Capítulo 12. Erradicar o Egoísmo
O caminho da Cabala distingue-se de outros caminhos. Apesar de existirem prazeres no nosso mundo, podemos libertar-nos do egoísmo ao ter fé (acima da razão) no propósito da criação. Desta forma, podemos transcender o que o nosso corpo e a nossa razão nos ditam.
Ao fazê-lo, começamos a experienciar o amor pelo Criador, bem como a sentir o Seu amor por nós. Este é o caminho da paz e da alegria, e da fé no facto de que o caminho longo é, na verdade, o caminho curto, sem sofrimento. Quando não somos capazes de receber a Luz em nós próprios – a Luz interior (Ohr Pnimi) – o nosso desenvolvimento espiritual ocorrerá apenas sob a influência da luz circundante (Ohr Makif).
Este caminho de desenvolvimento espiritual é chamado “o caminho natural” ou “o caminho do sofrimento” (Derech B’ito). É o caminho de toda a humanidade.
Uma alternativa para o nosso desenvolvimento espiritual é estabelecer um vínculo pessoal com o Criador, caracterizado pelo trabalho nas três linhas. Este caminho é chamado “o caminho da Cabala” (Derech Kabbalah, Derech Ahishena). É muito mais curto do que o caminho do sofrimento.
Assim, os cabalistas afirmam que um indivíduo que deseja ir diretamente ao Criador encurta o tempo de correção. Embora seja difícil ter fé se o sofrimento não nos obrigar a isso, é muito importante acreditar que os resultados do nosso trabalho dependem apenas dos nossos esforços.
Ou seja, devemos acreditar na regra divina de recompensa e punição. O Criador recompensa o indivíduo concedendo-lhe bons pensamentos e desejos. Devemos obter a fé dos companheiros de estudo e dos livros.
Contudo, uma vez alcançada a fé – a perceção do Criador – devemos convencer-nos de que ela nos foi dada pelo Criador. O Poder Espiritual Superior pode ser um remédio de vida se proporcionar força e vontade para trabalhar. No entanto, é considerado veneno se acreditarmos que tudo é determinado do Alto e que nada depende dos nossos esforços.
O principal esforço deve ser a preservação das elevadas aspirações que nos são dadas do Alto. Primeiro, são-nos enviadas sensações espirituais do Alto. Depois, somos elevados, seguindo-se um tempo de trabalho árduo e de esforço constante para permanecer nesse nível espiritual com as nossas próprias forças. Devemos concentrar-nos em valorizar o significado da nossa elevação espiritual.
Assim que começarmos a desvalorizar o que alcançamos ou a derivar beneficio próprio disso, começamos a perder o nível espiritual atingido. Tudo o que cai sob o poder do egoísmo situa-se no ponto central da criação (Nekuda Emtzait).
Tudo o que não deseja gratificar o ego está colocado acima desse ponto. Assim, diz-se que a linha que representa a descida da Luz (Kav) entra em contacto (reavivando imperceptivelmente a criação) e não entra em contacto (não preenchendo a criação com a Luz do Criador) com o ponto central.
Diz-se que aquele que aspira a avançar espiritualmente é ajudado, recebendo uma alma – uma parte do Criador – a Luz. Como resultado, começa a sentir-se como uma parte do Criador! Como é que a Luz do Criador gera o desejo de derivar alegria d’Ele?
Por exemplo, no nosso mundo, se a pessoa recebesse honras inesperadas que depois lhe fossem retiradas, essa pessoa desejaria os prazeres familiares derivados dessas honras. O desejo de recuperar o prazer perdido é conhecido como um “vaso” (Kli). A Luz faz crescer gradualmente o vaso para o preencher com prazer (proveniente da Luz).
Abraão perguntou ao Criador: “Como posso ter a certeza de que salvarás os meus descendentes? Como posso ter a certeza de que os meus filhos conseguirão libertar-se do egoísmo com a ajuda da Cabala? Por que dar-lhes a Luz se não a desejam?”
O Criador respondeu que lhes seria dada uma sensação de escravização pelo seu egoísmo e, por contraste, uma sensação da Luz. Ao tentar superar os nossos desejos, precisamos de reconhecer que os nossos corpos não compreendem as dimensões do tempo e, portanto, não percebem o passado nem o futuro, mas apenas o presente.
Por exemplo, se for crucial fazer um esforço durante cinco minutos para depois descansar, o corpo ainda resistirá a esse esforço porque é incapaz de compreender o benefício que virá em breve.
