Capítulo 3.6 - A Tzimtzum Alef [Primeira Restrição], Masach [Tela], Partzuf
Quando a Luz de Hochma preenche o desejo de receber na primeira fase, também lhe confere a sua natureza – a de doação. Por isso, no final, após sentir a natureza da Luz que a preenche, a primeira fase transforma o seu desejo de recepção em desejo de doação.
A Luz actua da mesma forma na Behina Dalet [Quarta fase], uma vez que esta sai da terceira fase após se ter preenchido com a Luz de Hochma. Então, também ela começa a querer dar, conforme a natureza da Luz que a habita. Como resultado, o desejo de receber desaparece da Behina Dalet [Quarta fase].
A Luz confere ao Kli [vaso] o desejo de doar quando o preenche, pois o Kli [vaso] sente não apenas o prazer proveniente da Luz, mas também o desejo do doador. O Criador poderia ter criado um Kli [vaso] que não O sentisse como doador, mas apenas o prazer na recepção. É assim que sentem, no nosso mundo, aqueles com um desejo de receber pouco desenvolvido, as crianças, bem como indivíduos insensíveis ou mentalmente instáveis.
Quando crescemos de crianças a adultos, tornamo-nos envergonhados ao receber. Essa sensação é tão desenvolvida em nós que preferiríamos qualquer dor no mundo à dor da vergonha. Este atributo foi criado pelo Criador para que possamos usá-lo para transcender a nossa natureza, que é o desejo de receber.
Para sentir vergonha de receber, devemos sentir que estamos a receber. Isso só é possível se houver um doador e sentirmos a sua existência. Se não sentir o Anfitrião, não terei vergonha. Mas se Ele estiver diante de mim, então sentirei vergonha. Não posso receber diretamente, pois tenho de me relacionar com Ele, oferecer-Lhe algo em troca pelo que recebo, o que transforma a recepção numa troca, em vez de mera recepção. Assim, também eu me torno um doador, pois Ele também recebe de mim.
A sensação do Criador desperta em Malchut uma dor tão intensa ao receber que ela decide nunca mais usar o seu desejo de receber prazer para seu próprio benefício. Esta decisão é chamada "Tzimtzum [Restrição]". O nome "Tzimtzum Alef [Primeira Restrição]" indica que é a primeira vez que algo assim ocorre.
A Progressão da Luz que Conduz à Tzimtzum [Restrição]
Ao não receber a Luz, Malchut deixa de ser a receptora, mas ainda não dá nada ao Criador; ainda não alcança o seu desejo de ser como a Luz, o doador do prazer. Ao não receber prazer do Criador, Malchut não alcança a equivalência de forma. Assim, vemos que a Tzimtzum Alef [Primeira Restrição] não é um fim, mas um meio para adquirir a capacidade de doar.
O propósito do Criador na Criação foi que Malchut, a criatura, recebesse prazer. Esse Pensamento da Criação é imutável. Por isso, o Criador continua a pressionar Malchut para que receba. Malchut sente que a Tzimtzum [Restrição] não é suficiente para alcançar o estatuto de Doador, mas como pode a criatura, cujo único atributo é o de recepção, dar algo ao Criador?
Ao sentir os seus nove atributos superiores (os atributos do Criador que Malchut sente dentro de si), que constituem a forma como o Criador se relaciona com Malchut, ela começa a compreender como pode retribuir ao Criador. Decide que, se receber a Luz e desfrutar dela porque o Criador se alegra com o seu deleite, então essa recepção será equivalente a uma doação.
A recepção de prazer pelo receptor para agradar ao doador transforma um acto de recepção num acto de doação. Se Malchut receber toda a Luz (prazer) que o Criador preparou para ela, então dará ao Criador tanto quanto Ele lhe está a dar.
Por exemplo: há um convidado e um anfitrião. O anfitrião oferece ao seu convidado iguarias que este gostaria de saborear. (O desejo está em perfeita harmonia com a Luz, tanto em quantidade como em qualidade, porque a Luz (prazer) criou o Kli [Vaso] (desejo) dessa forma). Mas, embora o convidado esteja muito faminto, a presença do anfitrião faz com que sinta vergonha, o que o impede de comer. A vergonha provém do facto dele se sentir como receptor e o anfitrião como doador. A vergonha é tão forte que ele não consegue comer.
Mas as súplicas constantes do anfitrião, que preparou tudo para ele, finalmente convencem-no de que o anfitrião ficará feliz se ele comer. Então, o convidado pensa que, se agora, após ter rejeitado o prazer várias vezes, aceitar comer, isso será considerado um favor ao anfitrião. Desta forma, ele torna-se o doador, e o anfitrião, o receptor.
