseada na recompensa e no castigo’ – são apenas preparações para se alcançar o quarto discernimento: a obtenção da Providência verdadeira e eterna.
65) No entanto, ainda não compreendemos porque é que o terceiro discernimento não é suficiente para a pessoa, nomeadamente, alcançar uma orientação baseada na ‘recompensa e no castigo’. Dissemos que a pessoa já foi recompensada com o ‘Testemunho Daquele que Conhece os Mistérios de que não voltará a pecar’. Sendo assim, porque continua a ser chamada de ‘intermédio’ ou ‘justo incompleto’, termos que indicam que o seu trabalho ainda não é desejável aos olhos do Criador e que ainda há uma falha e um defeito na sua Torá e no seu serviço?
66) Antes de mais, vamos examinar a questão levantada pelos intérpretes sobre a Mitzva de amar o Criador. Como pode a Torá impor-nos uma Mitzva que, na realidade, não conseguimos cumprir? A pessoa pode forçar-se e subjugar-se a qualquer coisa, mas nenhuma coerção ou subjugação no mundo pode ajudar no amor.
Eles explicaram que, ao cumprir devidamente todas as 612 Mitzvot, o amor pelo Criador surge por si só. Por isso, considera-se que é possível cumpri-la, pois a pessoa pode forçar-se e subjugar-se ao cumprimento das 612 Mitzvot de forma apropriada e, então, será também recompensada com o amor ao Criador.
67) No entanto, as suas palavras exigem uma explicação mais profunda. No fim de contas, o amor pelo Criador não deveria ter-nos sido dado como uma Mitzva, dado que não há nela qualquer ação ou subjugação da nossa parte. Pelo contrário, surge por si só após o cumprimento das 612 Mitzvot. Assim, as Mitzvot já seriam suficientes, pelo que se coloca a questão: por que razão foi escrita a Mitzva do amor?
68) Para compreender isto, devemos primeiro adquirir um entendimento genuíno do amor ao Criador em si próprio. É necessário saber que todas as inclinações, tendências e qualidades incutidas no homem, com as quais este serve os seus amigos, são também necessárias para o serviço ao Criador.
Desde o início, foram criadas e impressas no homem apenas por causa do seu desígnio final – o propósito último do homem, como está escrito: “Nenhum exilado será rejeitado por Ele.” Todas elas são necessárias para que a pessoa se complete nos modos de receção da abundância e cumpra o desejo do Criador.
Este é o significado de “Todo aquele que é chamado pelo Meu nome, Eu criei-o para a Minha glória” (Isaías 43:7), e também “Tudo o que o Senhor fez, foi para o Seu benefício” (Provérbios 16:4). No entanto, até lá, o homem recebeu um mundo inteiro para desenvolver e aperfeiçoar todas essas tendências e qualidades naturais através do seu envolvimento com os outros, tornando-as assim adequadas para o seu propósito.
Tal como os nossos sábios disseram: “Cada um deve dizer: ‘O mundo foi criado para mim’”, pois todas as pessoas no mundo são necessárias para a pessoa, dado que desenvolvem e qualificam as qualidades e tendências de cada uma, tornando-a num instrumento apto para o Seu trabalho.
69) Portanto, devemos compreender a essência do amor ao Criador a partir das características do amor entre as pessoas. O amor ao Criador é necessariamente dado através destas qualidades, pois, desde o princípio, elas foram impressas na pessoa para esse fim. Quando observamos as características do amor entre uma pessoa e outra, encontramos quatro medidas de amor, uma sobre a outra, ou seja, duas que são quatro.
70) A primeira é o “amor condicional”. Significa que, devido à grande bondade, prazer e benefício que recebe do seu amigo, a sua alma liga-se a ele com um amor extraordinário.
Aqui há duas medidas: A primeira ocorre quando, antes de se conhecerem e começarem a amar-se, tinham causado danos um ao outro. No entanto, agora não querem lembrar-se disso, pois “O amor cobre todas as transgressões.” A segunda medida é quando sempre fizeram o bem e se ajudaram um ao outro, sem qualquer vestígio de dano ou prejuízo entre eles.
[Nota do editor: O item 71 está em falta no manuscrito.]
72) O segundo é o "amor incondicional". Significa que a pessoa conhece a virtude do seu amigo como sendo sublime, para além de qualquer medida imaginável. Por esta razão, a sua alma liga-se a ele com um amor imensurável.
Também aqui há duas medidas: A primeira ocorre antes de a pessoa conhecer cada conduta e cada ação do amigo para com os outros. Nesse momento, esse amor é considerado "menos do que amor absoluto". Isto porque o amigo tem relações com outras pessoas e, à primeira vista, pode parecer que prejudica os outros por negligência. Deste modo, se aquele que ama visse essas situações, o mérito do seu amigo ficaria completamente imperfeito e o amor entre eles seria corrompido. No entanto, uma vez que não viu essas ações, o seu amor permanece íntegro, grandioso e verdadeiramente admirável.
73) O segundo atributo do ‘amor incondicional’ é o quarto atributo do amor em geral, que também deriva do conhecimento do mérito do amigo. Contudo, além disso, agora conhece todas as suas relações e condutas com cada pessoa, sem exceção. Examinou-as e verificou que não só não há nelas qualquer vestígio de defeito, como a sua bondade é maior do que qualquer coisa imaginável. Agora, trata-se de "amor eterno e completo".
74) É de notar que estes quatro atributos do amor entre homem e o homem aplicam-se igualmente ao amor entre o homem e o Criador. Além disso, aqui, no amor ao Criador, tornam-se níveis que surgem através de causa e consequência.
É impossível adquirir qualquer um deles antes de se adquirir o primeiro atributo do ‘amor condicional’. Depois de este estar plenamente adquirido, faz com que se adquira o segundo atributo. E uma vez adquirido o segundo atributo na sua plenitude, isso leva à aquisição do terceiro atributo. Finalmente, o terceiro atributo conduz ao quarto atributo, o amor eterno.
75) Assim, surge a questão: "Como pode alguém adquirir o primeiro nível do amor ao Criador, ou seja, o primeiro nível do ‘amor condicional’, que é o amor que nasce da abundância do bem que a pessoa recebe do amado, se aceitar que não há recompensa por uma Mitzva neste mundo?"
Além disso, de acordo com o que foi exposto, é necessário passar pelas duas primeiras formas de Providência através do ‘ocultação da face’. Ou seja, a Sua face, que significa a Sua medida de bondade – pois a conduta do bom é fazer o bem – está oculta neste momento (Item 47). Por isso, nessa altura, a pessoa experiencia dor e sofrimento.
Ainda assim, aprendemos que toda a prática da Torá e do trabalho por escolha própria ocorre sobretudo neste período de ‘ocultação da face’. Se assim é, como poderá alguém alcançar o segundo atributo do ‘amor condicional’, sendo que o amado fez sempre apenas um bem maravilhoso e abundante, e nunca lhe causou qualquer dano? E, ainda mais, como poderá então alcançar o terceiro nível ou o quarto?
76) De facto, mergulhamos aqui em águas profundas. No mínimo, devemos retirar daqui uma pedra preciosa. Por esta razão, vamos examinar as palavras dos nossos sábios (Berachot 17): "Quando os sábios saíam da casa do Rabi Ami, e alguns dizem da casa do Rabi Hanina, diziam-lhe o seguinte: ‘Verá o seu mundo na sua vida, e o seu fim será a vida do mundo vindouro, e os seus passos vão apressar-se para ouvir as palavras de Atik Yomin.’"
Devemos compreender porque não disseram "Receberá o teu mundo na sua vida", mas apenas "verá". Se queriam abençoar, deveriam tê-lo feito de forma completa, ou seja, desejar que adquirisse e recebesse o seu mundo na sua vida. Devemos também compreender porque deveria a pessoa ver o seu mundo vindouro na sua vida. Pelo menos, o seu fim será a vida do mundo vindouro. Além disso, porque colocaram esta bênção em primeiro lugar?
77) Primeiro, devemos entender como se pode ver o mundo vindouro ainda em vida. Certamente, não podemos ver nada espiritual com os olhos físicos. Também não é do modo de agir do Criador mudar as leis da natureza. Isto porque Ele organizou originalmente estas condutas desta forma, por serem as mais eficazes para o seu propósito. Através delas, a pessoa alcança a adesão a Ele, como está escrito: "Tudo o que o Senhor fez foi para Seu benefício." Portanto, devemos compreender como alguém vê o seu mundo na sua vida.
78) Digo-vos que esta visão chega à pessoa através da abertura dos olhos na Torá, como está escrito: "Abre os meus olhos, para que eu possa contemplar as maravilhas da Tua lei." É sobre isto que a alma jura antes de entrar no corpo (Nida, p. 30b), onde: "Ainda que todo o mundo lhe diga que é justo, considere-se ímpio aos seus próprios olhos", especificamente aos seus próprios olhos.
Ou seja, enquanto não for agraciado com a "abertura dos olhos" na Torá, considere-se perverso. Não se iluda com a sua reputação perante todo o mundo enquanto justo.
Agora também pode compreender porque colocaram a bênção "Verá o seu mundo na sua vida" no início das bênçãos. Isto deve-se ao facto de que, antes desse ponto, a pessoa não é agraciada sequer com o estatuto de "justo incompleto".
79) Ainda assim, devemos compreender: Se a pessoa sabe sobre si própria que já cumpriu toda a Torá, e todo o mundo concorda com ela nesse ponto, porque é que isso não lhe basta? Em vez disso, a pessoa jura continuar a considerar-se ‘ímpia’. Será apenas pelo facto de lhe faltar esse nível maravilhoso da "abertura dos olhos" na Torá que é comparada a um ‘ímpio’? De facto, isto é muito intrigante.
80) Na verdade, já foram explicadas as quatro medidas da percepção das pessoas sobre a Sua Providência. Duas delas ocorrem na ‘ocultação da face’, e duas na ‘revelação da face’.
Foi também explicado o motivo da ‘ocultação da face’ às pessoas: Ela existe deliberadamente para lhes dar espaço para se esforçarem e se dedicarem voluntariamente à Sua obra, na Torá e nas Mitzvot. Pois, ao fazerem isso, o contentamento do Criador com o seu trabalho na Torá e nas Mitzvot aumenta mais do que o contentamento que Ele tem dos anjos no Alto, que não têm escolha e cuja missão é obrigatória. Há também outras razões para isto, mas não é aqui o lugar para as aprofundar.
81) Apesar do louvor acima referido sobre a ‘ocultação da face’, esta ainda não é considerada plenitude, mas apenas uma “transição”, pois é a partir deste estado que se alcança a plenitude almejada. Isto significa que qualquer recompensa por uma Mitzva preparada para a pessoa só pode ser adquirida através do seu esforço na Torá e nas boas ações durante a ‘ocultação da face’, quando age voluntariamente. Isto acontece porque, nesse estado, a pessoa sente sofrimento do fortalecimento na sua fé ao cumprir a Sua vontade. E toda a sua recompensa é medida apenas pelo sofrimento que suporta ao manter a Torá e a Mitzva, conforme as palavras de Ben He He: “A recompensa é proporcional à dor.”
82) Por isso, cada pessoa deve passar por esse período de transição da ‘ocultação da face’. Quando o completa, é recompensada com a ‘Providência revelada’, ou seja, a ‘revelação da face’.
Antes de ser recompensada com a ‘revelação da face’, ainda que veja a parte posterior, não consegue evitar cometer transgressões. Não só não consegue cumprir todas as 613 Mitzvot, pois o amor não surge por coerção ou imposição, como também não está completa sequer nas 612 Mitzvot, pois até o seu temor não está fixado como deveria.
