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Capítulo 3.4 – As Fundações

Está escrito no Livro do Zohar que todos os mundos, tanto os Superiores como os inferiores, se encontram dentro do homem. Toda a nossa realidade foi criada apenas para nós. No entanto, embora sintamos que estamos dentro da realidade, não sentimos que a realidade está dentro de nós. Por que será que este mundo não nos basta? Precisamos dos outros mundos, os Superiores, e do que eles contêm?
Para entender isto, seria necessário aprender toda a sabedoria da Cabala. A razão pela qual esta realidade foi criada, foi o Desejo do Criador de beneficiar as Suas criaturas. Assim, o Criador fez as Suas criaturas com o desejo de receber aquilo que o Criador queria dar – e esse desejo é a natureza da criatura.
O Criador está Acima e transcende o espaço e o tempo. O Seu Pensamento funciona como um ato em si próprio. Portanto, quando chegou à Sua Vontade e Pensamento criar criaturas e preenchê-las com deleite, aconteceu que, instantaneamente, todos os mundos foram criados. Estes foram preenchidos com todas as criaturas, e todos estavam preenchidos com os deleites que receberam do Criador.
Se assim é, então por que o Criador também criou a partir da Sua Essência todos os mundos até este mundo, e fez a criatura descer ao nosso nível inferior? O Ari (Rabino Yitzchak Luria) responde a esta pergunta no seu livro, Etz Chaim (A Árvore da Vida): "Para revelar a perfeição das Suas ações."
No entanto, a criação dos mundos e a descida das criaturas revelam, em vez disso, a imperfeição das Obras do Criador! Mas a resposta é: isto foi feito para que as criaturas se aperfeiçoassem, para que chegassem ao nível do Criador por si próprias, que é a única perfeição.
Assim, o Criador criou a escada dos mundos. Através desta escada, as almas descem até ao degrau mais baixo, no qual se revestem em corpos (no desejo de receber) deste mundo. Através do estudo da Cabala, as almas começam a ascender por essa escada até que todas voltem ao Criador.
A Alma consiste de Luz e vaso. A Luz da alma vem do Criador, da Sua Essência. O vaso da alma, ou seja, o desejo de receber Luz e beneficiar Dele, é criado através dessa Luz. Portanto, o vaso é um encaixe perfeito para a Luz que vem para o preencher. A essência da alma é o vaso, porque a Luz é uma porção do Criador.
Consequentemente, apenas o vaso é considerado uma criatura. Ele é criado a partir do nada; ou seja, essa desejo não existia antes de o Criador decidir criá-lo.
Visto que o Criador queria beneficiar o Seu vaso de forma completa, como é adequado a Ele, Ele criou este vaso extremamente grande (ou seja, este desejo de receber), de acordo com a grandeza da Luz (deleite) que Ele queria dar.
Esta Criação é uma inovação que nunca existiu antes. Chama-se "Existência a partir da ausência". No entanto, se o Criador é completo, como pode haver algo que não esteja incluído Nele? De acordo com o que já dissemos, é claro que aquilo que não estava no Criador antes da Criação é o desejo de receber.
O Criador não pode ter o desejo de receber porque Ele é completo. Mas se Ele é completo, não deveria Ele também ter o desejo de receber? A resposta é não. Se Ele tivesse o desejo de receber, isso significaria que Ele queria algo que não tinha, o que indicaria que lhe faltava algo.
É impossível dizer que, porque Ele é completo, e por isso não Lhe falta nada. Que o que Ele precisou de criar foi apenas o desejo de receber Dele, porque Ele quer dar. Consequentemente, Ele criou apenas o desejo de receber, pois tudo o resto já está presente no Criador.
A conexão no reino espiritual ocorre como resultado da equivalência de características (desejos ou vontades). A separação no reino espiritual ocorre como resultado de uma diferença nas características (desejos ou vontades). Se duas entidades espirituais têm uma forma, têm os mesmos desejos (ou vontades), o mesmo objetivo, então elas estão unidas e são uma, não duas. A razão para isso é que no reino espiritual não existem corpos. O mundo espiritual é um mundo de forças e desejos "puros" que não estão revestidos em qualquer tipo de substância. Mas o "desejo de receber para si próprio " é chamado de "substância" e "corpo".
Portanto, se todos os desejos de duas entidades espirituais são iguais, então as entidades são uma. Elas são uma porque não há nada que as separe uma da outra. É possível distinguir que há duas, e não apenas uma, se houver disparidade de forma.
