Capítulo 2.3 - O Reconhecimento do Mal
Capítulo 2.3 - O Reconhecimento do Mal
Não basta amar o Criador e querer unir-se a Ele. É também necessário odiar o mal em si, ou seja, a sua própria natureza — o desejo de benefício próprio do qual não podemos escapar por nós próprios. Devemos chegar a um estado em que olhamos para dentro de nós vemos o mal que carregamos e sentimo-nos constantemente atormentados por ele. Devemos saber quanto estamos a perder e, ainda assim, reconhecer que não seremos capazes de nos libertar do mal.
Ao mesmo tempo, não podemos aceitar o nosso estado, pois sentimos a perda que o mal nos inflige e a verdade de que nunca encontraremos em nós mesmos as forças para a salvação, porque essa característica nos foi impressa pelo Criador.
Para sair do nosso mundo e entrar no mundo espiritual, devemos vivenciar várias situações específicas: primeiro, devemos sentir que a situação em que nos encontramos é intolerável. Isso só pode acontecer quando sentimos, mesmo que ligeiramente, o que é a espiritualidade e quão diferente ela é do nosso próprio estado. Devemos sentir que todo o bem está lá, que é uma abundância infinita, tranquilidade, eternidade e plenitude, e que tudo é uma única Força que nos atrai para si.
Além disso, há a força neste mundo que nos rejeita da situação que agora se tornou intolerável para nós. Quando essas duas forças — uma que o atrai para a espiritualidade e outra que nos rejeita do nosso estado atual — atingem o seu auge, juntamente com a consciência de total impotência para nos libertarmos do mal, ocorre uma explosão e o Criador liberta-nos.
O que podemos e devemos fazer é desenvolver um ódio genuíno pelo mal em si mesmo. Então, o Criador liberta-nos dele. O Criador protege as almas, comprovado pelo facto de que as salva do mal. Se alguém tem sequer a mais leve conexão consciente com o Criador, essa pessoa é um indivíduo afortunado.
Todas as situações que vivenciamos na espiritualidade continuam a existir e podem ser revisitadas em qualquer etapa, corrigidas e usadas para continuar o nosso progresso. Porque o Criador dá, as Suas criaturas devem tentar desejar o mesmo. O inverso também é verdade, pois o Criador detesta ser um receptor. Ele é completo desde o início e não precisa de nada; portanto, as Suas criaturas devem odiar a receção, porque essa é a origem de todo o mal. É apenas através do ódio ao mal que ele pode ser corrigido e tornar-se subordinado à santidade do Criador.
Se encontrarmos estados de vazio, indiferença e sentimentos maus, isso significa que o nosso estado já pertence ao próximo nível, que ainda não foi corrigido. Cada situação começa na escuridão. O dia começa na noite; os vasos começam com o desejo de receber. Depois, são corrigidos e recebem a Luz. Assim, cada vez que sentimos uma nova sensação de mal, devemos alegrar-nos, porque a próxima fase será a receção da Luz. Não há progresso na sensação de mal, porque apenas a presença de duas situações contraditórias nos permite chegar à Linha do Meio.
Baal HaSulam comparou este movimento à respiração: primeiro, os pulmões preparam-se, esvaziam-se de ar e, em seguida, enchem-se de nova Luz. Em cada lugar e em cada coisa, deve haver primeiro uma necessidade ou uma carência. Só depois se obtém o preenchimento.
Cada pessoa deve, eventualmente, chegar à adesão com o Criador. Este longo processo foi predeterminado no desígnio da Criação e começou há milhares de anos. As almas continuam-no agora em cada encarnação. Não há nada no gigantesco computador da Criação que ocorra sem uma razão. Tudo está ligado a outras coisas por fios invisíveis. O mundo é um único corpo vivo, e qualquer mudança, mesmo na área mais pequena e remota, afeta todo o ser.
