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Capítulo 6.1 – Os Sete Dias da Criação


Está escrito: “No princípio, Deus criou o céu e a terra. A terra estava sem forma e vazia, e a escuridão cobriam a face do abismo; e o espírito de Deus pairava sobre a face das águas. E Deus disse: ‘Haja luz.’ E houve luz. E Deus viu que a luz era boa; e Deus separou a luz da escuridão. E Deus chamou à luz Dia, e à escuridão chamou Noite. E houve o entardecer e houve a manhã, um dia” (Génesis 1, 1-5).
Assim começa o livro do Génesis. Cada um de nós, ao ouvir estes versículos, sente-se tocado de alguma forma. Ao longo dos anos, fomos expostos a várias interpretações dos versículos da Torá no seu nível literal. Contudo, raramente nos satisfazemos com interpretações tão simplificadas, que deixam muitas questões em aberto. Queremos analisar a Torá de forma científica e lógica. De que trata realmente a Torá? E, mais importante: o que faz ela por nós?
Todas as Escrituras Sagradas falam de uma única coisa – o Mundo Superior e como ele foi criado. Não se limitam a revelar o que lá se encontra, mas ensinam a ver esse mundo. A revelação gradual do Mundo Superior é chamada de “realização espiritual” ou “os níveis da elevação espiritual”. Os livros falam-nos dos mundos espirituais em várias linguagens.
A sabedoria da Cabala é uma ciência que ensina a estrutura do Mundo Superior. Para esse fim, utiliza a linguagem das Sefirot, Partzufim, desenhos e esquemas. A Torá descreve-nos o Mundo Superior numa linguagem comum.
Para além da Cabala, há também a linguagem das lendas e a linguagem das Mitzvot (mandamentos, preceitos). Tentemos traduzir a linguagem da Torá para a linguagem da sabedoria da Cabala.
A Torá descreve-nos como o Mundo Superior foi criado, a sua estrutura, o plano do seu desenvolvimento, e depois retrata o processo da criação do homem. Contudo, a Torá não se refere a ninguém no nosso mundo corpóreo. Refere-se, antes, à criação do desejo de receber, chamada “alma” ou “Homem” (Adão), para preencher esse desejo, essa Criação, com prazer total, eterno e completo.
O desejo de receber prazer é a única Criação. Para além disso, existe apenas o Criador. Assim, tudo o que existe além do Criador não é mais do que vários níveis do desejo de receber prazer. Essa é também a situação no nosso mundo: a diferença entre todas as criaturas e objetos reside apenas nos diferentes níveis do seu desejo de receber prazer, e é isso que determina as propriedades de cada criatura.
O desejo de receber é dividido em cinco subníveis, designados como:

  1. A ponta da letra Yod (·), que corresponde à Sefira de Keter.
  2. A letra Yod (י), que corresponde à Sefira de Hochma.
  3. A letra Hey (ה), que corresponde à Sefira de Bina.
  4. A letra Vav (ו), que corresponde à Sefira de Tiferet.
  5. A letra Hey (ה), que corresponde à Sefira de Malchut.