Elas estão separadas uma da outra na medida em que há disparidade de forma entre elas. Se tudo numa é igual à outra, então elas são uma. Se tudo numa é oposto à outra, então estão tão distantes uma da outra quanto o leste está do oeste. Se entre todos os desejos que elas têm, há apenas um em comum, então elas tocam-se através desse desejo comum. Se os seus desejos se assemelham mais ou menos, então, de acordo com a equivalência ou disparidade de forma, estão mais próximas ou mais distantes.
Não temos concepção do Criador em Si próprio. Portanto, não podemos dizer sequer uma palavra sobre Ele. Mas as ações que experienciamos Dele permitem-nos compreendê-Lo e nomeá-Lo.
Aprendemos da sabedoria dos Cabalistas que o Criador tem apenas um desejo: o de doação. (Um Cabalista é um ‘Mekubal’ em hebraico, derivado da palavra "receber", pois recebe do Criador). Ele criou tudo para nos doar o Seu Bem. Por isso, criou-nos com o desejo de receber aquilo que Ele quer dar. Este desejo de receber constitui toda a nossa natureza.
No entanto, isto leva-nos a estar numa forma oposta à do Criador. A razão é que Ele é total e exclusivamente voltado para a doação, sem qualquer desejo de receber. Nós, por outro lado, somos feitos exclusivamente do desejo de receber para nós próprios, pois assim fomos criados por Ele. Mas, se permanecermos apenas com este desejo de receber para nós próprios, ficaríamos para sempre distantes do Criador.
As pessoas que vivem neste mundo e também experienciam a realidade dos Mundos Espirituais Superiores são chamadas de Cabalistas. Temos a oportunidade de ouvir sobre o Criador através deles, pois partilham connosco aquilo que ainda não experienciamos. E os Cabalistas dizem-nos que o Criador é o Bem Absoluto e que criou tudo para nos conceder o bem. Dizem-nos também que o Criador é perfeito e completo e, portanto, as Suas Obras são igualmente perfeitas e completas.
Mas como é possível que de um Autor perfeito e completo surja, inicialmente, uma obra imperfeita e incompleta? Como é que as Suas obras necessitam ainda de ser corrigidas? A Criação é apenas o desejo de receber e, sob esse aspeto, é imperfeita e incompleta, pois este desejo é oposto ao do Emanador. Assim, estes desejos encontram-se num estado de separação. No entanto, é precisamente o desejo de receber que possibilita à criatura cumprir o desejo do Criador, recebendo tudo o que Ele deseja dar.
Contudo, quando o Criador dá e a criatura recebe, eles encontram-se separados, pois a forma das suas ações é divergente. Se a criatura permanecesse apenas como recetora, não seria perfeita e completa. Consequentemente, também o Criador não poderia ser chamado de "perfeito e completo", pois de um Autor perfeito e completo só podem advir obras igualmente perfeitas e completas.
Por isso, o Criador restringiu a Sua Luz e criou este mundo restrição após restrição, até que finalmente emergisse este mundo, o mais escuro de todos. Neste mundo, a criatura possui apenas o desejo de receber para si própria. Assim, a Luz presente nele é tão diminuta que a Fonte da vida nem sequer é percebida.
No entanto, através do correto uso da "Torá e das Mitzvot" (isto será explicado mais adiante), podemos alcançar a completude e a perfeição que nos faltam desde o momento da Criação.
O que é esta completude e perfeição? É a obtenção da equivalência de forma com o Criador, ou seja, que a criatura também faça doação, tal como o Criador. E então, a criatura torna-se digna de receber todo o bem e deleite incluído no Pensamento da Criação. Nesse momento, tanto a criatura como o Criador encontram-se num estado de adesão, em equivalência de forma, possuindo desejos e pensamentos idênticos.
Existe uma Segula (propriedade especial, remédio) na prática correta da "Torá e das Mitzvot": a pessoa recebe uma força espiritual que conduz à equivalência de desejos com o Criador. No entanto, este poder só se revela àquele que pratica a "Torá e as Mitzvot" não para receber uma recompensa pessoal, mas para proporcionar contentamento ao Criador.
Há cinco níveis na equivalência de forma com o Criador: Nefesh, Ruach, Neshama, Haya, Yechida (NRNHY). Estes cinco níveis são adquiridos a partir dos cinco mundos – Adam Kadmon, Atzilut, Beria, Yetzira e Assiya. Cada nível contém, por sua vez, cinco subníveis internos. No total, existem 125 níveis desde este mundo até ao topo da escada espiritual.