O inanimado, o vegetativo e o animal não experienciam mudanças de humor. Mas não há criatura na terra que não tenha uma centelha Divina. Todas devem alcançar o propósito da Criação, o fim da correção. Os níveis inanimado, vegetativo e animal vão seguir os passos do homem. Cada um tem o seu próprio tempo, condições e lugar onde deve estar. Estar nesse mesmo lugar sem entender porquê, e dar todos esses passos e ações, leva cada um, naturalmente, ao propósito da Criação, à sua própria maneira.
Este é o momento de perguntar: “Por que alguns chegam à sabedoria da Cabala e outros não?” A resposta é muito simples: aqueles que chegam à sabedoria da Cabala já acumularam suficiente angústia para perguntar: “Quem sou eu?” e “Para que vivo?”
Aqueles que levam vidas comuns nunca fazem essas perguntas. Ninguém pergunta por que está feliz, porque, se está feliz, está convencido de que o merece. Mas, se sofre, então não entende o que fez para merecer isso, e essa questão nunca traz paz de espírito. Cada um deve trabalhar sozinho para se aproximar do Criador, em vez de esperar até que a angústia o leve à ação.
Não há diferença entre o sofrimento no nosso mundo e o sofrimento no mundo espiritual. Ambas as formas de sofrimento são maneiras do Criador nos controlar e guiar. Se pudéssemos transferir a dor física para a dor espiritual, corrigiríamos alguns dos nossos vasos e, assim, os nossos atributos seriam equivalentes aos do Criador, encurtando, dessa forma, o nosso caminho.
Quando um Cabalista adoece fisicamente, o seu corpo sofre. Mas, como o corpo físico não pode alcançar a espiritualidade, apenas a sua sensação interior se torna espiritual, corrigida, e desperta o Cabalista, mesmo enquanto o corpo continua a sofrer. Enquanto a alma do Cabalista continua a ascender, a saúde física continua a deteriorar-se.
Por que o corpo não ascende ao lado da alma? Porque o corpo não pode tornar-se espiritual! A espiritualidade é uma ascensão interior da alma que nada tem a ver com a parte externa, ou seja, o corpo biológico. O corpo está destinado a perecer e ser sepultado na terra. Esse é o fim da sua correção. Quando um corpo expira, recebe-se um novo corpo, assim como mudamos de camisa quando a que usamos precisa de ser lavada.
Por outro lado, há almas como as de Rabino Shimon Bar-Yochay, o Ari ou Rabino Yehuda Ashlag, que já se corrigiram e não precisam mais de descer a este mundo. Fazem-no apenas para corrigir o mundo; absorvem a angústia de todo o mundo e, assim, sofrem por ele. Esse processo é chamado Hitkalelut (mistura/entrosamento) das almas. Cada alma se envolve com outras almas para ajudá-las a corrigir-se.
Devemos encarar a dor corpórea como um chamamento à espiritualidade e ao contacto com o Criador. Quando a pessoa está atenta a esse chamamento, todos os tormentos são corrigidos e diminuem. Aquele que entra na espiritualidade vê tudo o que o Criador permite. Mas um Cabalista só quer ver aquilo que vai promover o progresso espiritual; o resto é irrelevante.
Cada nova situação é vista como um trampolim para uma ascensão ainda maior; por essa razão, o estudante extrai os aspectos mais positivos do nível atual, aqueles que o vão ajudar a alcançar o próximo nível. Na sua Introdução ao Estudo das Dez Sefirot, Baal HaSulam escreve sobre quatro níveis: Malchut, Zeir Anpin, Bina e Hochma. Esses são níveis de realização do Criador (Keter). Quando alcançamos o Criador, Ele revela tudo o que nos aconteceu ao longo de toda a história das nossas almas. Isso inclui o tratamento do Criador para connosco a cada passo do caminho, como a Luz partiu, que tormentos passámos e por que essas coisas aconteceram.
Só agora podemos ver que o Criador sempre foi bom para nós e nunca teve outras considerações. O facto de considerarmos esses acontecimentos como maus deveu-se aos nossos sentidos corrompidos, que percebiam a aproximação do Criador como negativa. Tudo o que agora vemos traz-nos um maior amor pelo Criador. Por isso, devemos aprender o que aconteceu nos nossos vasos recém-corrigidos.