Mesmo quando lembramos o prazer que anteriormente alcançamos após um trabalho árduo, os nossos corpos ainda retêm a força necessária para completar a tarefa. Isso pode ser semelhante a um caso em que uma pessoa é paga pelo trabalho antes de o completar e não deseja verdadeiramente esforçar-se para terminar o trabalho.
Portanto, é importante não adiar a luta contra o corpo, mas sim usar cada oportunidade no momento presente para contrariar o corpo com pensamentos mais elevados.
Uma vez que somos todos 100% egoístas, nunca desejaremos voluntariamente formar um vínculo com o Criador. Apenas quando estivermos convencidos de que esse vínculo trará um certo benefício é que desejaremos a conexão.
Assim, podemos concluir que simplesmente ver o nosso próprio mal e compreender que apenas o Criador pode enviar ajuda ainda não é um ímpeto suficiente para procurar ajuda do Criador. Somente ao perceber que aproximar-se do Criador e formar um vínculo com Ele trará redenção é que teremos o incentivo para buscar ajuda.
A Cabala oferece-nos o seu caminho, em vez do caminho do sofrimento. O tempo muda as condições à nossa volta: há dois mil anos, apenas alguns privilegiados procuravam uma conexão com o Criador, como na época de Rabino Shimon.
Nos tempos de Ari e Ramchal, pequenos grupos já se dedicavam ao estudo da Cabala. Nos tempos de Baal Shem-Tov, o número de grupos cresceu para dezenas.
Finalmente, nos tempos de Baal Sulam, os números aumentaram ainda mais. Nos nossos tempos, a barreira que separa as massas da Cabala foi completamente eliminada, e quase não há resistência ao ensino. Se no passado apenas aqueles de carácter muito forte podiam alcançar a conexão com o Criador, hoje, principiantes – e até crianças – podem alcançar os mesmos resultados simplesmente estudando a Cabala sob a supervisão adequada.
Não conseguimos separar o bem do mal, tal como não somos capazes de discernir o que é bom para nós e o que é prejudicial. Apenas o Criador nos pode ajudar neste aspecto, abrindo-nos os olhos. Só então começamos a ver tudo, o que significa “escolher a vida”.
Mas, enquanto não reconhecermos a nossa absoluta necessidade de uma conexão constante com o Criador único, Ele não nos abrirá os olhos. Desta forma, Ele induzir-nos-á a pedir compaixão.
Nas sensações internas do cabalista, existe uma parte do Nível Superior, do estado futuro (AHaP). Aquele que percebe um Nível Espiritual Superior como um vácuo desinteressante, em vez de um estado repleto de Luz, não recebe desse nível superior.
Embora o Nível Superior esteja cheio de Luz, o nível inferior percebe o Superior apenas na medida em que as qualidades inferiores o permitem. Dado que as qualidades atuais não são suficientes para receber a Luz Superior, o indivíduo não a percebe.
A ocultação do Criador faz com que cada um de nós empreenda um esforço tremendo para alcançar o nível de existência habitualmente aceite pela nossa sociedade. Avançamos cegamente, guiados pelos sussurros internos do nosso egoísmo. Agindo como instrumentos cegos do ego, apressamo-nos a cumprir os seus comandos para evitar sermos punidos pelo sofrimento, o que nos leva a aceitar a vontade do ego contra a nossa própria vontade, executando assim os seus desejos sem hesitar.
O nosso egoísmo está tão profundamente enraizado em nós que começámos a aceitá-lo como uma parte fundamental da nossa natureza, representando os nossos verdadeiros desejos.
Ele penetra todas as células dos nossos corpos e obriga-nos a avaliar todas as nossas perceções de acordo com os seus desejos. Também nos força a planear as nossas ações de acordo com o seu desígnio, aumentando assim o seu benefício a partir das nossas ações.
Nem sequer imaginamos que podemos livrar-nos da influência do egoísmo e purificar-nos dele. Mas é possível expelir a nuvem egoísta que toma a forma do nosso corpo, nos penetra e se reveste da nossa carne. Uma vez libertos desses desejos, o Criador conceder-nos-á as Suas aspirações altruístas.
Enquanto a presença egoísta permanecer dentro de nós, no entanto, somos incapazes de imaginar qualquer benefício que nos faça querer erradicá-la. Além disso, pensamentos e desejos altruístas parecem-nos inaceitáveis, tolos, pouco sérios e, certamente, incapazes de formar a base da nossa sociedade, muito menos a do universo.