Isto é o que significa a Torá ser igual a 611 em Gematria, pois qualquer Gematria representa a parte posterior, mostrando que a pessoa não consegue observar devidamente nem mesmo as 612 Mitzvot. Este é o significado de “Ele não vai disputar para sempre”. No final a pessoa será agraciada com a revelação da face.
83) O primeiro nível da revelação da face é a realização de uma orientação de recompensa e castigo com absoluta clareza. Isto é concedido a uma pessoa apenas através da Sua salvação, quando ela é agraciada com a abertura dos olhos na Torá, numa realização maravilhosa, tornando-se uma “fonte a jorrar”, como disse o Rabino Meir (Avot 6). Em cada Mitzva da Torá que a pessoa já cumpriu pela sua própria escolha, ela é agraciada com ver a recompensa dessa Mitzvá, que lhe está destinada no Mundo Vindouro, bem como da grande perda causada pela transgressão.
84) E, embora a recompensa ainda não esteja nas suas mãos, visto que a recompensa de uma Mitzva não é concedida neste mundo, a realização clara já é suficiente para que, a partir de agora, sinta um enorme prazer ao cumprir cada Mitzva, pois “tudo o que está prestes a ser recolhido é considerado como já recolhido.”
Por exemplo, pensemos num comerciante que fez um negócio e obteve um grande lucro. Ainda que o lucro só lhe chegue passado muito tempo, se ele tiver certeza absoluta de que o lucro virá a tempo, sente-se tão feliz como se o dinheiro tivesse sido recebido de imediato.
85) Naturalmente, tal ‘Providência revelada’ testemunha que, a partir de agora, a pessoa vai apegar-se à Torá e às Mitzvot com todo o seu coração, alma e força, afastando-se das transgressões como quem foge de um incêndio. E, embora ainda não seja um ‘justo completo’, pois ainda não foi recompensada com o ‘arrependimento por amor’, a sua grande Dvekut [adesão] à Torá e às boas ações ajudam-na a alcançar gradualmente o ‘arrependimento por amor’, ou seja, o segundo nível da ‘revelação da face’. Então, pode cumprir plenamente todas as 613 Mitzvot e torna-se um ‘justo completo’.
86) Agora compreendemos plenamente a questão que colocámos acerca do juramento, que a alma jura antes de vir a este mundo: “Mesmo que todo o mundo lhe diga que é justo, sê ímpio aos seus próprios olhos.” Perguntámos: “Se todo o mundo concorda que ele é justo, porque deve ainda considerar-se perverso? Não confia em todo o mundo?”
Devemos também acrescentar algo sobre a expressão “Mesmo que todo o mundo diga.” Qual é a ligação entre isto e o testemunho do mundo inteiro, se a pessoa se conhece melhor do que qualquer outra em todo o mundo? O juramento deveria ter sido: “Mesmo que saiba sobre si próprio que é justo.”
No entanto, o mais intrigante é que a Guemara declara explicitamente (Berachot 61): “Raba disse: ‘A pessoa deve saber na sua alma se é justa ou não.’” Assim, há uma obrigação e uma possibilidade de ser verdadeiramente um ‘justo completo’. Além disso, a pessoa deve investigar e conhecer esta verdade por si própria. Se assim é, como pode a alma jurar ser sempre considerada ímpia aos seus próprios olhos e nunca conhecer a verdade, quando os nossos sábios ordenaram o oposto?
87) As palavras são, de facto, muito precisas. Enquanto a pessoa não for agraciada com a abertura dos olhos na Torá, numa realização maravilhosa que lhe permita alcançar uma perceção clara da recompensa e do castigo, certamente não poderá enganar-se a si própria e considerar-se justa. Isto porque vai sentir inevitavelmente que lhe faltam as duas Mitzvot mais abrangentes da Torá: o amor e o temor.
Mesmo a obtenção do temor completo, de tal forma que “Aquele que conhece os mistérios vai testemunhar que ele não voltará à insensatez”, devido ao grande receio da punição e à enorme perda causada pela transgressão, é algo completamente inconcebível antes de se alcançar uma realização completa, clara e absoluta da Providência de recompensa e castigo.
Isto refere-se à obtenção do primeiro nível da revelação do rosto, que é concedido à pessoa através da abertura dos olhos na Torá. Quanto mais ainda no caso do amor, que está completamente para além da capacidade da pessoa, pois depende da compreensão do coração, sendo que nenhum esforço ou coerção pode ajudar aqui.
88) Por esta razão, o juramento declara: “Mesmo que todo o mundo lhe diga que é justo.” Isto deve-se ao facto de que estas duas Mitzvot, o amor e o temor, são concedidas apenas ao indivíduo, e ninguém mais no mundo as pode distinguir ou conhecer.
Assim, quando eles veem que a pessoa está completa nas 611 Mitzvot, concluem imediatamente que provavelmente possui também as duas Mitzvot do amor e do temor. E, dado que a natureza humana leva a pessoa a acreditar na opinião do mundo, ela pode cair num erro grave.
Por este motivo, a alma jura sobre isto mesmo antes de vir a este mundo—e que tal juramento nos ajude. No entanto, é o próprio indivíduo que deve, sem dúvida, questionar-se e conhecer no seu coração se é realmente um ‘justo completo’.
89) Também podemos compreender o que perguntámos acerca de ser recompensado com amor. Perguntámos: “Como podemos alcançar sequer o primeiro nível de amor se não há recompensa por uma Mitzvá neste mundo?” Agora está claro que a pessoa não precisa de receber a recompensa da Mitzvá nesta vida. Por isso, a precisão das palavras: “Verá o teu mundo na sua vida, e o seu fim na vida do mundo vindouro”, o que implica que a recompensa de uma Mitzva não está neste mundo, mas no mundo vindouro.
No entanto, para conhecer, ver e sentir a futura recompensa da Mitzva no mundo vindouro, é necessário conhecê-la com total certeza e clareza ainda nesta vida, através da realização maravilhosa na Torá. Isto porque, então, a pessoa já alcançou o ‘amor condicional’, que é o primeiro nível da saída da ‘ocultação da face’ e da entrada na ‘revelação da face’, que a pessoa deve ter por forma a observar a Torá e as Mitzvot corretamente, de modo que “Aquele que conhece os mistérios vai testemunhar que ele não voltará à insensatez.”
90) E, ao esforçar-se por cumprir a Torá e as Mitzvot sob a forma de ‘amor condicional’, que vem do conhecimento da recompensa futura no mundo vindouro, como no versículo “tudo o que está prestes a ser recolhido é considerado como já recolhido.”, a pessoa alcança o segundo nível de ‘revelação da face’, o reconhecimento da Sua orientação sobre o mundo através da Sua eternidade e verdade, ou seja, que Ele é bom e faz o bem tanto aos bons como aos maus.
Nesse estado, a pessoa alcança o ‘amor incondicional’, e os pecados transformam-se para ela em méritos. A partir desse momento, é chamada de ‘justo completo’, pois é capaz de cumprir a Torá e as Mitzvot com amor e temor. É chamada de “completo” porque possui todas as 613 Mitzvot em plenitude.
91) Isto responde à questão que colocamos acima sobre aquele que alcança a terceira medida de Providência, nomeadamente a ‘Providência de recompensa e castigo’, quando Aquele que Conhece os Mistérios já testemunha que ele não voltará à insensatez. No entanto, ainda assim, continua a ser considerado um ‘justo incompleto’. Agora compreendemos plenamente que ainda lhe falta uma Mitzva, a Mitzva do amor. Naturalmente, ele não é completo, pois é indispensável que cumpra todas as 613 Mitzvot, o que constitui necessariamente o primeiro passo no limiar da plenitude.
92) Com tudo o que foi dito acima, compreendemos o que eles perguntaram: “Como pôde a Torá obrigar-nos à Mitzva do amor, se esta Mitzva nem sequer está nas nossas mãos para a praticarmos ou sequer para a tocarmos de alguma forma?” Agora vê e compreende que é precisamente sobre isto que os nossos sábios nos advertiram: “Esforcei-me e não encontrei, não acredite”, e também “Que a pessoa se ocupe sempre da Torá e das Mitzvot Lo Lishma, pois de Lo Lishma chega-se a Lishma” (Pesachim 50). Além disso, o versículo “Aqueles que Me buscam vão encontrar-Me” (Provérbios 8) atesta esta verdade.
93) Estas são as palavras dos nossos sábios (Meguilá, p. 6b): “O Rabino Yitzhak disse: ‘Se alguém lhe disser: ‘Esforcei-me e não encontrei’, não acredite; ‘Não me esforcei e encontrei’, não acredite; ‘Esforcei-me e encontrei’, acredite.’” Estas questões referem-se às palavras da Torá, mas, em negociação, trata-se de uma ajuda do Alto. Perguntámos acima, no Item 40, sobre as palavras “Esforcei-me e encontrei, acredite.” As palavras parecem contraditórias, pois o esforço refere-se à posse, enquanto encontrar se aplica ao que surge sem qualquer esforço, de forma inesperada. Deveria ter dito: “Esforcei-me e adquiri.”
No entanto, deve saber que esta expressão “encontrar”, mencionada aqui, se referem ao versículo: “Aqueles que Me buscam vão encontrar-Me”. Diz respeito a encontrar a face do Criador, como está escrito no Zohar, que Ele só pode ser encontrado na Torá, ou seja, que a pessoa é recompensada com encontrar a face do Criador ao esforçar-se na Torá. Por isso, os nossos sábios foram precisos nas suas palavras e disseram: “Esforcei-me e encontrei, acredita.” Pois o esforço é na Torá, e o encontrar está na revelação da face da Sua Providência (ver Item 47).
Evitaram deliberadamente dizer: “Esforcei-me e venci, acredite” ou “Esforcei-me e adquiri”. Isto porque, se tivessem usado essas expressões, haveria margem para erro, já que vencer ou adquirir se referem apenas à posse da Torá. Por isso, escolheram precisamente a palavra “encontrar”, indicando que se refere a algo para além da aquisição da Torá, nomeadamente a revelação da face da Sua Providência.
94) Isto também esclarece o versículo: “Não me esforcei e encontrei, não acredite”. Parece enigmático, pois quem seria tão ingénuo ao ponto de pensar que é possível ser recompensado com a Torá sem ter de se esforçar por ela? Mas, como as palavras se referem ao versículo: “Aqueles que Me buscam vão encontrar-Me” (Provérbios 8:17), significa que qualquer pessoa, pequena ou grande, que O procure, encontra-O de imediato. Isto é o que as palavras “Aqueles que Me buscam” implicam.
A pessoa poderia pensar que isto não requer um esforço tão grande e que mesmo uma pessoa menos disposta a esforçar-se por isso também O encontrará. A este respeito, os nossos sábios alertam-nos para não acreditarmos numa tal interpretação. Pelo contrário, o esforço é necessário aqui, e por isso dizem: “Não me esforcei e encontrei, não acredite.”
95) Agora é possível ver por que razão a Torá é chamada “vida”, como está escrito: “Veja, hoje coloquei diante de si a vida e o bem” (Deuteronómio 30:15), e também, “portanto, escolhe a vida”, e “Porque são a vida para aqueles que a encontram” (Provérbios 4:22). Isto deriva do versículo: “Na luz do rosto do Rei está a vida” (Provérbios 16), pois o Criador é a fonte de toda a vida e de todo o bem.
Por isso, a vida expande-se aos ramos que aderem à sua origem. Isto refere-se àqueles que se esforçaram e encontraram a luz da Sua face na Torá, que foram agraciados com a abertura dos olhos na Torá numa realização maravilhosa, até serem recompensados com a revelação da face, ou seja, a obtenção da verdadeira Providência, que condiz com o Seu nome, O Bom, e a conduta do Bom é fazer o bem.