Juntas, estas letras formam a palavra Yod (·), Yod (י), Hey (ה), Vav (ו), Hey (ה), que é também o nome do Criador, pois a Criação sente o Criador dentro de si e nomeia-O em conformidade. As cinco partes do desejo são chamadas Sefirot, e os seus nomes são Keter, Hochma, Bina, Tiferet e Malchut.
O Criador deseja preencher a Criação com prazer até ao limite, com a plena sensação de perfeição e eternidade, porque esse é o estado de ser do Criador. Ele é Perfeito e Único, e, devido à Sua Perfeição, deseja transmitir o Seu Estado, ou seja, a Sua Perfeição, à Criação. Assim, o propósito da Criação é a obtenção da Perfeição do Criador e a capacidade de receber o que Ele deseja conceder.
Os sete dias da Criação são sentidos pela humanidade como 7.000 anos. Os primeiros seis representam os primeiros seis dias da semana, durante os quais a humanidade se corrige inicialmente de forma inconsciente e, finalmente, de forma consciente, através de grandes esforços. No final, atinge o sétimo milénio, ou o sétimo dia, o Shabbat, um estado em que a Luz do Criador preenche as propriedades corrigidas com abundância e deleite.
O número sete tem um significado especial na Cabala. O sistema que gere o nosso mundo é composto por sete partes. Por isso, as coisas no nosso mundo são divididas por sete ou setenta: os sete dias da semana, as setenta nações do mundo, a alma do homem, que também é composta por setenta partes, e a duração da vida humana, que é aproximadamente de setenta anos.
Todo o caminho da humanidade consiste em seis dias, representando os 6.000 anos de correção. Entramos agora no ano 5766 do calendário judaico (na data em que este livro foi escrito). A correção consciente do mundo começou no ano 5755 (1995), há não muitos anos. Nos anos que restam até ao fim dos 6.000 anos, os judeus e toda a humanidade devem completar a correção, e no sétimo milénio receberemos a recompensa.
Ao ler estas linhas, deve perguntar-se se há uma forma de encurtar o nosso caminho até ao propósito da Criação. Pois bem, não só podemos, como devemos intervir no processo que estava destinado a durar 7.000 anos e acelerá-lo. Aqueles que conseguirem alcançar este processo individualmente vão alcançar o Mundo Superior e a sensação da realidade completa e sublime antes dos outros.
Mas mesmo durante o processo de correção, se o atravessarmos conscientemente, através dos nossos próprios esforços, vamos senti-lo como um processo criativo, como um desejo romântico, e não como um sofrimento ou tormento perpétuo.


O Primeiro Dia da Criação
“E Deus viu que a luz era boa; e Deus separou a luz das escuridão” (Génesis 1, 4). No processo da Criação, devemos entrar em equivalência aos atos do Criador. Assim, o nosso primeiro ato deve ser separar os nossos pensamentos entre o bom (céu) e o mau (terra). Este processo é chamado “O reconhecimento do mal”, ou seja, a compreensão do que é o mal.
Começamos a analisar quais das nossas propriedades pertencem à espiritualidade e quais à corporeidade, utilizando livros de Cabala e o ambiente de um grupo de cabalistas. A separação dessas propriedades constitui o primeiro passo para a correção. Este é o primeiro dia da Criação do homem dentro de si próprio.


O Segundo Dia da Criação
Após separar as propriedades egoístas das altruístas dentro de nós, devemos iniciar o trabalho de corrigir o nosso egoísmo. Isso é feito através de uma Luz especial do Criador. Existem dois tipos de Luz que emanam do Criador: a Luz da Sabedoria e a Luz da Misericórdia. Quando usamos a propriedade da Luz da Sabedoria (terra), a propriedade egoísta da receção, absorvemos tudo dentro de nós. Afinal, essa é a nossa natureza.
Contudo, na propriedade da Luz da Misericórdia, chamada “água”, adquirimos o atributo da doação. A água (doação) permeia a terra e gera nela a capacidade de cultivar vida. A propriedade da doação corrige o egoísmo e permite-nos usá-lo corretamente para o nosso bem e o dos outros. Através do egoísmo corrigido, começamos a sentir o Mundo Superior e o Criador. Também vemos as nossas vidas anteriores e os nossos caminhos rumo ao propósito da Criação.
Apenas uma alma eterna, que passa de corpo em corpo, nos permite ver as nossas vidas passadas. Se não corrigirmos as nossas almas, não podemos ver nada além dos limites do nosso mundo.


O Terceiro Dia da Criação
A água reúne-se sobre os céus e a terra é revelada. Uma parte da terra aparece sob a água. Após a correção realizada através da água, a terra torna-se apta para a evolução da vida nela. Combina as propriedades da água e da terra.
A vida não pode existir quando há apenas água, assim como não pode existir numa terra completamente seca. A correção da alma e o uso das propriedades do Criador e da criatura dentro de nós são construídos através da combinação correta entre as propriedades altruístas e egoístas do “céu” (o atributo da doação) e da “terra” (o atributo da receção).
Essa correção é chamada “a linha do meio”. A nossa natureza egoísta primária é chamada a “linha da terra” ou a “linha da esquerda”. A “linha da direita” designa a propriedade do Criador, a água, o altruísmo e o atributo da doação. A linha do meio é o que devemos criar para “escolher a vida”.
Isso significa que devemos usar a quantidade exata de água e regar a terra de modo que as duas linhas se complementem e criem algo novo. A combinação dessas duas propriedades vai produzir a “Árvore da Vida”. Um indivíduo espiritual sente toda a Criação e vive em todos os mundos simultaneamente, de forma eterna e feliz. Essa pessoa identifica-se com a sua alma eterna, não com um corpo transitório, considerando o “eu” como a alma, e o corpo como uma mera “vestimenta”.
Essa transição de identificação com o corpo para identificação com a alma é um processo totalmente psicológico e ocorre na medida em que se adquire a propriedade de Bina.