Mas isso ocorre apenas porque os nossos pensamentos e desejos permanecem sob a influência do egoísmo. Para sermos objetivos quanto à nossa própria condição, devemos tentar considerar o egoísmo como algo fora da nossa essência, como um inimigo que tenta passar-se por amigo.
Devemos tentar ver o egoísmo como algo estranho a nós, que foi colocado em nós pela Vontade do Criador. Tais ações são consideradas como as nossas tentativas de reconhecer o mal que provém do ego. Mas isso é possível apenas na medida em que conseguimos sentir a existência do Criador e perceber a Sua luz, pois tudo é compreendido apenas em relação a outros objetos, pela perceção de opostos.
Assim, em vez de concentrarmos toda a nossa energia na busca pelo mal dentro de nós, devemos fazer o maior esforço para perceber a Luz do Criador. Todas as criações, exceto os seres humanos, operam segundo as leis do altruísmo.
Apenas os seres humanos e o mundo que nos rodeia (o nosso mundo, Olam HaZeh) foram criados com qualidades opostas, egoístas. Se, por acaso, vislumbrássemos o Criador e todos os mundos espirituais, compreenderíamos imediatamente quão minúsculo é o nosso mundo em comparação com os mundos espirituais. Portanto, as leis egoístas da natureza operam apenas num mundo minúsculo, do tamanho de uma ervilha.
Por que motivo, então, o Criador Se ocultou, após nos colocar deliberadamente num mundo cheio de escuridão, insegurança e tristeza? Quando o Criador nos criou, o Seu objetivo foi conceder-nos uma existência eterna junto d’Ele.
No entanto, devemos alcançar este estado pelos nossos próprios meios, para não nos sentirmos envergonhados por termos adquirido injustamente o prazer eterno. Assim, o Criador gerou um mundo oposto a Ele em natureza, que epitomiza a única qualidade oposta à Sua essência: o desejo de se gratificar, ou egoísmo.
Portanto, Ele dotou-nos dessa qualidade. Assim que um ser humano é influenciado por essa qualidade, nasce neste mundo e deixa imediatamente de perceber o Criador. A ocultação do Criador existe para nos dar a ilusão de que possuímos livre-arbítrio para escolher entre o nosso mundo e o mundo do Criador – o Mundo Superior.
Se, apesar do nosso egoísmo, conseguíssemos ver o Criador, naturalmente preferiríamos o Seu mundo ao nosso, pois o primeiro contém todo o prazer e nenhum sofrimento.
Contudo, a liberdade de escolha e o livre-arbítrio só podem existir na ausência da nossa perceção do Criador enquanto Ele está em ocultação. Mas, se desde o momento do nascimento somos tão fortemente dominados pelo ego que não conseguimos distinguir entre o eu e o ego, como podemos escolher libertar-nos da influência do ego?
Além disso, que escolha pode realmente existir se o nosso mundo está cheio de sofrimento e morte, enquanto o mundo do Criador está repleto de prazer e imortalidade? O que resta aos seres humanos escolher?
Para nos permitir ter livre-arbítrio, o Criador deu-nos duas opções:
Por vezes, Ele revela-Se a um de nós para permitir que essa pessoa veja a Sua grandeza e Providência e, como resultado, experiencie calma.
Ele deu-nos a Cabala – cujo estudo (assumindo que se deseja verdadeiramente sair do estado presente e perceber o Criador) traz uma Luz espiritual oculta e envolvente (Ohr Makif). O processo de conexão com o Criador, começando pelo nível mais baixo (onde vivemos) e estendendo-se ao nível mais alto (onde o Criador reside), pode ser comparado a subir os degraus de uma escada espiritual.
Todos os degraus desta escada existem nos mundos espirituais. O Criador reside no degrau mais alto, enquanto o degrau mais baixo desce até ao nosso mundo. Os seres humanos estão situados abaixo do degrau espiritual mais baixo, pois o nosso nível egoísta inicial não está conectado com o primeiro estado espiritual, que é completamente altruísta.
Podemos perceber um Nível Espiritual Superior quando as nossas qualidades e as do estado espiritual coincidem. Então, o nosso nível de perceção será proporcional ao nível de congruência entre as nossas qualidades e as do espiritual.
Podemos perceber o Nível Superior porque todos os níveis espirituais estão dispostos sequencialmente, do mais baixo ao mais alto. Além disso, os estados subsequentes sobrepõem-se uns aos outros; a metade inferior do estado superior encontra-se dentro da metade superior do estado inferior (AHaP do Superior desce ao GE do Inferior).