96) E aqueles que foram recompensados já não podem afastar-se da observância da Mitzvá corretamente, assim como ninguém se pode afastar de um enorme prazer que lhe chega às mãos. Por isso, afastam-se da transgressão como quem foge do fogo. Sobre eles diz-se: “Mas vós, que vos apegais ao Senhor vosso Deus, estais todos vivos hoje”, pois o Seu amor é-lhes doado como um amor natural, através dos canais naturais preparados para cada um pela natureza da criação. Isto acontece porque agora o ramo está devidamente ligado à sua raiz, e a vida flui para ele de forma abundante e incessante a partir da sua origem. É por isso que a Torá é chamada de “vida.”
97) Por esta razão, os nossos sábios advertiram-nos em muitos lugares sobre a condição necessária na prática da Torá, que deve ser especificamente Lishma, de modo que, através dela, a pessoa seja recompensada com a vida, pois é uma Torá da vida e foi-nos dada por essa razão, como está escrito: “Portanto, escolhe a vida.”
Assim, durante o estudo da Torá, cada pessoa deve esforçar-se nela e orientar o seu intelecto e coração para encontrar “a luz da face do Rei” nela, ou seja, a obtenção da ‘Providência revelada’, chamada a “luz da face”. Qualquer pessoa pode alcançar isso, como está escrito: “Aqueles que Me buscam vão encontrar-Me”, e também: “Esforcei-me e não encontrei, não acredite”.
Portanto, não é necessário mais nada nesta questão além do esforço. Está escrito: “Qualquer um que pratica a Torá Lishma, a sua Torá torna-se para ele um elixir da vida” (Taanit 7a). Isto significa que a pessoa deve apenas orientar o seu intelecto e coração para alcançar a vida, que é o significado de Lishma.
98) Agora pode ver que a questão levantada pelos intérpretes sobre a Mitzva do amor, dizendo que esta Mitzva está fora do nosso alcance, uma vez que o amor não surge por coerção e imposição, não é de forma alguma uma questão válida, pois está inteiramente nas nossas mãos. Cada pessoa pode esforçar-se na Torá até alcançar a obtenção da Sua ‘Providência revelada’, como está escrito: “Esforcei-me e encontrei, acredite.”
Quando a pessoa é recompensada com a ‘Providência revelada’, o amor expande-se naturalmente até ela através dos canais naturais. Aquele que não acredita que pode alcançá-lo através dos seus esforços, por qualquer razão que seja, está necessariamente a desacreditar as palavras dos nossos sábios. Ao invés, imagina que o esforço não é suficiente para qualquer pessoa, o que contradiz o versículo: “Esforcei-me e não encontrei, não acredite.” Contradiz também as palavras: “Aqueles que Me buscam vão encontrar-Me”, especificamente, aqueles que “buscam”, sejam eles grandes ou pequenos. No entanto, certamente, deve haver esforço.
99) A partir do exposto, poderá compreender o significado de “Qualquer um que pratica a Torá Lo Lishma, a sua Torá torna-se para ele uma poção mortal” (Taanit 7a), bem como o que foi dito sobre o versículo: “Na verdade, Tu és um Deus que Se esconde”, ou seja, que o Criador Se esconde na Torá.
Perguntámos acima: “Faz sentido que o Criador esteja oculto especificamente em assuntos mundanos e nas vaidades deste mundo, que estão fora da Torá, e não na própria Torá, já que é apenas aí que está o local da revelação? E perguntámos ainda: Esta ocultação, em que o Criador Se esconde para ser procurado e encontrado, como está escrito no Zohar, ‘Por que preciso de tudo isto?’”
100) A partir do que foi explicado acima, pode compreender plenamente que esta ocultação em que o Criador Se esconde, para ser procurado, é a ‘ocultação da face’, que Ele conduz com as Suas criaturas de duas formas: ‘ocultação simples’ e ‘uma ocultação dentro da ocultação’.
O Zohar ensina-nos que nem sequer devemos considerar que o Criador deseja permanecer numa orientação de ‘face oculta’ em relação às Suas criações. Pelo contrário, é como uma pessoa que deliberadamente se esconde para que o seu amigo a procure e a encontre.
Da mesma forma, o Criador age com ‘ocultação da face’ em relação às Suas criações apenas porque deseja que as pessoas procurem a ‘revelação da Sua Face’ e O encontrem. Ou seja, não haveria qualquer meio ou possibilidade de as pessoas alcançarem a luz da face do Rei se Ele não Se comportasse primeiro com elas através da ‘ocultação da face’. Assim, toda a ocultação não passa de uma preparação para a ‘revelação da face’.
101) Está escrito que o Criador se esconde na Torá. Relativamente aos tormentos e sofrimentos que se experienciam durante a ‘ocultação da face’, aquele que possui transgressões e pouco fez na Torá e nas Mitzvot não é comparável a quem se dedicou extensivamente à Torá e às boas ações. O primeiro tem maior capacidade para julgar o seu Criador ao lado do mérito, pensando que o sofrimento lhe veio devido aos seus pecados e à escassez da sua dedicação à Torá.
Para o segundo, contudo, é muito mais difícil julgar o Criador ao lado do mérito, pois no seu intelecto ele não merece punições tão severas. Além disso, vê que os seus amigos, que são piores do que ele, não sofrem tanto, conforme está escrito: "Os ímpios e os tranquilos no mundo enriqueceram", e também: "Em vão purifiquei o meu coração."
Assim, enquanto a pessoa não for recompensada com uma orientação de ‘revelação da face’, a abundância de Torá e Mitzvot que cumpriu torna a ‘ocultação da face’ ainda mais pesada. É isto que significa "O Criador esconde-se na Torá."
Na verdade, todo esse peso que sente através da Torá não passa de proclamações pelas quais a própria Torá o chama, despertando-o para apressar-se e dar a medida de esforço necessária para que possa receber rapidamente a ‘revelação da face’, conforme a vontade de Deus.
102) É por isso que está escrito que todos os que estudam a Torá Lo Lishma, a sua Torá torna-se para eles uma poção mortal. Não só não emergem da ‘ocultação da face’ para a ‘revelação do rosto’, pois não se decidem nem lhe dedicaram o esforço necessário para a alcançar, como também a Torá que acumulam aumenta ainda mais a ‘ocultação da face’. Por fim, acabam por cair na ‘ocultação dentro da ocultação’, que é considerada como morte, pois ficam completamente desligados da sua raiz. Assim, a sua Torá transforma-se para eles numa poção mortal.
103) Isto esclarece os dois nomes atribuídos à Torá: ‘revelada’ e ‘oculta’. Devemos compreender por que razão necessitamos da Torá ‘oculta’ e por que motivo’ a Torá não está totalmente revelada.
Na verdade, há aqui uma intenção profunda. A Torá ‘oculta’ indica que o Criador se esconde na Torá, razão pela qual é chamada ‘a Torá do oculto’. Por outro lado, é chamada ‘revelada’ porque o Criador se revela através da Torá.
Por isso, os cabalistas disseram, e também encontramos no livro de orações do Gaon de Vilna [GRA], que a ordem de obtenção da Torá começa pelo ‘oculto’ e termina no ‘revelado’. Isto significa que, através do esforço adequado, em que primeiro se estuda a Torá do ‘oculto’, é-lhe concedida a Torá revelada, que é a ‘literal’. Assim, começa-se pelo ‘oculto’, chamado Sod [segredo], e quando se é recompensado, alcança-se o ‘literal’.
104) Foi esclarecido de forma aprofundada como é possível alcançar o primeiro nível de amor, que é o ‘amor condicional’. Aprendemos que, embora não haja recompensa por uma Mitzvá neste mundo, a obtenção da recompensa pela Mitzva existe também neste mundo. Isto chega à pessoa através da abertura dos olhos na Torá, e esta perceção clara é completamente semelhante a receber uma recompensa imediata pela Mitzva (ver Item 84).
Por esta razão, a pessoa sente o benefício maravilhoso contido no pensamento da criação: deleitar as Suas criaturas com a Sua mão plena, bondosa e generosa. Devido à abundância de benefício que se obtém, surge um amor maravilhoso entre a pessoa e o Criador, que se derrama incessantemente sobre ela, através dos mesmos caminhos e canais pelos quais o amor natural se manifesta.
105) No entanto, tudo isto acontece a uma pessoa a partir do momento em que alcança [a revelação divina] e em diante. Contudo, a pessoa não se deseja recordar de todo o tormento causado pela Providência na ‘ocultação da face’, que sofreu antes de alcançar a referida ‘revelação da face’, pois "o amor vai cobrir todas as transgressões". Ainda assim, isto é considerado uma grande falta, mesmo no amor entre as pessoas, e ainda mais em relação à veracidade da Sua Providência, pois Ele é o Bom e Faz o Bem tanto aos bons quanto aos maus.
Por isso, devemos compreender como a pessoa pode alcançar o Seu amor de tal forma que sinta e saiba que o Criador lhe fez sempre um bem maravilhoso, desde o nascimento e para sempre, e que nunca, nem jamais, lhe causou um mínimo de dano. Este é o segundo nível de amor.
106) Para entender isto, precisamos das palavras dos nossos sábios. Eles disseram: "Aquele que se arrepende por amor, os seus pecados tornam-se méritos." Isto significa que não só o Criador perdoa os seus pecados, como transforma cada pecado e transgressão que cometeu numa Mitzvá.
107) Assim, depois de a pessoa ser recompensada com a iluminação da face ao ponto de cada pecado que cometeu, mesmo os intencionais, se transformarem e se tornarem uma Mitzvá para ela, então rejubila com todo o tormento e sofrimento que alguma vez experienciou desde que foi colocado nos dois estados de ‘ocultação da face’. Isto acontece porque foram precisamente eles que o conduziram a todos aqueles pecados, que agora se tornaram Mitzvot através da iluminação da Sua face, Ele que realiza Maravilhas.
E qualquer tristeza ou angústia que o tenha levado a perder o discernimento e a errar, como na ‘primeira ocultação’, ou a falhar com pecados, como na ‘dupla ocultação’, transformou-se agora numa causa e numa preparação para cumprir uma Mitzvá e receber por ela uma recompensa eterna e maravilhosa. Por conseguinte, toda a tristeza se transformou para ela em grande alegria, e todo o mal num bem maravilhoso.
108) Isto é semelhante a uma conhecida história sobre um judeu que era administrador da casa de um certo senhorio. O senhorio amava-o profundamente. Certa vez, o senhor ausentou-se e deixou os seus negócios nas mãos do seu substituto, que era antissemita.
O que fez ele? Agarrou no Judeu e açoitou-o cinco vezes diante de todos para o humilhar profundamente.
Quando o senhorio regressou, o Judeu foi ter com ele e contou-lhe tudo o que lhe tinha acontecido. O senhor ficou furioso, chamou o substituto e ordenou-lhe que entregasse imediatamente ao judeu mil moedas por cada golpe que lhe tinha dado.
O Judeu pegou no dinheiro e foi para casa. A sua esposa encontrou-o a chorar. Assustada, perguntou-lhe: "O que aconteceu com o senhorio?" Ele contou-lhe o que se tinha passado. Ela perguntou: "Então, por que choras?" Ele respondeu: "Choro porque só me açoitou cinco vezes. Quem me dera que me tivesse açoitado pelo menos dez vezes, pois agora teria dez mil moedas."
109) Agora vê que, depois de a pessoa ter sido agraciada com o arrependimento das iniquidades, de tal forma que os pecados se transformaram em méritos para si, é-lhe então concedido alcançar o segundo nível do amor ao Criador, no qual o amado nunca causou qualquer dano ao seu amado, nem sequer uma sombra de dano. Pelo contrário, Ele realiza-lhe um bem imenso e maravilhoso, sempre e para sempre (ver Item 70), numa forma que o arrependimento por amor e a transformação dos pecados em méritos ocorrem simultaneamente, conforme as palavras dos nossos sábios.