Através da prática da Torá e das Mitzvot com a intenção de trazer contentamento ao Criador, a pessoa lentamente merece e adquire (nível após nível) os vasos do desejo de doação. Assim, eleva-se através desses níveis, um a um, até alcançar a total equivalência de forma. Deste modo, cumpre-se o Pensamento da Criação no homem, que recebe todo o deleite e perfeição que o Criador preparou para ele. E o maior benefício do homem é que alcança a verdadeira adesão ao adquirir o desejo de doação, tal como o Criador.
Está escrito: "Todos os mundos, Superiores e inferiores, e tudo o que neles existe, não foram criados senão para o homem." Todos estes níveis e mundos servem apenas para completar o desejo do homem, ajudando-o a adquirir a equivalência de forma com o Criador, a qual lhe falta pela natureza da Criação.
No princípio, os sucessivos mundos e níveis passaram por um processo progressivo de restrições e desenvolvimentos, até chegar ao nosso mundo material, onde se encontra um corpo feito apenas de desejo de receber e sem qualquer desejo de doação. Neste nível, o homem é comparável a um animal ou a uma besta, possuindo um desejo completo de receber, mas desprovido de qualquer atributo de doação. Neste estado, o homem encontra-se na maior separação possível do Criador, pois entre eles não há maior oposição.
Quando estudamos a Cabala, atraímos a Luz Circundante para que brilhe sobre nós ao longe. Esta Luz encontra-se fora dos nossos vasos (o nosso desejo) e aguarda até que corrijamos os nossos vasos e os moldemos numa forma de doação ao Criador; então, a Luz penetra neles. Por isso, esta Luz Circundante é chamada de Luz de Neshama. Quando estudamos a Cabala, esta Luz reveste-se no nosso desejo e ajuda-nos a alcançar a forma de doação.
O homem apenas adquire este desejo de doar gradualmente, de baixo para cima, seguindo o mesmo caminho pelo qual os níveis desceram durante o processo de desenvolvimento de Cima para baixo. Todos os níveis são medidas do desejo de doação. Quanto mais elevado for o nível, mais afastado estará do desejo de receber e mais próximo do desejo de doação.
A pessoa adquire gradualmente todos os níveis até alcançar o estado em que merece tornar-se "inteiramente para a doação", sem receber nada para o seu próprio prazer. Neste ponto, a pessoa alcança a completude e a verdadeira adesão. Este é o propósito da Criação e a única razão pela qual o homem foi criado.
Uma vez que compreendemos tudo isto, podemos estudar a sabedoria da Cabala sem qualquer receio de antropomorfismo. Pois o estudo da Cabala sem uma orientação adequada pode confundir o estudante. Por um lado, todas as Sefirot e Partzufim (objetos espirituais) desde o mundo de Atzilut até ao mundo de Assiya são divindade completa e encontram-se unidas ao Criador.
Mas como é possível que isto seja divindade, se todos os mundos são inovações, surgindo após a Restrição, contendo mudanças de diversos tipos, números, acima, abaixo, ascensos, descidas, uniões?
A partir do que foi dito acima, torna-se claro que todas estas mudanças — ascensos, descidas, restrições e números — são percecionadas a partir da perspetiva das almas que as recebem.
A realidade pode ser dividida em dois aspetos: potencial e atual. É semelhante a um homem que constrói uma casa. No seu pensamento, a casa já existe. No entanto, a "substância" dessa casa no pensamento não pode ser comparada à "substância" da casa quando construída de facto. Pois, em teoria, a casa é composta por uma substância de pensamento e é uma casa potencial. Mas, quando a casa começa a materializar-se, passa a assumir uma substância diferente — a de madeira e pedra.
Assim, também nas almas se pode distinguir entre potencial e atual: a emanação das almas pelo Criador começa, de facto, apenas no mundo de Beria. Todas as mudanças que ocorrem antes do mundo de Beria são consideradas potenciais, sem qualquer distinção tangível em relação ao Criador.
Diz-se que todas as almas já estão incluídas em Malchut de Ein Sof (Infinito), no ponto médio de toda a existência. Isto porque este ponto, no estado de potencial, inclui os vasos das almas, que vão emergir "de facto" a partir do mundo de Beria e abaixo. A Primeira Restrição ocorreu apenas no ponto médio e apenas no aspeto de "potencial", no que se refere às futuras almas.