Assim, a parte mais baixa do nosso Estado Superior está sempre presente em nós, mas geralmente não é sentida. O Estado Superior acima de nós é referido como “o Criador” porque funciona como o Criador para nós.
Ele dá-nos origem, vida e orientação. Como não temos perceção deste Estado Superior, muitas vezes insistimos que o Criador não existe.
Mas, se estivermos num estado em que vemos claramente o Domínio Superior do Criador sobre todas as criações neste mundo, então perdemos a possibilidade de escolher livremente.
Vemos apenas uma Verdade, uma Força e uma Vontade que opera em tudo e em todos.
Uma vez que a Vontade do Criador é conceder a cada ser humano livre-arbítrio, a ocultação do Criador das Suas criações é necessária. Só se Ele estiver oculto podemos afirmar que, através do nosso livre-arbítrio, aspiramos a ligar-nos ao Criador – a agir pelo Seu bem, sem qualquer vestígio de interesse próprio.
Todo o processo de autocorreção é possível apenas quando o Criador está oculto de nós. Assim que Ele Se revela, tornamo-nos imediatamente Seus servos e caímos sob o controlo do Seu pensamento, grandeza e poder.
Nesse momento, é impossível determinar quais são os nossos verdadeiros pensamentos. Assim, para nos permitir agir livremente, o Criador deve ocultar-Se.
Por outro lado, para nos dar a oportunidade de nos libertarmos da escravidão cega do egoísmo, o Criador deve revelar-Se. Isto porque um ser humano obedece apenas a duas forças neste mundo: a força do egoísmo – o corpo – e a força do Criador – o altruísmo.
Conclui-se, então, que é necessária a alternância entre estes dois estados. Estes estados são a ocultação do Criador, quando percebemos apenas nós próprios e as forças egoístas que nos governam, e a revelação do Criador, quando sentimos o poder das forças espirituais.
Para que alguém ainda sob a influência do egoísmo perceba o Objeto Superior mais próximo (o Criador), o Criador deve igualar algumas das Suas qualidades às do ser inferior – a pessoa que busca uma conexão com o Criador.
Ele dará algumas das Suas qualidades altruístas com atributos egoístas, podendo então entrar em equilíbrio com a pessoa que busca conexão com Ele.
A Parte Superior eleva a Malchut-Midat Hadin ao nível da Sua Galgalta ve Eynaim. Como resultado, o Seu AHaP adquire qualidades egoístas. Desta forma, o Seu AHaP “desce” ao nível inferior (o nível espiritual daquele que o procura) e entra num estado de equivalência com as qualidades da parte inferior.
Inicialmente, a parte inferior não era capaz de perceber o Estado Espiritual Superior. No entanto, porque o Criador escondeu as Suas qualidades altruístas mais elevadas por detrás de qualidades egoístas, Ele pôde descer ao nível da pessoa, permitindo que esta O percebesse.
Como percebemos as qualidades superiores como sendo egoístas, somos incapazes de compreender verdadeiramente a sua essência. Parece que não há nada de positivo no espiritual que possa trazer prazer, inspiração, confiança ou tranquilidade.
É exatamente neste ponto que temos a oportunidade de exercer a nossa força de vontade. Podemos, em vez disso, declarar que a ausência de prazer e sabor no espiritual e na Cabala se deve à ocultação deliberada do Criador para nosso próprio bem. Como ainda não possuímos as qualidades espirituais necessárias, é impossível para nós perceber os prazeres espirituais superiores; pelo contrário, todos os nossos desejos terrenos são governados pelo egoísmo.
É crucial que os principiantes compreendam que lhes são dados depressão e angústia para que os superem.
Podem dirigir os seus pedidos de alívio ao Criador, podem estudar ou realizar boas ações. O facto de tais pessoas não experienciarem prazer ou vitalidade nas aspirações espirituais é dirigido do Alto.
Isto dá-lhes o livre-arbítrio para concluir que a sua falta de prazer provém da ausência de qualidades altruístas apropriadas neles próprios. Por isso, o Superior deve esconder as Suas verdadeiras qualidades deles.
Portanto, devemos lembrar que o primeiro estágio de perceção do espiritual é a sensação de privação espiritual. Se a parte inferior for capaz de perceber que o Superior Se oculta devido à incongruência de qualidades, e se essa parte inferior pedir ajuda para corrigir o seu próprio egoísmo através de uma oração (Elevar MAN), então a Parte Superior revela-Se parcialmente (eleva o Seu AHAP) e exibe as Suas verdadeiras qualidades, que até esse momento estavam disfarçadas sob o egoísmo.