110) Até agora, examinamos apenas os dois níveis do amor condicional. No entanto, ainda precisamos de compreender como a pessoa é agraciada com os dois níveis do amor incondicional pelo Criador.
Para isso, devemos entender profundamente as palavras dos nossos sábios, que disseram (Kidushin, p. 40b): “Os nossos sábios disseram: ‘Cada pessoa deve sempre considerar-se ‘metade culpada e metade inocente’. Se cumprir uma Mitzva, feliz é ela, pois sentenciou-se a si própria para o lado do mérito. Mas se cometer uma transgressão, ai dela, pois sentenciou-se a si mesma para o lado da culpa, como foi dito: ‘E um só pecador’, etc.’”
“O Rabino Elazar, filho do Rabino Shimon, disse: ‘Uma vez que o mundo é julgado pela sua maioria, e o indivíduo é julgado pela maioria, se cumprir uma Mitzva, feliz é ele, pois sentenciou-se a si próprio e ao mundo inteiro ao lado do mérito. Mas se cometer uma transgressão, ai dele, pois sentenciou-se a si próprio e ao mundo inteiro ao lado da culpa, como está dito: ‘E um só pecador’, etc.’ Pois, devido a essa única transgressão que cometeu, tanto ele como o mundo perderam um grande bem.”
111) Estas palavras parecem enigmáticas do princípio ao fim. Ele diz que a pessoa que cumpre uma única Mitzvá sentencia-se imediatamente ao lado do mérito, pois é julgada segundo a maioria. No entanto, isto refere-se apenas àqueles que são ‘metade culpados e metade inocentes’. E, de facto, o Rabino Elazar, filho do Rabino Shimon, não fala de forma alguma dessas pessoas. Assim, a essência parece estar ausente do livro.
RASHI interpretou as suas palavras como uma referência à afirmação do primeiro Tana, que diz: “Cada pessoa deve sempre considerar-se metade culpada e metade inocente.” O Rabino Elazar acrescenta que se deve considerar também o mundo inteiro como se estivesse ‘metade culpado e metade inocente’. No entanto, a essência continua ausente do livro. Além disso, por que razão ele alterou as palavras? Se o significado é o mesmo, porque não fala ele como o primeiro Tana?
112) Isto torna-se ainda mais difícil quando se considera a própria questão, ou seja, o facto de alguém se ver a si próprio como apenas metade culpado. Isto é surpreendente: se a pessoa sabe que as suas iniquidades são numerosas, estará a enganar-se ao dizer que é apenas metade e metade? Mas a Torá ensina: “Afasta-te da falsidade!”
Além disso, está escrito: “Um só pecador destrói muito bem”. Isto indica que uma única transgressão sentencia a pessoa e o mundo inteiro ao lado da culpa. Assim, trata-se de uma realidade efetiva e não de uma ilusão pela qual se deva imaginar a si próprio e ao mundo de determinada maneira.
113) Há ainda outro ponto intrigante: será possível que, em cada geração, não existam muitas pessoas a cumprir pelo menos uma Mitzva? Então, como é que o mundo é sentenciado ao lado do mérito? Significa isto que a situação não muda e que o mundo continua a comportar-se como sempre? De facto, esta questão exige uma análise profunda, pois as palavras não podem ser compreendidas de forma superficial.
No entanto, a Braita não se refere de modo algum a uma pessoa que tem consciência de que os seus pecados são numerosos, para ensinar-lhe algum tipo de ilusão, de que é metade isto ou metade aquilo, ou para insinuar que lhe falta apenas uma única Mitzva. Esse não é, de forma alguma, o caminho dos sábios. Pelo contrário, a Braita refere-se àquele que sente e acredita ser completamente justo, que se considera totalmente íntegro, pois já foi agraciado com o primeiro nível do amor ao abrir os olhos na Torá, e Aquele que Conhece os Mistérios já testemunhou que ele não voltará à insensatez.
A esse, o Tana fala, mostrando-lhe o seu verdadeiro estado e provando-lhe que ainda não é justo, mas sim alguém que está “a meio do caminho”, ou seja, ‘metade culpado e metade inocente’. Isto porque ainda lhe falta uma Mitzva das 613 Mitzvot da Torá, nomeadamente, a Mitzva do amor.
Toda a garantia d'Aquele que Conhece os Mistérios, de que ele não voltará a pecar, baseia-se apenas na clareza da sua percepção sobre a grande perda que há em transgredir. Isto é considerado temor ao castigo e, por isso, chama-se “arrependimento por temor”.
114) Também aprendemos anteriormente que este nível de ‘arrependimento por temor’ ainda não corrige completamente a pessoa, mas apenas a partir do momento do arrependimento. Assim, todas as dores e sofrimentos que ela tenha suportado antes de ser agraciada com a ‘revelação da face’ permanecem inalterados, sem qualquer correção.
Além disso, as transgressões que cometeu não são completamente corrigidas, mas permanecem como erros.
115) É por isso que o primeiro Tana afirma que tal pessoa, que ainda está em falta de uma Mitzvá, deve considerar-se como estando ‘metade culpada e metade inocente’. Isto significa que deve imaginar que o momento em que lhe foi concedido o arrependimento ocorreu a meio dos seus anos. Assim, ainda é ‘metade culpada’, pois metade dos seus anos já passou antes de se ter arrependido. Nesse período, é certamente culpada, pois o ‘arrependimento por temor’ não os corrige.
Mas também que ela é ‘metade inocente’, na metade dos anos que decorreram desde que foi agraciado com o arrependimento. Nesse período, é certamente inocente, pois tem a certeza de que não voltará a pecar. Assim, durante a primeira metade dos seus anos, é culpada, e na segunda metade dos seus anos, é inocente.
116) O Tana diz-lhe para pensar que, se realizar uma Mitzva, aquela que lhe falta para completar as 613, será feliz, pois terá sentenciado a si próprio ao lado do mérito. Isto acontece porque aquele que é agraciado com a Mitzvá do amor através do ‘arrependimento por amor’, através dela, é recompensado com a transformação dos seus pecados em méritos.
Então, toda a dor e sofrimento que tenha alguma vez suportado, antes de ser agraciado com o arrependimento, transforma-se para ele em prazeres maravilhosos e sem fim. Além disso, lamenta não ter sofrido ainda mais, como na alegoria sobre o proprietário e o Judeu que o amava.
Isto é chamado de “sentenciar ao lado do mérito”, pois todas as suas emoções, erros e pecados se tornaram méritos para ele. Assim, sentenciar ao lado do mérito significa que o copo que estava cheio de pecados se transformou agora num copo cheio de méritos. Nas palavras dos sábios, esta inversão é chamada de “sentença”.
117) O Tana adverte-o ainda mais, dizendo que, enquanto estiver entre ambos os estados e ainda não tiver sido agraciado com a única Mitzva que lhe falta para completar as 613, não deve confiar em si próprio até ao dia da sua morte. Também não deve confiar no testemunho d'Aquele que Conhece os Mistérios, assumindo que não voltará à insensatez, pois ainda poderá transgredir.
Por isso, deve pensar que, se cometer uma única transgressão, ai dele, pois sentenciou-se a si próprio ao lado da culpa. Isto porque, nesse momento, perderá imediatamente toda a sua maravilhosa conquista na Torá e toda a ‘revelação da Face’ que lhe foi concedida, e regressará ao estado de ‘ocultação da face’. Assim, vai sentenciar-se para o lado da culpa, pois perderá todos os méritos e todo o bem, mesmo da segunda metade dos seus anos. Como prova, o Tana apresenta o versículo: “Um só pecador destrói muito bem.”
118) Agora compreenderá a adição que Rabino Elazar, filho de Rabino Shimon, faz e também porque não traz a expressão “metade culpado e metade inocente”, como o primeiro Tana. Isto acontece porque o primeiro Tana fala do segundo e terceiro discernimentos do amor, conforme explicado acima (nos itens 70 e 72), enquanto Rabino Elazar, filho de Rabino Shimon, fala do quarto discernimento do amor, o amor eterno— a ‘revelação da face’, tal como realmente é, como O Bom que Faz o Bem tanto aos bons como aos maus.
119) Aprendemos que é impossível ser agraciado com o quarto discernimento, a menos que se seja conhecedor e entendido em todos os desígnios do amado, na forma como Ele age com todos os outros, sem que falte nenhum. É também por isso que o grande privilégio de ser agraciado com a sentença de si próprio ao lado do mérito ainda não é suficiente para ser recompensado com o amor completo, ou seja, o quarto discernimento. Isto deve-se ao facto de que, nesta fase, ainda não se compreende o Seu mérito como sendo O Bom que Faz o Bem tanto aos bons como aos maus, mas apenas a Sua Providência sobre si próprio, conforme referido no item 77.
Contudo, ainda não se conhece a Sua Providência desta maneira sublime e maravilhosa em relação ao resto das pessoas no mundo. Assim, aprendemos acima que, enquanto não se conhecer todos os desígnios do amado em relação aos outros, sem que nenhum falte, o amor ainda não é eterno, conforme mencionado no item 73. Por isso, é necessário sentenciar também o mundo inteiro ao lado do mérito, e só então o amor eterno se revela.
120) É isto que o Rabino Elazar, filho do Rabino Shimon, afirma: “Visto que o mundo é julgado pela sua maioria, e o indivíduo é julgado pela sua maioria”, e, uma vez que ele se refere ao mundo inteiro, não pode falar como o primeiro Tana, considerando-os metade culpados e metade inocentes, pois este nível só é alcançado por quem foi agraciado com a ‘revelação da face’ e com o ‘arrependimento por temor’. Como poderia tal ser dito sobre o mundo inteiro, se este ainda não foi agraciado com esse arrependimento? Por esta razão, deve-se apenas dizer que o mundo é julgado pela sua maioria, e o indivíduo é julgado pela sua maioria.
Explicação: Poder-se-ia pensar que a pessoa só se torna um justo completo se nunca tiver cometido transgressões ou pecados. Assim, aqueles que falharam com pecados e transgressões já não poderiam merecer tornar-se justos completos.
Por isso, Rabino Elazar, filho de Rabino Shimon, ensina-nos que não é assim. Pelo contrário, o mundo é julgado pela sua maioria, tal como o indivíduo. Isto significa que, depois de alguém sair da condição de ‘intermédio’, após ter-se ‘arrependido por temor’, é imediatamente recompensado com as 613 Mitzvot e passa a ser chamado de ‘intermédio’, ou seja, metade dos seus anos é culpado e metade dos seus anos é inocente. Posteriormente, se acrescentar apenas uma única Mitzva, a Mitzvá do amor, é considerado como sendo maioritariamente inocente e sentencia tudo ao lado do mérito. Assim, o lado das faltas transforma-se também em méritos, tal como nas palavras do primeiro Tana.
Conclui-se, então, que mesmo que a pessoa tenha um copo cheio de iniquidades e pecados, todos eles se tornam méritos para ela. Então, ela passa a ser como alguém que nunca pecou e é considerada um ‘justo completo’. Este é o significado da afirmação de que o mundo e o indivíduo são julgados pela maioria. Assim, as transgressões que possuía antes do arrependimento já não são levadas em conta, pois transformaram-se em méritos. Deste modo, até mesmo os ‘ímpios completos’ passam a ser considerados ‘justos completos’ quando são agraciados com o ‘arrependimento por amor’.
121) Assim, ele diz que, se um indivíduo cumpre uma Mitzvá, ou seja, após o ‘arrependimento por temor’, então falta-lhe apenas uma Mitzvá, e “ele é feliz, pois sentenciou a si próprio e ao mundo inteiro ao lado do mérito.” Deste modo, não só é recompensado, através do seu ‘arrependimento por amor’, sentenciando-se a si mesmo ao lado do mérito, como afirma o primeiro Tana, mas é ainda digno de sentenciar o mundo inteiro ao lado do mérito.