Todos os vasos e mundos, desde a Primeira Restrição até ao mundo de Beria, emergiram e desenvolveram-se a partir do ponto médio, mas são apenas "mundos potenciais" no que diz respeito às almas. Somente quando as almas começam a emergir de fato, a partir do mundo de Beria e abaixo, é que as mudanças nos níveis desses mundos começam a influenciá-las.
É semelhante a uma pessoa que se oculta sob vestes e véus para não ser vista nem sentida. A pessoa permanece inalterada, mas está escondida. Do mesmo modo, as dez Sefirot (Keter, Hochma, Bina, Chesed, Guevura, Tifferet, Netzach, Hod, Yesod, Malchut) são apenas dez ocultações, dentro das quais Ein Sof se oculta e se esconde das almas.
A Luz de Ein Sof encontra-se num estado de repouso absoluto, mesmo quando brilha através das ocultações. No entanto, dado que as almas recebem a Luz de Ein Sof através dessas ocultações, sentem como se houvesse mudanças na Luz. Por isso, as almas que recebem a Luz dividem-se em dez níveis, correspondentes às divisões nas ocultações.
Todas estas ocultações existem apenas do mundo de Beria para baixo, pois é apenas nesses mundos que existem as almas que recebem a partir das dez Sefirot, através das ocultações. Nos mundos de Adam Kadmon e Atzilut, as almas ainda não existem, pois lá encontram-se apenas em estado de "potencial".
As dez ocultações nas dez Sefirot aplicam-se apenas aos mundos de Beria, Yetzirah e Assiah. No entanto, as dez Sefirot são consideradas divindade da mesma forma que antes da Primeira Restrição.
A única diferença nos vasos das dez Sefirot é que, nos mundos de Adam Kadmon e Atzilut, eles são vasos potenciais, ao passo que, nos mundos de BYA (Beria, Yetzira, Assiya), os vasos das dez Sefirot começam a manifestar o seu poder de ocultação e de cobertura. Contudo, a Luz dentro deles permanece inalterada, apesar das ocultações.
Se nos mundos de Adam Kadmon e Atzilut as almas (os recetores) ainda não estão reveladas, então qual é o propósito destes vasos de Adam Kadmon e Atzilut? De quem se escondem e ocultam? A resposta é que, no futuro, quando os mundos de BYA, juntamente com as almas neles, ascenderem até lá, então vão receber de acordo com o nível das dez Sefirot que existem em Atzilut ou Adam Kadmon.
Como mencionado anteriormente, os mundos, as inovações, as mudanças e os níveis referem-se apenas aos vasos. Estes doam às almas e medem para elas, de modo que possam receber da Luz de Ein Sof.
Contudo, quando as almas ascendem nos níveis, elas não provocam qualquer mudança na Luz de Ein Sof em si própria, pois todas as ocultações não afetam aquele que está oculto, mas apenas aquele que deseja percecionar quem está oculto e receber dele.
Podemos distinguir três aspetos nas Sefirot e Partzufim (objetos espirituais), onde quer que se encontrem: a Essência do Criador, os vasos e as Luzes. Os Kelim [Vasos] não possuem pensamento ou perceção da Essência do Criador.
Nos vasos, há sempre dois aspetos contraditórios: ocultação e revelação. Inicialmente, o vaso oculta a Essência do Criador, de tal forma que as dez Sefirot são dez níveis de ocultação. No entanto, depois de as almas receberem esses vasos com todas as suas condições, essas ocultações transformam-se em revelações para a obtenção das almas.
Estes dois aspetos contraditórios no vaso tornam-se um só, pois a medida da revelação no vaso corresponde exatamente ao nível de ocultação nele existente. Quanto mais grosseiro for o vaso, mais oculta a Essência do Criador, mas também mais revela a grandeza do Criador.
As Luzes nas Sefirot são da mesma estatura, dignas de se manifestarem para a obtenção das almas. Embora tudo emane da Essência do Criador, a receção da Luz dá-se apenas de acordo com as características do vaso. Por isso, devem existir dez Luzes e dez vasos, ou seja, dez níveis de revelação para os vasos, conforme as características desses vasos.
Assim, não pode haver qualquer diferença entre a Luz e a Essência do Criador, mas apenas naquilo que nos chega do Criador através do seu revestimento nos vasos das dez Sefirot. Portanto, tudo o que é alcançado denominamos de “Luz.”