Como resultado, o prazer espiritual também se torna evidente. Assim, a parte inferior começa a experienciar a grandeza e o prazer espiritual sentidos pelo Ser Superior, que possui qualidades altruístas espirituais.
Porque a Parte Superior elevou as Suas qualidades altruístas aos olhos do indivíduo, elevou assim o indivíduo ao meio do Seu Estado (elevou o GE da parte inferior juntamente com o Seu próprio AHaP).
Este estado espiritual é conhecido como o “menor nível espiritual” da pessoa (Katnut). A Parte Superior, de certa forma, eleva a parte inferior ao Seu próprio nível espiritual, revelando tanto a Sua grandeza como a grandeza das qualidades altruístas. Ao ver a magnificência do espiritual e compará-la com o material, podemos elevar-nos espiritualmente acima do nosso mundo.
Quando percebemos o espiritual, independentemente da nossa vontade, as nossas qualidades egoístas são transformadas em altruístas, ou seja, nas qualidades do Criador. Para permitir que a parte inferior tome posse completa do primeiro nível superior, a Parte Superior revela-Se totalmente e todas as Suas qualidades à parte inferior; ou seja, Ele revela a Sua Grandeza, alcançando Gadlut.
Nesse momento, a pessoa percebe a Parte Superior como o Único e Absoluto Soberano de tudo no universo. Ao mesmo tempo, a parte inferior alcança o mais alto conhecimento do propósito da criação e do domínio do Superior.
Torna-se claro para a parte inferior que não há outra forma de se conduzir senão pelo caminho prescrito pela Cabala. Assim, a razão da parte inferior agora exige uma ação correta. Como resultado desta clara consciência do Criador, deve-se lidar com a contradição entre a fé e o conhecimento, entre as linhas direita e esquerda.
Tendo adquirido qualidades altruístas (Katnut), a parte inferior prefere agora avançar apenas através da fé na força do Criador. Isso serve como indicação do desejo sincero daquele que procura, de se aproximar do Criador.
No entanto, a revelação da grandeza do Criador (Gadlut) agora obstrui o avanço pela fé. Consequentemente, o indivíduo deve renunciar voluntariamente ao conhecimento adquirido.
Quando alguém implora para avançar cegamente, confiando apenas na sua fé na magnificência do Criador, em vez de compreender o Seu poder e grandeza, e usando a razão apenas na proporção da sua fé, o Criador é compelido a limitar a Sua revelação. Quando tal ação obriga o Criador a diminuir a Sua revelação do Seu domínio geral, da Sua omnipotência e da Sua Luz (Ohr Hochma), isso é chamado “o masach [Tela] de hirik”.
Através deste masach [Tela], podemos diminuir a revelação da razão superior (a linha esquerda) até ao ponto em que esta revelação possa ser equilibrada com a fé, a linha direita. A correlação correta entre fé e conhecimento é chamada “equilíbrio espiritual” ou a linha do meio.
Nós, enquanto indivíduos, determinamos o estado em que desejamos estar. Uma vez estabelecida a correlação correta entre fé e conhecimento, podemos então alcançar a perfeição. Isso é conhecido como “a linha do meio”.
A parte do conhecimento revelado (a linha esquerda) que podemos usar proporcionalmente à nossa fé (a linha direita), avançando pela fé acima da razão (a linha do meio), é adicionada às qualidades espirituais que possuíamos anteriormente, no estado de Katnut. O nível espiritual recém-adquirido é conhecido como Gadlut, que significa grande e completo.
Após o primeiro nível espiritual completo ser atingido, tornamo-nos iguais em qualidades ao primeiro estado (o mais baixo) da escada espiritual. Como mencionado anteriormente, todos os estados, ou degraus da escada, se sobrepõem uns aos outros.
Tendo alcançado o primeiro nível, podemos descobrir a presença de um nível superior dentro de nós. Usando o mesmo princípio de quando avançamos para o primeiro nível, podemos prosseguir degrau a degrau até ao objetivo da criação – a unificação completa com o Criador no nível mais alto.
Uma parte essencial da nossa ascensão espiritual é um processo especial que requer que, ao descobrir um maior mal dentro de nós, façamos um pedido ao Criador que nos conceda a força para superar esse mal. Recebemos então força na forma de uma maior Luz espiritual.