Isto significa que ele é recompensado com a ascensão a compreensões maravilhosas da Torá, até descobrir como todas as pessoas do mundo serão finalmente agraciadas com o ‘arrependimento por amor’. Então, também elas vão descobrir e ver toda essa maravilhosa orientação, tal como ele a alcançou para si próprio. E, assim, também elas serão sentenciadas ao lado do mérito. Nesse momento, “os pecados vão cessar da terra e os ímpios já não vão existir.”
E, embora as pessoas do mundo ainda não tenham sido agraciadas sequer com o ‘arrependimento por temor’, ainda assim, depois que um indivíduo alcança essa sentença ao lado do mérito, que está destinada a alcançá-las numa realização clara e absoluta, isso assemelha-se ao que foi dito: “Verás o teu mundo na tua vida”, sobre aquele que se ‘arrepende por temor’. Dizemos que ele fica impressionado e encantado com isso como se o tivesse obtido de imediato, pois “tudo o que está prestes a ser recolhido é considerado como já recolhido.”
Além disso, aqui considera-se que esse indivíduo que alcança o arrependimento do mundo inteiro, é precisamente como se todos tivessem sido agraciados e tivessem alcançado o arrependimento por amor. Cada um sentenciou o seu lado de faltas para méritos, de forma suficiente para conhecer os desígnios divinos em relação a cada pessoa no mundo.
É por isso que Rabino Elazar, filho de Rabino Shimon, diz: “Feliz é aquele que se sentenciou a si próprio e ao mundo inteiro ao lado do mérito.” A partir de então, ele conhece plenamente todas as condutas da orientação divina sobre cada uma das criações, através da revelação da Sua verdadeira face, ou seja, do Bom Que faz o Bem tanto aos bons como aos maus. E, como a pessoa sabe isto, foi-lhe, portanto, concedido o quarto nível do amor, nomeadamente, o “amor eterno”.
Tal como o primeiro Tana, também Rabino Elazar, filho de Rabino Shimon, adverte que, mesmo depois de ter sentenciado o mundo inteiro ao lado do mérito, ainda assim não deve confiar em si próprio até ao dia da sua morte. Pois, se falhar numa única transgressão, vai perder imediatamente todas as suas maravilhosas conquistas, como está escrito: “Um só pecador destroi muito bem.”
Isto explica a diferença entre o primeiro Tana e Rabino Elazar, filho de Rabino Shimon: o primeiro Tana fala apenas a partir do segundo e do terceiro discernimentos do amor; por isso, ele não menciona a sentença ao mundo inteiro. Mas o Rabino Elazar, filho de Rabino Shimon, fala a partir do quarto discernimento do amor, que não pode ser descrito sem a obtenção da sentença do mundo inteiro ao lado do mérito. No entanto, ainda precisamos de compreender como se alcança esta conquista maravilhosa de sentenciar o mundo inteiro ao lado do mérito.
122) Aqui, devemos compreender as palavras dos nossos sábios (Taanit 11a): “Outro tratado diz que, quando o público está em aflição, não se deve dizer: ‘Irei para minha casa, comerei e beberei, e a minha alma estará em paz.’ Se alguém fizer isto, está escrito acerca dele: ‘E eis alegria e regozijo, abatendo bois e degolando ovelhas, comendo carne e bebendo vinho—Comamos e bebamos, pois amanhã morreremos!’ O que se diz a seguir? ‘E o Senhor dos Exércitos revelou-Se aos meus ouvidos: Certamente esta iniquidade não será expiada por vós até morrerem.’ Até aqui, isto diz respeito ao ‘atributo de intermédio’. Mas o que se diz sobre o ‘atributo do ímpio’? ‘Vinde, trarei vinho e vamos encher-nos de bebida forte, e amanhã será como este dia.’ O que se diz depois disto? ‘O justo perece e ninguém repara, pois, por causa do mal, o justo pereceu.’ Em vez disso, aquele que partilha da dor do público é recompensado com o privilégio de ver o seu alívio.”
123) Estas palavras parecem ser completamente irrelevantes. Ele pretende trazer uma prova do texto, para justificar que é necessário sofrer com o público. Então, por que motivo se deve separar e distinguir o atributo do ‘intermédio’ do atributo do ‘ímpio’? Além disso, qual é a precisão relativamente ao “atributo de ‘intermédio’” e “atributo de ímpio”? Porque não diz simplesmente “intermédio” e “ímpio”, sem necessidade da palavra “atributo”?
Também, onde está a indicação de que o texto está a falar de uma iniquidade quando alguém não sofre com o público? Ainda mais, não vemos qualquer punição específica no ‘atributo de ímpio’, mas apenas no que está escrito: “O justo perece e ninguém repara.” Se o ‘ímpio’ peca, o que fez o ‘justo’ para que tenha de ser punido? E porque razão o ímpio se preocuparia se o justo for levado deste mundo?
124) Com efeito, deve saber que estes atributos – ‘intermédio’, ‘ímpio’ e ‘justo’ – mencionados nesta Braita, não se referem a pessoas distintas. Pelo contrário, todos eles estão presentes em cada pessoa no mundo. Estes três atributos são discerniveis em cada um. Durante o estado de ‘ocultação da face’, antes de se alcançar o ‘arrependimento por temor’, a pessoa é considerada no atributo de ‘ímpio’.
Depois, se lhe for concedido o ‘arrependimento por temor’, é considerada no atributo de ‘intermédio’. Em seguida, se também lhe for concedido o ‘arrependimento por amor’, no seu quarto discernimento, ou seja, amor eterno, é considerado um ‘justo completo’. Por isso, não eles não disseram apenas ‘intermédio’ e ‘justo’, mas sim o atributo de ‘intermédio’ e o atributo de ‘ímpio’.
125) Devemos também lembrar que é impossível alcançar o quarto discernimento do amor sem primeiro alcançar a ‘revelação da face’, que está destinada a chegar a todo o mundo. Isto dá à pessoa força para sentenciar o mundo inteiro ao lado do mérito, como diz o Rabino Elazar, filho do Rabino Shimon. Já aprendemos que a ‘revelação da face’ vai inevitavelmente transformar toda a tristeza e sofrimento experienciados durante a ‘ocultação da face’ em prazeres maravilhosos, ao ponto de a pessoa se lamentar por ter sofrido tão pouco, como foi explicado acima.
Por isso, devemos perguntar: “Quando alguém se sentencia a si próprio ao lado do mérito, certamente recorda todas as dores e sofrimentos que teve durante a ‘ocultação da face’.” É por isso que é possível que todos eles se transformem para a pessoa em prazeres maravilhosos, como foi dito acima. Mas quando sentencia o mundo inteiro ao lado do mérito, como pode saber a medida da dor e do sofrimento que todas as pessoas no mundo experienciam, de modo a compreender como elas são sentenciadas ao lado do mérito da mesma forma que explicamos quanto à própria sentença?
Para evitar que o lado do mérito do mundo inteiro fique incompleto, quando alguém está apto a sentenciá-lo ao lado do mérito, não tem outro meio senão sofrer sempre com os problemas do público, tal como sofre com os seus próprios problemas. Assim, o lado da culpa do mundo inteiro estará pronto dentro da pessoa, como o seu próprio lado da culpa. Deste modo, se lhe for concedido sentenciar-se a si próprio ao lado do mérito, poderá também sentenciar o mundo inteiro ao lado do mérito e alcançar o estado de justo completo.
126) A partir do que foi explicado, compreendemos corretamente as palavras da Braita: se alguém não sofre com o público, então, mesmo quando lhe é concedido o ‘arrependimento por temor’, que é o atributo de ‘intermédio’, as Escrituras dizem sobre ele e em seu favor: “Eis alegria e júbilo.” Isto significa que aquele que recebeu a bênção “Verás o teu mundo na tua vida”, e vê toda a recompensa pela sua Mitzvá, que está preparada para o mundo vindouro, está certamente “repleto de alegria e júbilo”. E diz para si mesmo: “Degolando bois e abatendo ovelhas, comendo carne e bebendo vinho – comamos e bebamos, pois amanhã morreremos!”
Ou seja, está repleto de grande alegria devido à sua recompensa garantida no mundo vindouro. É por isso que diz com tanta satisfação: “pois amanhã morreremos”, e vou recolher a minha vida completa no mundo vindouro, após a minha morte.
No entanto, o que está escrito a seguir? “E o Senhor dos Exércitos revelou-Se aos meus ouvidos: Certamente esta iniquidade não será expiada por ti até que morras.” Isto significa que o texto o repreende pelos erros que carrega, pois aprendemos que os pecados de quem se ‘arrepende por temor’ se tornam meros erros. Assim, como não sofreu com o público e não pode alcançar o ‘arrependimento por amor’, (momento em que os pecados se tornam méritos para ele), é necessário que os seus erros nunca sejam expiados durante a sua vida. Como poderá, então, alegrar-se com a sua vida no mundo vindouro? Por isso está escrito: “Certamente esta iniquidade não será expiada por ti”, ou seja, os erros, “até que morras”, ou seja, antes da sua morte. Assim, permanece privado de expiação.
127) A Braita também diz que este é o ‘atributo de intermédio’, o que significa que este texto fala de um momento em que a pessoa tenha alcançado ‘arrependimento por temor’ em diante. Nessa altura, é considerado ‘intermédio’.
No entanto, o que está escrito sobre o atributo de ‘ímpio’? Ou seja, o que vai acontecer ao tempo em que esteve em ‘ocultacão da face’, onde então era chamado de atributo do ‘ímpio’? Aprendemos que o ‘arrependimento por temor’ não corrige o passado antes de a pessoa se ter arrependido.
Assim, a Braita traz outro versículo: “Vinde, vou buscar algum vinho e vamos embriagar-nos com bebida forte, e o amanhã será como o dia de hoje.” Isto significa que aqueles dias e anos que passaram desde o tempo da ‘ocultacão da face’, que ele não corrigiu, chamados o atributo de ‘ímpios’, não querem que ele morra, pois não têm parte no mundo vindouro após a morte, uma vez que pertencem ao ‘atributo dos ‘ímpios’.
Portanto, num momento em que o atributo de ‘intermédio’ na pessoa está contente e jubiloso, “pois amanhã morreremos” e será recompensado com a vida do mundo vindouro, ao mesmo tempo, o atributo de ‘perverso’ não diz o mesmo. Pelo contrário, diz “e o amanhã será como o dia de hoje”, ou seja, deseja viver e ser feliz neste mundo para sempre, pois ainda não tem parte no mundo vindouro, uma vez que não o corrigiu, pois só é corrigido através do ‘arrependimento por amor’.
128) A Braita termina: “O que está escrito depois disto? ‘O justo perece.’” Ou seja, o atributo do ‘justo completo’, que essa pessoa deveria merecer, perde-se. “E ninguém repara... porque, devido ao mal, o justo pereceu.” Isto significa que, porque esse ‘intermédio’ não sofreu com o público, não pode alcançar o ‘arrependimento por amor’, que transforma os pecados em méritos e os males em prazeres maravilhosos. Em vez disso, todos os erros e o mal que sofreu antes de ter alcançado o ‘arrependimento por temor’ ainda permanecem no atributo de ‘ímpio’, que sente dano da Sua Providência. E devido a esses danos que ainda sente, não pode ser recompensado como ‘justo completo’.
O texto diz: “e ninguém repara”, o que significa que essa pessoa não repara “devido ao mal.” Ou seja, por causa do dano que ainda sente na Sua Providência desde o passado, “o justo perece”, ou seja, perdeu o atributo de ‘justo’. E morrerá e partirá deste mundo como um mero ‘intermédio’.
Tudo isto se refere àquele que não sofre com o público e não tem o privilégio de ver o consolo do público, pois não será capaz de os sentenciar ao lado do mérito e ver a sua consolação. Assim, nunca vai alcançar o atributo de ‘justo’.