Na próxima e última fase, o Criador demonstra a Sua atitude para com todas as almas ao longo das gerações. É aqui que vemos quão bom o Criador tem sido para todas as Suas criaturas. O resultado de tal realização é um amor eterno pelo Criador. A única coisa que o homem não pode ver é como cada pessoa vai chegar ao Criador, se naturalmente ou com a ajuda do Criador, e quando.
Para começar, há uma quantidade e qualidade suficiente de desejo no homem. Devemos apenas aprender a usá-lo com a intenção correta: ou usamos os nossos desejos para nos satisfazermos e receber o máximo de prazer com o mínimo esforço possível, ou queremos apenas agradar ao Criador, recebendo para Ele a máxima quantidade de prazer. Ou seja, recebemos para Lhe trazer contentamento.
Não podemos mudar a nossa intenção por nós próprios. Apenas o Criador pode fazê-lo. Se, ao empregarmos os nossos desejos, a intenção “para receber” nos faz odiar o egoísmo, é um sinal de que chegámos ao reconhecimento do mal em nós. Nesse estado, seremos recompensados com a alteração da intenção para a doação. A passagem de Lo Lishma (para receber) para Lishma (para doar) é, de facto, a travessia da barreira entre o nosso mundo e o mundo espiritual. Tal estado é chamado “nascimento”, a aquisição do Masach [Tela]; é a travessia do Mar Vermelho que separa o Egito da Terra de Israel.
Apenas a intenção muda quando alcançamos a espiritualidade. O desejo de receber não diminui como resultado disso, mas continua a crescer e a renovar-se em cada nível espiritual. Dissemos anteriormente que tudo já foi criado e que não há mais inovações. É verdade que todo desejo de receber já foi criado, mas antes de alcançarmos a espiritualidade, apenas nos foi mostrada uma parte pequena e negligenciável dela. Agora, no entanto, encontramos desejos egoístas cada vez maiores em cada nível, mas apenas na medida em que somos capazes de corrigir a sua intenção.
Se sentirmos o mal dentro de nós, devemos orgulhar-nos e e ser gratos. Isso significa que merecemos a revelação do nosso mal.
Os nossos sentimentos internos estão conectados ao objetivo final de tudo o que acontece, ao resultado final, àquele que nos deu esta situação e à razão para tal. Devemos saber que o egoísmo é tanto oposto ao Criador quanto de igual grandeza. Além disso, em cada nível, o egoísmo torna-se cada vez mais agressivo.
É proibido discutir o que sentimos com outros, porque a pessoa com quem falamos pode estar numa situação semelhante à nossa e não nos pode ajudar. Assim, podemos impor o nosso estado corrompido ao nosso amigo. Podemos falar sobre isso com um professor Cabalista, mas o melhor é falar com o Criador.
Para alcançar a espiritualidade, devemos organizar os nossos pensamentos egoístas neste mundo. Devemos reconhecer o mal neles e a nossa incapacidade de alcançar a espiritualidade por causa deles. Devemos enfrentar a angústia que acompanha a sensação de oposição entre o Criador e nós, e odiá-la o mais veementemente possível. Só então vamos descobrir a espiritualidade.
O reconhecimento do mal não é apenas um estado de espírito desagradável devido à ausência de algo temporário que desejamos. Reconhecer o mal requer a sensação do Criador, a oposição da Sua natureza altruísta à nossa. Devemos sentir o nosso egoísmo a 100% contra o Seu altruísmo a 100%; devenos sentir que esta situação é intolerável e ter um desejo ardente de a corrigir.
A partir da barreira e acima, quando alguém já sobe os níveis espirituais, sente o Criador. Agora, devemos corrigir constantemente a nossa atitude para com o Criador, a nossa intenção. É aqui que se realiza o trabalho do reconhecimento do mal. As Klipot [cascas] emergem em oposição à Luz, em oposição à correção dos vasos de receção em vasos de doação.