Isso continua até alcançarmos o nível e tamanho originais das nossas almas: nesse ponto, o nosso egoísmo é completamente corrigido e preenchido com Luz.
A Busca pelo Criador
Quando somos distraídos por pensamentos externos, sentimos que esses pensamentos nos impedem de alcançar o espiritual, porque a nossa força e intelecto são desperdiçadas em preocupações alheias, enquanto os nossos corações se enchem de desejos mesquinhos. Em momentos como este, perdemos a fé no facto de que apenas a Cabala contém a verdadeira vida.
Uma vez superada esta condição, saímos do nosso estado e entramos na Luz, recebendo uma Luz superior que nos ajuda a ascender ainda mais. Desta forma, os nossos pensamentos alheios trabalham para nos ajudar no nosso avanço espiritual.
Podemos superar obstáculos apenas com a ajuda do Criador. Só podemos trabalhar em algo se percebermos algum benefício pessoal na tarefa. No entanto, os nossos corpos, corações e intelectos não compreendem que benefícios podem resultar do altruísmo.
Portanto, assim que tentamos fazer o menor movimento altruísta, perdemos toda a força do intelecto, do coração e do corpo. Não nos resta nada senão recorrer ao Criador e pedir-Lhe ajuda. Desta forma, involuntariamente e sem livre escolha, avançamos em direção ao Criador até nos fundirmos completamente com Ele.
Não devemos queixar-nos de termos nascido com pouca inteligência, força ou coragem, ou de carecemos de qualidades que outros possuem.
Se não avançarmos no caminho certo, que diferença faz se somos dotados das melhores capacidades e potencial?
Pode ser que a pessoa talentosa se torne um grande cientista, mas, sem uma conexão com o Criador, o propósito dessa pessoa não será alcançado e falhará, tal como a maioria das pessoas.
É crucial alcançar o nível de uma pessoa justa; só então podemos usar todo o nosso potencial para as tarefas certas, em vez de desperdiçar a nossa força em vão. Mesmo as capacidades mais fracas e triviais dadas pelo Criador devem ser usadas para os objetivos mais elevados.
Se estivermos num estado de descida espiritual, é inútil tentar convencer-nos a animar-nos ou sujeitar-nos a ouvir a sabedoria aprendida dos outros. Nada do que os outros disserem nos ajudará. As histórias do que outras pessoas viveram e os seus conselhos não nos animarão quando estamos deprimidos, porque perdemos toda a fé em tudo, incluindo nas conquistas dos outros.
No entanto, se repetirmos para nós mesmos o que costumávamos dizer e sentir quando estávamos num estado de exaltação espiritual e cheios de vida, em oposição a estarmos espiritualmente mortos como agora. Se recordarmos os nossos próprios objetivos e progresso espiritual, então podemos crescer para recuperar o nosso ânimo.
Ao lembrar que, em algum momento, tivemos fé e avançámos pela vida através da fé acima da razão, podemos ajudar-nos a sair do estado de morte espiritual. Por esta razão, devemos sempre confiar nas nossas próprias recordações e experiências. Apenas estas nos motivarão a abandonar o estado de depressão.
A tarefa de quem alcançou um certo nível espiritual é fazer uma seleção entre a miríade de prazeres que surgem, descartando imediatamente todos aqueles prazeres que não podem ser equilibrados pela fé, pois não são adequados para uso. Na Cabala, a parte do prazer que a pessoa recebe pelo benefício do Criador, com o único propósito de fortalecer a sua fé, é considerada “alimento”.
Por outro lado, a outra parte que não se consegue receber é considerada “refugo”. Se a pessoa for incapaz de distinguir entre as duas e quiser devorar toda a porção (em termos cabalísticos, “embriagar-se com o excesso de prazer”), então essa pessoa perde tudo e fica sem nada. Na Cabala, tal pessoa é conhecida como “pobre”.
All of us are "prescribed" in what we can and cannot do. If we decide to ignore the “prescription,” then we are punished.
Todos nós estamos “prescritos” quanto ao que podemos e não podemos fazer. Se decidirmos ignorar a “prescrição”, somos punidos. Se desconhecemos a dor e o sofrimento que podem resultar de violar a lei, estamos destinados a quebrá-la, pois, como resultado, receberemos prazer. Consequentemente, também receberemos a punição, para que compreendamos que, no futuro, não devemos agir dessa forma.