129) De tudo o que foi mencionado anteriormente, concluímos que não há nenhum ser humano que não experiencie os três atributos acima referidos: o atributo de ‘ímpio’, o atributo de ‘intermédio' e o atributo de ‘justo’.
Chamam-se Midot [atributos] porque derivam da Midah [medida] da percepção da pessoa da Sua Providência. Os nossos Sábios disseram: “A pessoa recebe na medida em que distribui” (Sutah 8). Aqueles que alcançam a Sua Providência na ‘ocultacão da face’ são considerados ‘ímpios’ ou ‘ímpios’ incompletos, da perspectiva da ‘ocultacão simples’, ou ‘ímpios’ completos’, no que respeita à ‘ocultacão dupla’.
Porque eles sentem e pensam que o mundo é conduzido sob uma orientação negativa, é como se se condenassem a si próprios, dado que recebem tormentos e dores da Sua Providência e apenas sentem mal-estar durante todo o dia. E condenam ainda mais ao pensarem que todas as pessoas no mundo são supervisionadas como elas, sob uma orientação negativa.
Assim, aqueles que realizam a Providência da perspetiva da ‘ocultacão da face’ são chamados ‘ímpios’, pois esse nome manifesta-se neles pela profundidade da sua sensação. Depende da compreensão do coração, e as palavras ou pensamentos que justificam a Sua Providência de nada valem quando se opõem à sensação de cada órgão e sentido, que não se podem forçar a mentir.
Assim, aqueles que estão nesta medida de realização da Providência são considerados como condenando a si próprios e a todo o mundo ao lado da culpa, conforme está escrito nas palavras de Rabi Elazar, filho de Rabi Shimon. Isto porque imaginam que todas as pessoas no mundo são supervisionadas sob uma orientação negativa, tal como elas, o que contradiz o Seu nome, “O Bom que Faz o Bem tanto aos bons como aos maus”.
130) Aqueles que são agraciados com a sensação da Sua Providência na forma do primeiro nível da ‘revelação da face’, chamado ‘arrependimento por temor’, são considerados ‘intermédios’, pois os seus sentimentos dividem-se em duas partes, chamadas “dois pratos da balança”.
Agora que alcançaram a ‘revelação da face’, através de “Verás o teu mundo na tua vida”, pelo menos alcançaram a Sua Providência boa, como convém ao Seu nome, O Bom. Assim, possuem o lado do mérito.
No entanto, toda a tristeza e os amargos tormentos que ficaram profundamente marcados nos seus sentimentos por todos os dias e anos em que receberam a ‘Providência da ocultacão da face’, antes de terem sido agraciados com o arrependimento acima referido, permanecem e são chamados ‘o lado da culpa’.
E, uma vez que têm estes dois pratos da balança, opostos um ao outro, de modo que o lado da culpa existe desde o momento do seu arrependimento e antes, e o lado do mérito está assegurado a partir do momento do arrependimento em diante, o momento do arrependimento situa-se “entre” o mérito e o pecado. Por isso são chamados ‘intermédios’.
131) E aqueles que têm o privilégio de alcançar a ‘revelação da face’ no segundo nível, chamado “arrependimento por amor”, no qual, para eles, os pecados se tornam méritos, são considerados como tendo sentenciado o mencionado ‘lado da culpa’ ao ‘lado do mérito’. Isto significa que toda a tristeza e sofrimento gravados nos seus ossos enquanto estavam sob a ‘Providência da ocultacão da face’ foram agora transformados e sentenciados ao lado do mérito, pois cada dor e sofrimento foram agora convertidos num prazer maravilhoso e infinito. Agora são chamados ‘justos’, pois justificam a Sua Providência.
132) Devemos saber que a qualidade de ‘intermédio’ referida, se aplica mesmo quando a pessoa se encontra sob a ‘Providência da ocultação da face’. Através de grande esforço na fé em recompensa e punição, aparece neles uma luz de grande confiança no Criador. Por um período, é-lhes concedido um nível de ‘revelação da Sua face’ na qualidade de ‘intermédio’. Contudo, a desvantagem é que não conseguem permanecer nesses níveis de forma permanente, pois permanecer num nível de forma permanente só é possível através do ‘arrependimento por temor’.
133) Devemos também saber que o que dissemos, que só há escolha quando existe ‘ocultação da face’, não significa que, após a pessoa ter alcançado a ‘Providência da revelação da face’, não haja mais trabalho ou esforço na prática da Torá e das Mitzvot. Pelo contrário, o trabalho adequado na Torá e nas Mitzvot começa, sobretudo, após a pessoa ter alcançado o ‘arrependimento por amor’. Só então é possível ocupar-se da Torá e das Mitzvot com amor e temor, como nos é ordenado, pois “O mundo foi criado apenas para os justos completos” (Berachot 61).
É como um rei que desejava selecionar os seus súbditos mais leais do país e trazê-los para trabalhar no interior do seu palácio. O que fez ele? Emitiu um decreto dizendo que qualquer pessoa que quisesse, jovem ou velha, poderia ir ao seu palácio para trabalhar no interior do palácio.
Contudo, nomeou muitos dos seus servos para guardar o portão do palácio e todas as estradas que levavam a ele, ordenando-lhes que desviassem astutamente todos as pessoas que se aproximassem do palácio e as afastassem do caminho que conduz ao palácio.
Naturalmente, todas as pessoas do país começaram a correr em direção ao palácio do rei. Mas os guardas diligentes desviavam-nas astuciosamente. Muitas conseguiram superá-los e aproximaram-se do portão do palácio, mas os guardas do portão eram os mais diligentes, e, se alguém se aproximava do portão, desviavam-na e afastavam-na com grande habilidade, até que a pessoa entrasse em desespero e regressasse da mesma forma que tinha vindo.
Assim, iam e vinham, ganhavam força, iam e vinham novamente, e assim sucessivamente durante vários dias e anos, até se cansarem de tentar. Apenas os mais fortes, cuja paciência perdurou, derrotaram os guardas e abriram o portão. E foram imediatamente recompensados com a visão da Face do rei, que nomeava cada um para o lugar que lhe competia.
Evidentemente, a partir desse momento, não voltaram a lidar com os guardas que os desviavam e enganavam, tornando-lhes a vida amarga durante vários dias e anos, correndo de um lado para o outro à volta do portão. Isto porque foram recompensados com o trabalho e o serviço diante da glória da face do rei, dentro do seu palácio.
Assim é o trabalho dos ‘justos completos’. A escolha, que era aplicável durante a ‘ocultação da face’, certamente não se aplica assim que abrem a porta para alcançar a ‘Providência revelada’.
No entanto, o seu trabalho começa principalmente a partir da ‘revelação da face’. Nesse momento, começam a subir os muitos degraus, da escada que está colocada sobre a terra, cujo topo alcança os céus, como está escrito: “Os justos irão de força em força.”
Como disseram os nossos sábios, “Cada justo é queimado pela cobertura (Huppah) do seu amigo.” Estes trabalhos qualificam-nos para o desejo do Criador, para realizar neles o Seu pensamento da criação, que é “deleitar as Suas criaturas” de acordo com a Sua boa e generosa vontade.
134) Deve saber esta lei: que só há revelação num lugar onde houve ocultação. Isto é semelhante às questões deste mundo, onde a ausência precede a existência, já que o crescimento do trigo aparece apenas onde foi semeado e apodreceu.
O mesmo ocorre com as questões mais elevadas, onde a ocultação e a revelação se relacionam uma com a outra como o pavio e a luz que o agarra. Isto porque qualquer ocultação, assim que é corrigido, é a razão para a revelação da luz relacionada a esse tipo de ocultação, e a luz que aparece agarra-se a ele como a luz a um pavio. Lembre-se disto em tudo o que fizer.
135) Agora pode entender o que disseram os nossos sábios, que toda a Torá são os nomes do Criador. Isto parece intrigante, pois há muitas indecências, como os nomes dos perversos, Faraó, Balaão, etc., proibições, Tuma’a [impureza], maldições crueis nas duas advertências, e assim por diante. Assim, como podemos compreender que tudo isto são nomes do Criador?
136) Para compreender isto, devemos saber que os nossos caminhos não são os Seus caminhos. O nosso caminho é partir do imperfeito para alcançar a perfeição. No Seu caminho, todas as revelações chegam até nós da perfeição para o imperfeito.
Primeiro, a perfeição absoluta emana e emerge d’Ele. Esta perfeição desce da Sua Face e pende, restrição a seguir a restrição, através de diversos níveis, até alcançar a última fase, a mais restrita, adequada ao nosso mundo material. E, então, a substância aparece para nós aqui, neste mundo.
137) Pelo que foi dito acima, compreendemos que a Torá, cuja elevação é infinita, não emanou nem emergiu d’Ele tal como nos aparece aqui neste mundo, pois é sabido que “A Torá e o Criador são um” e isto não é de todo evidente na Torá deste mundo. Além disso, para a pessoa que se envolve nela em Lo Lishma, a sua Torá torna-se para ela uma poção de morte.
Contudo, quando foi inicialmente emanada d’Ele, foi emanada e surgiu em completa perfeição, ou seja, na forma real de “A Torá e o Criador são um”. Isto é chamado de “A Torá de Atzilut”, na introdução de Tikkuney Zohar, p. 3, onde se diz que “Ele, a Sua Vida, e o Seu Ser são um.” Posteriormente, desceu da Sua Face e foi gradualmente restringida através de muitas restrições, até ser entregue no Sinai, quando foi escrita tal como está perante nós neste mundo, revestida nas vestes grosseiras do mundo material.
138) Contudo, deve saber que a distância entre os revestimentos da Torá neste mundo e os revestimentos da Torá no mundo de Atzilut é incomensurável. Não obstante, a Torá em si própria, ou seja, a luz no interior dos revestimentos, não muda de modo algum entre a Torá de Atzilut e a Torá deste mundo. Isto é o que significa o versículo: “Eu, HaVaYa [o Senhor], não mudo” (Malaquias 3:6).
Além disso, estes revestimentos grosseiros da nossa Torá de Assiya não possuem de modo algum valor inferior, em comparação com a luz que está revestida neles. Pelo contrário, a sua importância é muito maior, no que diz respeito ao final da sua correção, do que todos os seus revestimentos puros nos mundos superiores. Isto porque a ocultação é a razão para a revelação. Após a sua correção, durante a revelação, a ocultação é para a revelação, como um pavio é para a luz que está agarrada nele. Quanto maior a ocultação, maior será a luz que se agarra a ele quando corrigido. Assim, todos estes revestimentos grosseiros nos quais a Torá está revestida neste mundo não têm, de modo algum, um valor inferior à luz que neles se reveste, mas precisamente o contrário.
139) Esta é a vitória de Moisés sobre os anjos com o seu argumento: “Existe inveja entre vós? Existe má inclinação entre vós?” (Shabat 89). Ou seja, quanto maior a ‘ocultação, maior é a luz que é revelada. Ele mostrou-lhes que, nos revestimentos puros em que a Torá se reveste no mundo dos anjos, as luzes maiores não podem aparecer através deles da mesma forma que podem aparecer nos revestimentos deste mundo.
140) Assim, aprendemos que não há qualquer alteração entre a Torá de Atzilut, onde “A Torá e o Criador são um”, e a Torá neste mundo. A única diferença reside nos revestimentos, pois os revestimentos deste mundo ocultam e escondem o Criador.
Deve saber que, devido ao facto de Ele se revestir na Torá, esta é chamada de “ensinamento”. Isto diz-nos que, mesmo durante a ‘ocultação da face’, e até mesmo durante ‘ocultação dupla’, o Criador está presente e revestido na Torá, pois Ele é Moreh [Professor], e ela é Torá. No entanto, os revestimentos grosseiros da Torá, que estão diante dos nossos olhos, são como asas que cobrem e escondem o Professor que está revestido e oculto nelas.
