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Capítulo 2.2 – Persistência

Capítulo 2.2 – Persistência
Na Sabedoria da Cabala dar um nome à pessoa é feito de acordo com o seu desejo de receber. Por exemplo, se um certo indivíduo tem o desejo de alcançar o Criador, de O sentir e de se unir a Ele, então essa pessoa é chamada Israel (das palavras Yashar El – diretamente a Deus), mesmo que ainda esteja no início do caminho, incapaz de ver o Criador ou de saber onde este caminho a levará. É o desejo que conta.
Quando alguém realiza a Vontade do Criador, essa pessoa é chamada “Cabalista”, alguém que alcançou um certo nível espiritual. Por essa razão, os Cabalistas também são chamados “Aquele que Alcança a realização espiritual”.
Os Cabalistas compreendem gradualmente que não há ninguém para além do indivíduo que alcança a realização espiritual e do Criador. Estranhos, conhecidos, pais, filhos e amigos são, na verdade, o Criador. Ele é quem está por detrás dessas figuras. A descoberta do Criador por parte de uma pessoa é chamada “realização”.
Quanto mais claro o mundo espiritual se torna para nós, mais elevado é considerado o nosso nível espiritual, até que finalmente percebemos que tudo à nossa volta é o Criador. Então, adquirimos uma realização ainda maior – todos os nossos desejos, pensamentos, sentimentos e aspirações também são o Criador.
Então, onde está o homem aqui? O homem é a pessoa que sente tudo isso dentro de si, que chega a esta conclusão última de que Não Há Nada Além Dele. Esta sensação precisa – é o homem. O surgimento dessa sensação é chamado “adesão ao Criador”.
Mas qual é a diferença entre compreender e sentir? Nascemos como seres que sentem, não como seres que pensam. A nossa mente evolui apenas o suficiente para nos permitir compreender o que estamos a sentir. Tomemos o exemplo de uma criança: os seus desejos não são grandes, e o intelecto da criança desenvolve-se de acordo com isso.
Outro exemplo é uma pessoa na selva, que precisa apenas de sabedoria suficiente para providenciar o necessário à sobrevivência. Quanto mais queremos, mais inteligentes nos tornamos, porque o intelecto deve obter o que desejamos. O intelecto é apenas uma consequência da evolução dos nossos desejos. Procuramos e encontramos todos os tipos de formas de conseguir o que queremos. Assim, um forte desejo é a chave para o desenvolvimento do intelecto.
Não precisamos de nos preocupar com o desenvolvimento do intelecto, apenas com o desenvolvimento do desejo. A pessoa que estuda a sabedoria da Cabala não precisa de ser inteligente. Basta querer sentir o que deseja. É impossível ver o mundo espiritual com o olho do intelecto, só o podemos sentir nas nossas almas.
Devemos tentar misturar-nos com o sofrimento de todo o mundo, senti-lo e vivenciá-lo. Depois, seremos capazes de receber a Luz de todo o mundo no vaso corrigido. Cada vez que soubermos da dor de outra pessoa, não devemos lamentar que não somos nós a sofrer. Pelo contrário, devemos lamentar que as pessoas não encarem o sofrimento como uma revelação do Criador, porque os seus vasos ainda estão corrompidos. As pessoas percebem a Providência do Criador de forma errada.
Temos de justificar o Criador quando nos sentimos mal? A sabedoria da Cabala também é chamada “a sabedoria da verdade”. É assim chamada porque a pessoa que a estuda aprende a sentir a verdade de forma cada vez mais aguda. Não se pode mentir a si próprio quando se está perante o Criador. Então, torna-se claro que a sensação no coração é a única verdade que existe.
Mas esta má sensação não é um testemunho da acusação do homem contra o Criador? A boa sensação, por si só, já é gratidão ao Criador. Falamos com o Criador com o nosso coração; não há necessidade de palavras. Assim, para justificar o Criador, devemos sentir-nos sempre bem.
Quando ouvimos que há assassinatos, opressão e terrorismo no mundo, devemos reconhecer que isso é o melhor possível para o nosso mundo, e só é considerado “mau” por causa das nossas almas corrompidas. É por isso que a nossa única opção é ascender espiritualmente e corrigir os nossos vasos, para que o mal que vemos e ouvimos seja percebido como bom aos nossos olhos.