Por exemplo, existe uma lei que proíbe roubar dinheiro. Mas sa pessoa sente uma forte atração por dinheiro e sabe onde o pode roubar, o crime será cometido. Isso acontece mesmo que não haja dúvida de que o roubo será seguido de punição; o potencial ladrão ainda será incapaz de compreender plenamente a extensão do sofrimento que seguirá a transgressão.
Portanto, a pessoa decidirá que o prazer de adquirir o dinheiro superará o sofrimento da punição que se seguirá. Mas quando o sofrimento realmente chega, o ladrão percebe então que o sofrimento excede em muito as expectativas e é certamente maior do que o prazer obtido pelo roubo. Nesse momento, o ladrão torna-se pronto para seguir a lei.
Uma vez que a pessoa se torna livre, é dado um aviso de que a punição pela próxima transgressão será muito maior. Isso é feito para que não se esqueça do sofrimento experienciado.
Assim, quando o desejo de roubar surge novamente, a pessoa lembra-se tanto do sofrimento passado como do aviso de que a próxima punição será muito mais severa do que a anterior. Isso proporciona algum incentivo para se conter de cometer o roubo.
A partir do exemplo acima, e de muitos outros que nos rodeiam todos os dias, podemos ver que o sofrimento orienta a pessoa para um caminho que, de outra forma, não seria escolhido se seguisse o ego. É sempre mais fácil roubar do que ganhar, descansar do que pensar ou trabalhar, e receber prazer em vez de sofrer.
A pessoa que decide aprender Cabala deve saber que é para o seu próprio bem. Ou seja, a pessoa deve perceber que o ego beneficiará dessas ações. Nenhum de nós pode assumir o fardo de um trabalho completamente desinteressado, que não renda dinheiro, honra, prazeres ou esperança de um futuro melhor.
Além disso, somos incapazes de nos envolver em trabalho que não produza resultados ou frutos; que não confira algo a outrem; que não resulte em qualquer benefício para outro, ou que pareça produzir apenas esforços insensatos num espaço vazio.
É natural que a nossa razão egoísta e os nossos corpos não estejam preparados para tal tarefa, porque foram desenhados pelo Criador para receber prazer.
Somos forçados a sentir e agir “altruisticamente” devido ao sofrimento que recebemos nas nossas vidas diárias, à perda completa de qualquer deleite ou desejo na vida, e à nossa forte convicção de que somos incapazes de receber mesmo o menor prazer do nosso ambiente.
Assim, tentamos o altruísmo na esperança de encontrar redenção neste novo caminho. Embora esta nova abordagem à vida não possa ser considerada verdadeiro altruísmo, uma vez que o objetivo das nossas ações é o bem-estar pessoal e a salvação, esta abordagem aproxima-se, no entanto, do altruísmo.
Permite-nos avançar gradualmente para o estado desejado, sob a influência da Luz que está oculta nas nossas ações. Ao comportarmo-nos altruisticamente, mas ainda beneficiando porque damos para receber, começamos a perceber a Luz (prazer) que está oculta nas nossas ações. A natureza desta Luz é tal que nos corrige.
Podemos observar eventos semelhantes na natureza. Por exemplo, pode chover intensamente, mas não nos lugares onde a chuva traria o maior benefício. Assim, a chuva pode cair no deserto, onde produz pouco efeito, em vez de nos campos, onde mesmo a menor precipitação pode dar origem a uma variedade de colheitas.
Da mesma forma, a pessoa pode estar constantemente a ler textos espirituais, mas os frutos, a compreensão espiritual do Criador que deveria resultar desses esforços, podem ser elusivos. Por outro lado, é possível que, investindo um esforço muito menor no estudo das porções certas da Cabala, se possa colher uma maior recompensa dos esforços.
O mesmo pode ser aplicado ao estudo da Cabala. Se todo o processo de estudo for dedicado à busca pelo Criador, em vez da mera acumulação de conhecimento, então todo o efeito vivificante da Cabala é aplicado no lugar certo.
Mas se a pessoa estuda apenas para receber maior conhecimento ou, pior ainda, para exibir e orgulhar-se do intelecto, mesmo a Cabala não produzirá os resultados certos. Neste caso, pode, no entanto, revelar o objetivo correto do estudo e, assim, ajudar a focar os esforços na direção certa.
Este processo de correção da direção do pensamento ocorre enquanto se estuda constantemente a Cabala, uma vez que a tarefa de cada ser humano é orientar os pensamentos e ações na direção certa. Ao fazê-lo, comunhão de forma única com o objetivo da criação. Isso é especialmente importante durante o estudo da Cabala, uma vez que não há meio mais forte de se aproximar do espiritual.