A fome e o desejo de receber deleite e prazer são referidos na Cabala como um "Kli [vaso]". O prazer que emana do Criador é chamado Ohr Yashar [Luz Direta], e o poder de rejeitá-lo é chamado "Masach [Tela]". A Luz que é rejeitada pelo Masach [Tela] é então referida como Ohr Hozer [Luz Reflectida]. Com o poder do Masach [Tela], ou seja, a força para rejeitar o deleite para seu próprio benefício e receber prazer apenas para o Criador, o Kli [vaso] pode enfrentar o seu próprio desejo de receber. Pode-se entender que o Kli [vaso] rejeita a Luz, mas seria mais exacto dizer que o Kli [vaso] rejeita o uso do desejo para se agradar a si próprio.
O Masach [Tela] que Rejeita a Luz
O Kli [vaso] não pode devolver Luz ao Criador, mas apenas mudar a intenção. A intenção de deleitar o Criador, o que chamamos de "Ohr Hozer [Luz Reflectida]", é apenas um sinónimo de prazer. A Ohr Yashar [Luz Direta] é equivalente ao prazer que o Criador deseja conceder à criatura. A Ohr Hozer [Luz Reflectida] é o prazer que a criatura deseja dar ao Criador.
Assim que o Kli [vaso] (convidado) está certo de que não receberá para si próprio, examina a magnitude da Luz que devolve (quanto prazer deseja dar ao Criador). Decide então receber da abundância diante de si, ou seja, da Ohr Yashar [Luz Direta], que contém as iguarias e prazeres que o Anfitrião preparou para o convidado. Contudo, só receberá o quanto o convidado possa comer para agradar (deleitar) o Criador, ou seja, o Anfitrião.
Os cabalistas são pessoas que sentem a Luz que vem do Criador e cada ação que Ele realiza, mas quando escrevem sobre espiritualidade, expressam os seus sentimentos em termos técnicos. Portanto, se o leitor tiver o Masach [Tela] e a força descritos nos livros, poderá traduzir as palavras em sentimentos, repetindo as mesmas ações descritas nos seus textos.
A Luz provém diretamente do Criador, daí o nome "Ohr Yashar [Luz Direta]", e deseja revestir o Kli [vaso], mas colide com o Masach [Tela]. Quando o Masach [Tela] rejeita a Luz, recusando recebê-la para si próprio, o Kli [vaso] reafirma a limitação da Tzimzum Alef [Primeira Restrição], que é não receber para si. Uma vez que o Kli [vaso] está certo de que não receberá para si próprio, calcula quanto pode receber para doar (deleitar o Criador). Sentir a Luz e calcular quanto dela receber é feito antes de a receber efetivamente. A parte que decide e planeia isso é chamada Rosh [Cabeça], e o local onde o Masach [Tela] está situado é chamado Peh [boca].
Após a decisão ser tomada no Rosh [Cabeça], o Kli [vaso] recebe a Luz na parte chamada Toch [interior]. Esta é a parte do Kli [vaso] onde a recepção é efetivamente realizada (a sensação do prazer dentro do desejo de receber). A Luz de Hochma (o prazer) é então recebida com a intenção de deleitar o Criador. Essa intenção é chamada Ohr Hassadim [Luz da Misericórdia].
Em termos cabalísticos, dir-se-ia assim: a Our Yashar [Luz Direta] reveste a Our Hozer [Luz Reflectida], e a Luz de Hochma reveste a Luz de Hassadim [Misericórdia].
O Kli [Vaso] só pode receber uma pequena porção da Luz que provém do Criador, pois o Masach [Tela] não possui força suficiente para receber toda a Luz. Por isso, há uma parte do Kli [vaso] preenchida com prazer e uma parte que permanece vazia. A parte que permanece vazia é chamada Sof [Fim]. Vemos agora que a criatura é composta por três partes: Rosh [Cabeça], Toch [Interior] e Sof [Fim]. Juntas, elas formam o que chamamos de Partzuf. O Guf [Corpo] do Partzuf (todos os seus desejos) divide-se em Toch [Interior], que recebe a Luz, e Sof [Fim], que permanece vazio.
A fronteira dentro do Guf [Corpo] do Partzuf, onde a Luz se detém, é chamada Tabur [Umbigo]. A Luz que é recebida dentro do Partzuf é chamada "Ohr Pnimi [Luz Interior]".
A parte que permanece fora do Partzuf é chamada "Ohr Makif [Luz Circundante]".
A Ohr Yashar [Luz Direta] é dividida pelo Masach [Tela] em Ohr Pnimi [Luz Interior] e Ohr Makif [Luz Circundante].
Malchut consiste em cinco fases. O Masach [Tela] decide quanto receber em cada fase. Cada fase é então dividida numa parte que recebe e numa parte que não recebe, razão pela qual há cinco fases no Toch [Interior] e cinco no Sof [Fim].
Sumário: Quando a Luz corrige o Kli [vaso], dá-lhe o desejo do Criador. É disso que realmente precisamos: que a Luz venha (a mesma Ohr Makif [Luz Circundante] que despertamos durante o estudo, se desejarmos alcançar o propósito da Criação) e nos corrija para que queiramos imitar o Criador em tudo o que fazemos, ou seja, doar. Essa é a singularidade da Cabala e a sua importância. O estudo desperta a Ohr Makif [Luz Circundante] que corrige o homem.