A nossa única preocupação deve ser que, no processo de correção dos vasos e do nível espiritual, vejamos quão bom Ele é para nós e para todo o mundo.
Alguém que ainda está a ascender os degraus do primeiro mundo espiritual, o mundo de Assiya (chamado “todo o mal”), ainda sente os acontecimentos como maus. Aquele que sente que as ações do Criador são más é considerado “mau” porque condena o Criador. (Em hebraico, as palavras “mau” – Rasha – e “condenar” – Marshia – provêm da mesma raiz).
Mais tarde, ao entrar no mundo de Yetzira (chamado “metade mau e metade bom”), essa pessoa sente alternadamente o que acontece como bom ou mau. É como se a pessoa estivesse a meio caminho entre cada extremo, sem saber precisamente como definir a situação.
O mundo de Beria é chamado “quase bom”. Quando corrigimos os nossos vasos o suficiente para ascender ao mundo de Beria, sentimos com crescente certeza que o Criador quer apenas o que é melhor para nós. Assim, quando nos elevamos ao mundo de Yetzira, somos chamados “justos incompletos”. Quando ascendemos ao mundo de Atzilut (chamado “todo bom”), vemos apenas o bem ali, sem qualquer vestígio de mal. Consequentemente, se nos elevamos ao mundo de Atzilut, somos chamados “justos completos” (justificamos o Criador e pensamos que o que Ele faz é correto).
As nossas sensações constituem a nossa atitude para com o Criador em todas e cada uma das situações. Não podemos ter uma atitude completamente positiva para com o Criador e justificá-Lo completamente antes de ascendermos aos níveis mais elevados, e isso só pode acontecer no mundo de Atzilut.
Não devemos permanecer no nosso atual estado de mal, mas sim tentar elevar-nos acima dele o mais rápido possível após examinarmos e analisarmos as nossas situações. Depois, devemos tentar alcançar um estado melhor. Mas a verdade é que nunca podemos ver o nosso estado real enquanto estamos nele. Apenas quando passamos para um novo nível, quando temos a certeza de que realmente alcançamos um novo nível, podemos examinar e analisar o nosso estado anterior.
Por exemplo, uma criança de dez anos, que está zangada com os pais porque não lhe querem comprar uma mota, não pode avaliar corretamente a sua situação. Mas o que pode ela sentir além de ofendida? Quando crescer, poderá avaliar o acontecimento corretamente. O mais importante é tentar passar de acusar o Criador para um estado mais elevado.
Foi dito que o Criador criou o mundo para deleitar as Suas criaturas. Mas isso não significa que Ele quer deleitar-nos porque sofremos antes. O Criador fê-lo sem quaisquer considerações e independentemente da quantidade de tormentos que tenhamos sofrido. Ficar imerso na dor nunca trouxe felicidade a ninguém. Apenas a autocorreção leva ao bem. A humanidade pode continuar a sofrer durante milhares de anos, mas isso nunca trará qualquer tipo de correção; apenas aumentará o desejo do homem por correção.
Está escrito na Introdução ao Livro do Zohar (item 6): “Os nossos sábios instruíram que o Criador criou o mundo por nenhuma outra razão senão para deleitar as Suas criaturas. E é aqui que devemos colocar o nosso intelecto e coração, pois é o objetivo final do ato da criação do mundo. E devemos ter em consideração que, uma vez que o pensamento da Criação é doar às Suas criaturas, Ele teve de criar nas almas uma grande quantidade de desejo de receber aquilo que Ele pensou em dar. Pois a medida de cada prazer e deleite depende da medida do desejo de receber. Quanto maior o desejo de receber, maior o prazer, e quanto menor o prazer, menor o prazer da receção.
Assim, o próprio pensamento da Criação dita a criação de um desejo de receber excessivo, para corresponder ao imenso prazer que a Sua omnipotência pensou em doar às almas. Pois o grande deleite e o grande desejo devem andar de mãos dadas.”