O Quarto Dia da Criação
No quarto dia apareceram os planetas: a terra, o sol e a lua. Assim, foram criados os ciclos de correção – os dias, meses e anos. A correção ocorre tanto na Criação coletiva como em cada partícula específica. A própria Criação é chamada “alma” ou “Adão”, e as suas partículas específicas são chamadas almas individuais, ou pessoas. Cada alma individual passa pelas mesmas fases de correção que a alma coletiva experiencia.


O Quinto Dia da Criação
“E Deus disse: ‘Que as águas fervilhem com enxames de criaturas vivas, e que as aves voem acima da terra no firmamento aberto do céu.’ E Deus criou os grandes monstros marinhos, e toda criatura viva que rasteja, com que as águas fervilharam, segundo a sua espécie, e toda a caça alada segundo a sua espécie; e Deus viu que era bom” (Génesis 1, 20-21).
Quando o atributo da doação – água – se junta ao atributo da receção – terra –, confere ao atributo da receção várias formas de receção. Essas diferentes formas são as partes da Criação que foram feitas no quinto dia.


O Sexto Dia da Criação
“E Deus disse: ‘Façamos o homem à nossa imagem, segundo a nossa semelhança; e que eles dominem sobre os peixes do mar, e sobre as aves do céu, e sobre o gado, e sobre toda a terra’” (Génesis 1, 26).
O que significa criar “o homem à nossa imagem, segundo a nossa semelhança”? É dito na Torá (Génesis 1, 27): “Criou-o à imagem de Deus”. Imagem (Tzelem) é uma parte de Bina que desce dela para a alma e lhe confere as propriedades do Criador.
Ou seja, o Partzuf Bina é o mecanismo de providência responsável por todas as almas que precisam de correção. Para corrigir Malchut, Bina produz um mecanismo especial que permeia Malchut e permite realizar a correção. Esse dispositivo auxiliar que cada alma em Malchut recebe do Alto é chamado “imagem”. A imagem é, de facto, o conjunto das propriedades do Criador.
Sem o conhecimento do plano da criação, sem se sentir como parte da criação, ou seja, sem a capacidade de sentir os mundos espirituais, não sabemos como agir ou para onde nos virar. Nem sequer entendemos o que devemos fazer.
Para ter esses atributos, necessários ao progresso espiritual, Bina, o nível espiritual mais elevado, deve demonstrar o que devemos fazer e como. Essa é a missão da imagem, o mecanismo auxiliar de Bina. Este mecanismo reveste a nossa alma e realiza todas as correções necessárias. Por isso, diz-se que através desta imagem o homem é criado dentro de nós.


O Sétimo Dia da Criação
“E o céu e a terra foram concluídos, e todo o seu exército. E no sétimo dia Deus terminou a Sua obra que Ele tinha feito” (Génesis 2, 1-2). O nosso trabalho gira à volta da aquisição da característica de Bina. Corrigimo-nos através dessas propriedades e assim ascendemos mais alto. Adão realizou essas correções seis vezes dentro de si. Essas correções são chamadas: Chesed, Gevura, Tiferet, Netzach, Hod e Yesod. Essas correções graduais são referidas como os seis dias ou os 6.000 anos da Criação. Malchut, a última Sefira, é incapaz de se corrigir a si própria.
Contudo, uma vez que recebe as propriedades das seis Sefirot superiores, pode adotar os seus atributos. Assim, a essência do sétimo dia é que tudo o que foi acumulado durante os seis dias anteriores entra em Malchut. O Shabat é um dia especial porque nesse dia as almas preenchem-se com a Luz Superior. A única condição é que devemos “manter-nos fora do caminho” nesse processo. Isso é expresso simbolicamente nas regras do Shabat.