No entanto, quando alguém é agraciado com a ‘revelação da face’ através do ‘arrependimento por amor’, no seu quarto discernimento, é dito sobre ele: “O teu Professor já não Se vai esconder, e os teus olhos verão o teu Professor” (Isaías 30:20). A partir daí, os revestimentos da Torá já não escondem nem ocultam o Professor, e a pessoa descobre para sempre que “A Torá e o Criador são um”.
141) Agora pode compreender as palavras dos nossos sábios acerca da frase: “Deixa-Me e guarda a Minha lei.” Eles interpretaram: “Desejo que Me deixem e mantenham a Minha Torá, pois a luz nela contida vai reformá-los.” (Talmude de Jerusalém, Hagigá, Capítulo 1, Halachá 7).
Isto é desconcertante. Querem dizer com isto que estavam a jejuar e a atormentar-se para encontrar a ‘revelação da Sua Face’, como está escrito: “Eles desejam a proximidade com Deus” (Isaías 58:2). No entanto, o texto diz-lhes, em nome do Criador: “Desejo que Me deixem, pois todo o vosso esforço é em vão e fútil, pois Eu não estou em nenhum lugar senão na Torá. Portanto, mantenham a Torá e procurem-Me lá; porque a luz nela contida vai reformá-los, e vocês vão encontrar-me” como está escrito: “Aqueles que Me procuram vão encontrar-Me.”
142) Agora podemos esclarecer um pouco a essência da sabedoria da Cabala, o suficiente para uma percepção fiável da qualidade dessa sabedoria. Assim, ninguém se vai enganar com falsas imaginações, como fazem as massas.
Deve saber que a Torá se divide em quatro discernimentos, que abrangem toda a realidade. São três os discernimentos que são identificados na realidade geral deste mundo. Eles são chamados de ‘mundo’, ‘ano’ e ‘alma’. O quarto discernimento é a conduta da existência destas três partes da realidade, o seu sustento, as suas leis e todos os seus acontecimentos.
143) Por conseguinte: 1) A parte externa da realidade, como o céu e os firmamentos, a terra e os mares, etc., que estão escritos na Torá, todos estes são designados como ‘mundo’. 2) A parte interna da realidade—o homem, os animais, as criaturas vivas e todas as espécies de aves, etc., que são mencionadas na Torá e que existem nos lugares acima referidos, designados como “parte externa”, são chamados de ‘alma’. 3) A evolução da realidade através das gerações é chamada de “causa e consequência”. Por exemplo, na evolução dos líderes das gerações, desde Adam HaRishon até Josué e Caleb, que chegaram à terra e são mencionados na Torá, o pai é considerado a “causa” do filho, que é o “resultado” dele. Esta evolução dos detalhes da realidade pela via da referida causa e consequência é chamada de ‘ano’. Todas as condutas da existência da realidade, externas e internas, em todos os seus acontecimentos e condutas mencionadas na Torá, são chamadas de “a existência da realidade”.
144) Saiba que, quando os quatro mundos denominados na sabedoria da Cabala como Atzilut, Beria, Yetzira e Assiya concatenaram e emergiram, surgiram uns a partir dos outros como uma chancela e a sua impressão. Isto significa que, tal como tudo o que está inscrito no chancela obrigatoriamente aparece naquilo que é impresso a partir dela, nem mais, nem menos, assim aconteceu na concatenação dos mundos. Assim, os quatro discernimentos, ‘mundo’, ‘ano’, ‘alma’, e os seus modos de existência, que estavam no mundo de Atzilut, surgiram, foram impressos e manifestaram-se na sua imagem também no mundo de Beria. O mesmo se aplica do mundo de Beria ao mundo de Yetzira, até ao mundo de Assiya.
Deste modo, todos os três discernimentos na realidade diante de nós, denominados ‘mundo’, ‘ano’, ‘alma’, com todos os seus modos de existência, que se apresentam perante os nossos olhos neste mundo, expandiram-se e apareceram aqui a partir do mundo de Yetzira, e em Yetzira a partir do mundo acima dele.
Desta forma, a origem dos inúmeros detalhes diante de nós encontra-se no mundo de Atzilut. Além disso, até mesmo as inovações que surgem neste mundo hoje, cada inovação deve primeiro aparecer acima, no mundo de Atzilut. A partir daí, desdobram-se e manifestam-se neste mundo.
Este é o significado do que os nossos sábios disseram: “Não há uma única folha de erva abaixo que não tenha uma sorte e um guardião acima que a incentive e lhe diga: ‘Cresce!’” (Bereshit Rabá, Capítulo 10). Isto também está implícito nas palavras: “Ninguém move um dedo abaixo sem que isso seja decretado acima” (Chulin, p. 7b).
145) Saiba que devido ao revestimento da Torá nos três discernimentos da realidade, ‘mundo’, ‘ano’ e ‘alma’, e a sua existência neste mundo material, produzem as proibições, a Tuma [impureza] e a falha que se encontram na Torá revelada. Foi explicado anteriormente que o Criador está revestido nela de acordo com o princípio de que “a Torá e o Criador são um”, mas numa grande ocultação, pois estes revestimentos materiais são as asas que O cobrem e escondem.
No entanto, o revestimento da Torá na forma pura de ‘mundo’, ‘ano’ e ‘alma’, e a sua existência nos três mundos superiores, denominados Atzilut, Beria, Yetzira, são geralmente denominados “a sabedoria da Cabala”.
146) Assim, a sabedoria da Cabala e a Torá revelada são uma e a mesma coisa. Contudo, enquanto a pessoa recebe da ‘Providência da ocultação da face’, e o Criador está oculto na Torá, considera-se que ela está a praticar a Torá revelada. Ou seja, a pessoa é incapaz de receber qualquer iluminação da Torá de Yetzira, muito menos de um nível superior a Yetzira.
E, quando a pessoa é agraciada com a ‘revelação da face’, começa a envolver-se com a sabedoria da Cabala, pois os revestimentos da Torá revelada purificaram-se para ele, e a sua Torá tornou-se a Torá de Yetzira, chamada “a sabedoria da Cabala”.
Mesmo para alguém que é agraciado com a Torá de Atzilut, isso não significa que as letras da Torá tenham mudado para ele. Pelo contrário, os mesmos revestimentos da Torá revelada purificaram-se para ele e tornaram-se revestimentos muito puros. Ficaram como mencionado no versículo: “O teu Mestre já não se esconderá, e os teus olhos verão o teu Mestre.” Nesse momento, eles tornam-se como “Ele, Sua vida e Seu Ser são um”.
147) Para tornar o assunto um pouco mais claro, darei um exemplo. Por exemplo: enquanto a pessoa se encontrava em ‘ocultação da face’, as letras e os revestimentos da Torá obviamente que ocultavam o Criador. Assim, essa pessoa falhou devido aos pecados e erros que cometeu. Nesse momento, foi colocada sob o castigo dos revestimentos grosseiros da Torá, que são a impureza, a proibição e o defeito.
No entanto, quando a pessoa é recompensada com a ‘Providência revelada’ e com o ‘arrependimento por amor’, quando os seus pecados se transformam em méritos, todos os pecados e erros nos quais falhou enquanto estava sob a ‘ocultação da face’ agora despojaram-se dos seus revestimentos grosseiros e amargos e revestiram-se com revestimentos de luz, Mitzva e méritos.
Isto porque esses mesmos revestimentos grosseiros, transformaram-se em méritos. Agora, eles são como revestimentos que emanam do mundo de Atzilut ou de Beria e já não cobrem nem ocultam o Professor. Pelo contrário, “os teus olhos verão o teu Professor.”
Assim, não há qualquer diferença entre a Torá de Atzilut e a Torá deste mundo, entre a sabedoria da Cabala e a Torá revelada. A única diferença reside na pessoa que estuda a Torá. Dois podem estudar a Torá, na mesma porção e as mesmas palavras da Torá, mas para um, essa Torá será como a sabedoria da Cabala e a Torá de Atzilut, enquanto para o outro será a Torá de Assiya, a revelada.
148) Agora pode compreender a verdade nas palavras do Vilna Gaon no livro de orações, na bênção da Torá. Ele escreveu que a Torá começa com Sod [segredo], referindo-se à Torá revelada de Assiya, que é considerada oculta, pois o Criador está completamente oculto nela.
Depois, passa-se ao Remez [insinuação], o que significa que Ele está mais revelado na Torá de Yetzira. Finalmente, alcança-se o Peshat [literal], que é a Torá de Atzilut. Chama-se Peshat [literal] porque está Mufshat [despojada] de todos os revestimentos que ocultam o Criador.
149) Tendo chegado até aqui, podemos oferecer uma ideia e uma visão sobre os quatro mundos, conhecidos na sabedoria da Cabala pelos nomes Atzilut, Beria, Yetzira, Assiya de Kedusha [santidade] e os quatro mundos ABYA das Klipot [casca, pele], organizados em oposição aos ABYA de Kedusha [santidade].
Compreenderá tudo isto a partir da explicação anterior dos quatro discernimentos de realização da Sua Providência e dos quatro níveis de amor. Primeiro, vamos explicar os quatro mundos ABYA de Kedusha, começando do fundo, pelo mundo de Assiya.
150) Já explicamos os dois primeiros discernimentos da ‘Providência da ocultação da face’. É importante saber que ambos são considerados o mundo de Assiya. Por isso está escrito no livro Árvore da Vida (Portão 48, Capítulo 3) que o mundo de Assiya é maioritariamente mau, e mesmo o pouco de bem que nele existe está misturado com o mal e é irreconhecível.
Interpretação: Do ponto de vista da ‘primeira ocultação’, conclui-se que é maioritariamente mau, ou seja, os tormentos e dores que aqueles que recebem essa Providência sentem. E do ponto de vista da ‘dupla ocultação’, o bem também está misturado com o mal, tornando-se completamente indistinguível.
O primeiro discernimento da ‘revelação da face’ é o discernimento do mundo de Yetzira. Por isso está escrito na Árvore da Vida (Portão 48, Capítulo 3) que o mundo de Yetzira é metade bom e metade mau. Isto significa que aquele que alcança o primeiro discernimento da ‘revelação da face’, que é a primeira forma de amor condicional, considerado como mero ‘arrependimento por temor’, é chamado de ‘intermédio’, e é metade culpado e metade inocente.
O segundo discernimento do amor também é condicional, mas não há qualquer vestígio de dano ou prejuízo entre os dois. Além disso, o terceiro discernimento do amor é o primeiro discernimento de amor incondicional. Ambos são considerados como o mundo de Beria.
Por isso está escrito na Árvore da Vida (Portão 48, Capítulo 3) que o mundo de Beria é maioritariamente bom e apenas uma pequena parte é má, sendo essa parte má indistinguível. Isto significa que, como o ‘intermédio’ é recompensado com uma única Mitzva, ele sentencia-se ao lado do mérito, sendo por isso considerado “maioritariamente bom”, representando o segundo discernimento do amor.
O pequeno mal indistinguível que existe em Beria provém do terceiro discernimento do amor, que é incondicional. Ainda assim, ele já se sentenciou a si próprio ao lado do mérito, mas ainda não sentenciou o mundo inteiro. Assim, uma pequena parte em si é má, pois este amor ainda não é considerado eterno. No entanto, esta parte é indistinguível porque ele ainda não sentiu qualquer dano ou prejuízo, mesmo em relação aos outros.
O quarto discernimento de amor, o amor incondicional, que também é eterno, é considerado o mundo de Atzilut. Isto explica o que está escrito na Árvore da Vida, que no mundo de Atzilut não existe qualquer mal, e ali, “o mal não habitará Contigo”.