Na Bíblia, o Egito simboliza a supremacia do nosso egoísmo (é assim conhecido como Mitzraim, das palavras mitz-ra, a concentração do mal). Amaleque representa a tribo que travou guerra contra Yisrael (derivado de yisra - yashar, direto, e el - Criador, ou seja, aqueles que desejam dirigir-se diretamente ao Criador).
Amaleque personifica o nosso egoísmo, que, sob nenhuma circunstância, deseja permitir que a pessoa se liberte do seu poder. O egoísmo manifesta-se (ataca) apenas nos desejos de uma pessoa que tenta sair do cativeiro egípcio (egoísmo). Mesmo que alguém esteja no início do seu caminho, Amaleque imediatamente bloqueará a passagem dessa pessoa.
Um aumento súbito na perceção do próprio egoísmo é enviado apenas àqueles que são distinguidos e escolhidos pelo Criador. Apenas aqueles que são selecionados para alcançar uma compreensão superior do Criador recebem o Amaleque. Isso é destinado a invocar nessas pessoas uma necessidade real pelo Criador, em vez de uma mera necessidade de melhorar as suas qualidades pessoais, ou simplesmente “tornarem-se boas pessoas”.
Um indivíduo assim escolhido começa a experienciar grandes dificuldades no domínio da melhoria pessoal. O desejo de estudar, que era tão forte no passado, subitamente diminui. O corpo torna-se pesado perante as ações que deve realizar. A luta com o corpo (o intelecto, o nosso “eu”) concentra-se no desejo do corpo de compreender quem é o Criador, para onde o corpo deve ir e porquê, e se o corpo beneficiará de cada um dos esforços.
Caso contrário, sem qualquer benefício, nem o intelecto nem o corpo fornecerão qualquer energia ou motivação para fazer algo. E nisso estão corretos, uma vez que é insensato realizar ações sem saber, de antemão, o resultado. Não há forma de transcender as limitações da nossa natureza humana e entrar no meta-mundo espiritual, exceto adquirindo o intelecto e os desejos comuns a esse meta-mundo.
Esses desejos são opostos por natureza aos do nosso mundo, uma vez que tudo o que percebemos e sentimos, e tudo o que cria a imagem do “nosso mundo”, é produto dos nossos intelectos egoístas e dos nossos corações egoístas. Assim, apenas através do processo de substituição das noções existentes por noções opostas (a fé substituindo a razão, e o “dar” substituindo o “pegar”), podemos entrar no mundo espiritual.
Mas, uma vez que possuímos apenas as ferramentas com as quais fomos originalmente criados, intelecto e egoísmo, e dado que o nosso intelecto funciona apenas para o benefício do nosso egoísmo, não podemos produzir internamente ferramentas diferentes de razão e perceção. Estas devem ser obtidas do exterior, do Criador.
Por esta razão, o Criador atrai-nos para Si, mostrando-nos no processo que somos incapazes de nos alterar sem a Sua ajuda. Mesmo que o corpo o recuse, devemos procurar e fomentar um vínculo com o Criador, porque apenas esse vínculo facilitará a nossa redenção espiritual.
Não devemos pedir ao Criador a capacidade de ver e experienciar milagres, acreditando falsamente que essa experiência nos ajudará a superar o eu e a trazer uma apreciação da grandeza do espiritual, em vez de sermos simplesmente dominados por uma fé cega.
A Cabala adverte contra esse pensamento quando conta a história do êxodo do Egito: quando Amaleque atacou o povo, Moisés derrotou-os apenas levantando as mãos e pedindo o poder da fé.
No processo de ascensão espiritual, adquirimos constantemente uma razão superior que aumenta com cada nível alcançado. Como resultado, devemos reforçar continuamente o poder da nossa fé, para que seja sempre maior do que o poder do intelecto; caso contrário, poderemos voltar a ficar sob a influência do egoísmo.
Este processo prossegue até que nos agarremos exclusivamente ao Criador. Na etapa final, alcançamos a compreensão suprema, a recepção máxima da Luz (Ohr Hochma) sem quaisquer gradações. É descrito como "a Luz que foi criada no primeiro dia da criação, na qual o primeiro homem viu de uma ponta do mundo à outra"; e na Cabala, diz-se: "no início da criação, tudo estava envolto na Luz suprema".
Ou seja, quando a Luz brilha sobre todos, sem distinguir os níveis, então tudo se torna claro. Não há início nem fim para esta Luz, não há sombras, e tudo é absolutamente compreensível.