Se quero comer pouco, então tiro pouco prazer da comida. Mas se estou com muita fome, então comer dá-me grande prazer. Assim, devido ao Seu desejo de dar a máxima quantidade de prazer, Ele criou em nós este imenso desejo de receber, para igualar a quantidade de prazer que Ele pensou em nos dar. No entanto, quando queremos algo muito mas não o podemos ter, então sofremos tremendamente.
Aumentar o nosso desejo pela espiritualidade é uma questão muito complexa. Somos incapazes de sentir a espiritualidade antes de cruzarmos a barreira. Só podemos sentir desejos de autoindulgência. Quando começamos a perceber isso e a entender que é mau, sentimos-nos muito mal connosco próprios. Não só não estamos a aproximar-nos do Criador, mas, pelo contrário, encontramos-nos a afastar-nos Dele. A princípio, não pensávamos que éramos assim tão maus. Isso significa que estávamos mais perto Dele? E agora, quando nos sentimos como maus, é o Criador a afastar-nos e a fazer-nos sentir pior do que antes? É exatamente o oposto! É o Criador a puxar-nos para Ele!
O nosso progresso é medido pelos nossos sentimentos negativos. Isso acontece porque, enquanto não corrigirmos os nossos vasos, a vergonha ajuda mais na nossa correção do que qualquer outra coisa. A única coisa que permite aos humanos permanecerem humanos é a vergonha. Situações desagradáveis dirigem-nos mais rapidamente na direção certa do que situações agradáveis, que normalmente corrompem ainda mais.
Sofrer pelo nosso egoísmo significa odiá-lo, enquanto vemos claramente que ele está em nós. O ódio serve para nos manter afastados da fonte da angústia. Isso, por sua vez, serve para construir o estado de espírito correto para o progresso e o desejo de nos aproximarmos do Criador.
Chegamos finalmente a um estado em que percebemos que não seremos capazes de resistir a cometer um pecado, mesmo que saibamos disso com antecedência. Ainda assim, queremos isso, ou, quando o vemos aproximar-se, não fazemos nada para nos afastarmos, mas simplesmente ficamos à espera.
Tudo isso pertence à parte da correção. Não há nada que possamos fazer por nós próprios. Tudo o que podemos e devemos fazer é aprender com cada obstáculo e fracasso ao longo do caminho. Mesmo que por vezes pensemos que superamos alguma situação, não vai passar mais do que o minuto seguinte para percebermos que não superamos nada.
Pecados e transgressões não existem realmente. São todos situações pelas quais devemos passar para conhecer a natureza que foi criada pelo Criador, de modo a sentirmos a necessidade de nos corrigirmos. Se conseguirmos relacionar-nos com tudo o que acontece desta maneira, então isso é um ato em direção à correção.
Tomemos o pecado de Adam HaRishon como exemplo: o Criador criou uma alma e deu-lhe um escudo antiegoísmo que pode resistir a uma certa quantidade de prazer. Depois disso, Ele colocou diante dela um prazer maior do que ela podia resistir. Como resultado, a alma não conseguiu resistir à tentação e recebeu o prazer para benefício próprio, ou seja, pecou. Um pecado é receber para benefício próprio.
A alma é composta por dez Sefirot, divididas em Sefirot internas e Sefirot externas. A parte corrigida é considerada interna, e a que ainda não está corrigida é externa. É a parte externa que nos dá a sensação do mundo à nossa volta. É daí que vem a sensação de que há algo ao nosso redor. Mas, na verdade, tudo o que vemos à nossa volta está, de facto, dentro de nós. São os vasos não corrigidos que criam uma realidade fictícia à nossa volta, mas a pessoa que entra no reino espiritual sente-o imediatamente.
Começamos a precisar do Criador não apenas quando Ele nos faz sofrer, mas também quando nos permite entender que é Ele quem está por detrás do sofrimento. É precisamente nesse momento que clamamos por ajuda. Nesse estado, toda a nossa angústia está concentrada no “ponto no coração”, onde a escuridão é sentida, e é nesse ponto escuro que a conexão com o Criador começa.
A questão vai continuar a inquietar-nos até cruzarmos a barreira. Embora as perguntas sejam feitas pelo mesmo indivíduo, elas virão sempre com novos vasos e novas perceções. Nada retrocede, apenas progride, e devemos vivenciar todas essas situações.