Isto acontece porque, após alguém ter sentenciado o mundo inteiro ao lado do mérito, também o amor se torna eterno, completo, e nunca mais poderá haver ocultação ou cobertura pois esse é o lugar da revelação absoluta da face, conforme está escrito: “O teu Professor não Se ocultará mais, e os teus olhos verão o teu Professor.” Isto porque agora ele conhece todos os atos do Criador para com todas as pessoas, como a verdadeira Providência que emana do Seu nome, “O Bom que faz o bem aos bons e aos maus.”
151) Agora também pode compreender o discernimento dos quatro mundos ABYA da Klipa [Casca/Pele], que estão dispostos em oposição aos mundos ABYA de Kedusha, conforme está escrito: “Deus fez um oposto ao outro.” Isto porque a Merkava [carruagem/estrutura] das Klipot [Casca/Pele] de Assiya provém do discernimento da face oculta em ambos os níveis. Essa Merkava domina com o objetivo de levar o homem a sentenciar tudo para o lado do desmérito.
E o mundo de Yetzira das Klipot agarra o lado do desmérito, que não foi corrigido no mundo de Yetzira de Kedusha. Através disso, dominam o ‘intermédio’, que recebe do mundo de Yetzira, conforme “Deus fez um oposto ao outro.”
O mundo de Beria de Klipa [Casca/Pele] tem o mesmo poder para anular o amor condicional, ou seja, para anular apenas aquilo de que depende o amor, ou seja, a imperfeição no amor do segundo discernimento.
E o mundo de Atzilut da Klipa [Casca/Pele] captura em si essa pequena parte de mal cuja existência em Beria não é aparente, devido ao terceiro discernimento do amor. Mesmo sendo um amor verdadeiro, pelo poder do “Bom que faz o bem aos bons e aos maus”, considerado como Atzilut de Kedusha [Santidade], ainda assim, como ele não foi recompensado com sentenciar o mundo inteiro ao lado do mérito, a Klipa tem força para falhar no amor no que diz respeito à Providência sobre os outros.
152) Este é o significado do que está escrito na Árvore da Vida, que o mundo de Atzilut das Klipot se encontra em oposição ao mundo de Beria, mas não em oposição a Atzilut. Isto deve-se ao facto de que apenas o quarto discernimento do amor expande do mundo de Atzilut de Kedusha. Portanto, as Klipot não têm qualquer domínio ali, pois a pessoa que o alcançou já sentenciou o mundo inteiro ao lado do mérito e compreende todos os atos do Criador na Sua Providência sobre as pessoas, incluindo a Providência do Seu nome, “O Bom que faz o Bem aos bons e aos maus.”
No entanto, no mundo de Beria, de onde provém o terceiro discernimento, ainda não há uma sentença sobre o mundo inteiro. Portanto, ainda há uma sustentação para as Klipot. Contudo, essas Klipot são consideradas como o Atzilut das Klipot, pois estão em oposição ao terceiro discernimento, o amor incondicional, e este amor é considerado Atzilut.
153) Agora explicamos detalhadamente os quatro mundos ABYA de Kedusha e as Klipot [casca/pele], que são o “oposto” de cada mundo. Elas são consideradas a carência que existe no seu mundo correspondente em Kedusha e eles são designados como “os quatro mundos ABYA das Klipot.”
154) Estas palavras são suficientes para qualquer observador sentir a essência da sabedoria da Cabala, até certo ponto. Deve saber que a maioria dos autores de livros de Cabala destinou as suas obras apenas a leitores que já alcançaram a ‘revelação da face’ e todas as aquisições espirituais sublimes.
Não devemos perguntar: “Se já alcançaram essas aquisições, então sabem tudo através da sua própria realização; porque precisariam então de estudar livros de Cabala de outros autores?”
Todavia, não é sensato fazer essa pergunta. É como alguém que estuda a Torá literal, mas não tem conhecimento sobre os comportamentos deste mundo relativamente ao “‘mundo’, ‘ano’, ‘alma’” deste mundo, e não conhece o comportamento das pessoas entre si ou com os outros. Também desconhece os animais, as aves e as criaturas deste mundo. Poderia imaginar-se sequer que tal pessoa compreenderia corretamente um único tema da Torá? Essa pessoa faria uma inversão no assuntos da Torá, transformando o bem em mal e o mal em bem, sem encontrar orientação ou sentido em nada.
Assim é a questão diante de nós: Mesmo que a pessoa tenha alcançado a realização, mesmo ao nível da Torá de Atzilut, ela ainda não perceberá mais do que está relacionado com a sua própria alma. Contudo, é necessário conhecer os três discernimentos (“‘mundo’, ‘ano’, ‘alma’”) em todos os seus pormenores e manifestações, de forma consciente, para poder compreender os temas da Torá relacionados com esse mundo.
Estes temas estão explicados no Livro do Zohar e nos livros genuínos da Cabala com todos os seus detalhes e minúcias. Assim, todo o sábio e aquele que compreende com o seu próprio intelecto deve contemplá-los dia e noite.
155) Portanto, devemos perguntar: Por que, então, os cabalistas obrigaram cada pessoa a estudar a sabedoria da Cabala? De fato, há algo grandioso aqui, que deve ser divulgado: existe um remédio maravilhoso e inestimável para aqueles que se envolvem na sabedoria da Cabala. Embora não compreendam o que estão a aprender, através do anseio e do grande desejo de entender o que estão a estudar, despertam sobre si as luzes que envolvem as suas almas.
Isto significa que cada pessoa tem a garantia de finalmente alcançar, todas as realizações sublimes que o Criador concebeu no pensamento da criação, para deleitar cada criatura.” E aquele que não for recompensado nesta vida será recompensado na próxima, e assim sucessivamente, até que lhe seja permitido completar o pensamento que Ele planeou para si, como está escrito no Livro do Zohar.
E, enquanto a pessoa não alcança a perfeição, as luzes destinadas a alcançar a pessoa são consideradas luzes circundantes. Isto significa que estão preparadas para ela, mas aguardam que purifique os seus vasos de receção. Só então essas luzes vão revestir os vasos adequados.
Assim, mesmo quando não possui os vasos, ao envolver-se nesta sabedoria, mencionando os nomes das luzes e dos vasos relacionados com a sua alma, estes iluminam-no até certo ponto, imediatamente. No entanto, iluminam-no sem se revestirem no interior da sua alma, devido à ausência de vasos capazes de as receber. Ainda assim, a iluminação que se recebe, repetidamente, durante este envolvimento atrai sobre si graça do alto e concede-lhe uma abundância de santidade e pureza, aproximando-o significativamente da obtenção da sua plenitude.
156) Contudo, há uma condição rigorosa no envolvimento com esta sabedoria: evitar materializar os assuntos com questões imaginárias e corpóreas. Isto porque, ao fazê-lo, viola-se a Mitzva: “Não farás para ti nenhuma imagem esculpida nem figura.”
Nessa situação, a pessoa é prejudicada em vez de beneficiar. Por isso, os nossos sábios advertiram que se deve estudar esta sabedoria apenas após os quarenta anos ou com um mestre qualificado, entre outras recomendações semelhantes. Tudo isto é devido à razão acima mencionada.
Por este motivo, preparei os comentários Panim Meirot e Panim Masbirot sobre a Árvore da Vida para proteger os leitores de qualquer materialização. Contudo, após os primeiros quatro capítulos desses comentários terem sido impressos e distribuídos entre os estudantes, percebi que as minhas explicações não eram tão claras quanto eu pensava. Todo o esforço que fiz para explicar e detalhar os assuntos, de modo a torná-los compreensíveis, revelou-se quase completamente em vão.
Isto aconteceu porque os leitores não sentem a necessidade urgente de aprofundar o significado de cada palavra diante deles, nem de a repetir várias vezes até a memorizarem bem em todos os contextos onde ela aparece no livro. Ao esquecerem uma palavra, ficam confusos sobre os assuntos, pois a subtileza do tema faz com que a falta de interpretação de uma única palavra obscureça todo o entendimento.
Para corrigir isso, comecei a escrever uma “explicação das palavras” organizada alfabeticamente, abrangendo todos os termos que aparecem nos livros de Cabala e que requerem explicação. Por um lado, reuni os comentários do ARI e dos primeiros cabalistas sobre cada termo. Por outro lado, resumi a essência de todas essas interpretações e elaborei uma definição sólida que permita ao leitor compreender o termo em todos os contextos onde o encontre nos livros genuínos de Cabala, da primeira até à última. Este foi o trabalho que fiz com todas as palavras usadas na sabedoria da Cabala.
Já imprimi as palavras começadas pela letra Alef [A] e algumas pela letra Bet [B], mas apenas de um lado. Isso já soma cerca de mil páginas. Contudo, devido à falta de recursos financeiros, interrompi o trabalho logo no início e, há quase um ano que não consigo continuar esta obra importante. O Criador sabe se algum dia conseguirei retomá-la, pois as despesas são muitas e, no momento, não há apoio.
Por esta razão, optei por um caminho diferente, como se diz: “Mais vale um pássaro na mão…” Este é o livro Talmud Eser Sefirot [Estudo das Dez Sefirot], baseado nos ensinamentos do ARI. Nele, reuni dos livros do ARI, especialmente do Árvore da Vida, todos os principais ensaios sobre a explicação das dez Sefirot. Posicionei-os no topo de cada página e escrevi uma ampla explicação chamada Ohr Pnimi [Luz Interior], além de outra explicação chamada Histaklut Pnimit [Observação Interior]. Estas explicações abordam cada palavra e tema apresentado nas palavras do ARI no topo da página, da forma mais simples e clara possível.
Dividi o livro em dezasseis partes, para que cada parte seja uma lição específica sobre um tema particular das dez Sefirot. O Ohr Pnimi clarifica principalmente as palavras do ARI apresentadas nessa lição, enquanto o Histaklut Pnimit aborda o tema de forma geral. Além disso, organizei uma Tabela de Perguntas e uma Tabela de Respostas para todas as palavras e temas apresentados em cada parte.
Quando o leitor terminar uma parte, deverá testar-se para verificar se consegue responder corretamente a todas as perguntas da Tabela de Perguntas. Após responder, deverá consultar a resposta correspondente na Tabela de Respostas para verificar se respondeu corretamente. Mesmo que consiga responder bem de memória, deverá repetir as perguntas várias vezes até que as respostas estejam gravadas como se estivessem guardadas numa caixa. Assim, lembrará cada palavra quando precisar ou, pelo menos, saberá onde procurá-la. Desta forma, “a vontade de Deus terá sucesso através dele.”
A Ordem de Estudo
Comece por estudar o Panim [anterior/face], ou seja, as palavras do ARI impressas no topo das páginas, até ao final do livro. Mesmo que não compreenda, repita-as várias vezes, seguindo o princípio: “Primeiro aprende, depois compreende.” Em seguida, estude o comentário Ohr Pnimi e esforce-se para que consiga compreender o Panim (palavras do ARI) sem a ajuda do comentário. Depois disso, estude o comentário Histaklut Pnimit até compreender e memorizar tudo.
Após este processo, teste-se com a Tabela de Perguntas. Responda a uma pergunta e consulte a resposta correspondente. Repita este processo para cada pergunta; estude, memorize e repita várias vezes até recordar tudo como se estivesse guardado numa caixa. Isto porque, em cada palavra da terceira parte, é necessário recordar toda a primeira e segunda partes, sem perder nem o menor significado. O maior problema é que o leitor não vai sentir o que esqueceu. Pelo contrário, ou os assuntos se tornam confusos ou ele adota uma interpretação errada do assunto devido ao esquecimento. Naturalmente, um erro leva a dez outros, até que a pessoa perca completamente o entendimento e seja forçada a interromper os estudos.
O Autor
(1) Ver explicação no artigo PARDESS