<- Biblioteca de Cabala
Continuar a Ler ->

Capítulo 11. Movimento Interior e Desenvolvimento

Neste mundo, avançamos fisicamente utilizando os nossos órgãos de movimento – as pernas. Assim que avançamos, utilizamos então os nossos órgãos de aquisição – as mãos.
Em contraste, os órgãos espirituais são opostos aos nossos: só conseguimos subir degraus se tivermos conscientemente rejeitado todo o apoio da razão. Além disso, só podemos alcançar o propósito da criação ao abrir as mãos para dar, em vez de receber.
O propósito da criação é conceder-nos prazer. Porque, então, nos conduz o Criador a esse objetivo por um caminho tão doloroso? Tentemos encontrar a resposta.
Em primeiro lugar, o Criador, na Sua perfeição, criou os seres humanos.
Um atributo da perfeição suprema é o estado de repouso, pois o movimento é provocado por uma falta de algo ou por uma tentativa de alcançar aquilo que se considera desejável.
Os seres humanos também apreciam o repouso e só o sacrificam quando lhes falta algo essencial, como alimento ou calor, entre outros.
Quanto mais sofrem com a ausência do que desejam, mais dispostos estão a fazer esforços cada vez maiores para o obter. Assim, se o Criador fizer com que as pessoas sofram pela ausência do espiritual, elas sentir-se-ão compelidas a fazer um esforço para o alcançar.
Uma vez alcançado o espiritual, que é o propósito da criação, vão experienciar o prazer que o Criador preparou para elas. Por essa razão, aqueles que desejam avançar espiritualmente não veem o sofrimento que o ego provoca como castigo, mas apenas como evidência da boa Vontade do Criador em ajudá-los.
Assim, encaram o seu sofrimento como uma bênção, em vez de uma maldição. Só depois de terem alcançado o espiritual vão compreender verdadeiramente o que ele é, e que prazeres nele se encontram. Até lá, apenas sofrerão pela sua ausência.
A diferença entre o material e o espiritual é que a falta de prazeres materiais causa-nos sofrimento, enquanto a ausência de prazeres espirituais não. Assim, para nos trazer prazeres espirituais, o Criador transmite-nos uma sensação de sofrimento pela nossa carência de perceção espiritual.
Por outro lado, ao experienciarmos prazeres materiais, nunca vamos alcançar a satisfação completa e infinita que se encontra mesmo no menor dos prazeres espirituais. Assim que começamos a ganhar gosto pelo espiritual, existe o perigo de sentirmos prazer ao percebê-lo como um desejo egoísta e, consequentemente, de nos afastarmos dele.
A razão para tal desenlace é que passamos a perseguir o espiritual depois de descobrirmos que esse caminho nos proporciona um prazer muito maior do que alguma vez experienciamos nas nossas vidas insatisfatórias. Agora, apercebemo-nos de que já não necessitamos de fé – a base de toda a espiritualidade – pois tornou-se evidente que seguir o espiritual vale a pena para nosso próprio benefício. Mas o Criador utiliza esta abordagem apenas com principiantes, para os atrair e, depois, os corrigir.
Cada um de nós sente que sabe melhor do que qualquer outro o que deve fazer e o que é bom para si. Este sentimento surge do facto de, num estado egoísta, percebermos apenas o eu e nada mais. Por isso, vemo-nos como os mais sábios, pois apenas nós sabemos o que desejamos em cada momento da nossa vida.
O Criador governa o nosso mundo em estrita conformidade com as leis materiais da natureza. Assim, é impossível contornar ou contrariar essas leis: se saltarmos de um precipício, cairemos para a morte; se formos privados de oxigénio, sufocaremos, e assim por diante.
O Criador confirmou essas leis da natureza para nos fazer compreender que a sobrevivência exige esforço e cautela. No mundo espiritual, onde não podemos prever as consequências dos acontecimentos nem conhecer as leis da sobrevivência, devemos compreender desde o início a lei principal. Esta lei não pode ser evitada, tal como as leis da natureza no nosso mundo não podem ser evitadas.
A lei principal estabelece que não podemos ser guiados pelas sensações de prazer, pois não é o prazer, mas sim o altruísmo, que determina se a vida espiritual é benéfica ou prejudicial.
Luz – aquilo que emana do Criador e que percebemos como um imenso prazer. Compreender o prazer ou perceber o Criador (o que, na verdade, é uma e a mesma coisa, pois não O percebemos a Ele, mas sim a Luz que nos alcança) é o propósito da criação.
Fé – a força que dá ao indivíduo confiança na possibilidade de alcançar uma vida espiritual, trazendo-o de volta à vida depois de estar espiritualmente morto. Quanto mais claramente percebemos que estamos espiritualmente mortos, mais sentimos a necessidade de fé.
Oração – o esforço feito por um indivíduo, sobretudo no coração, para perceber o Criador e implorar-Lhe que lhe conceda confiança na possibilidade de alcançar uma vida espiritual.
Qualquer trabalho, qualquer esforço e qualquer oração só são possíveis se o Criador estiver oculto dos seres humanos. Uma oração genuína pede ao Criador que conceda força para contrariar o egoísmo de olhos fechados – sem que o Criador Se revele à pessoa, pois essa é a maior recompensa. O nosso nível de espiritualidade define-se pela nossa disposição para avançar de forma desinteressada.
Quando ganhamos confiança na nossa própria força altruísta, podemos gradualmente começar a experienciar prazer pelo benefício do Criador, pois, ao fazê-lo, estamos a dar-Lhe satisfação. Como é o Desejo do Criador conceder-nos prazer, esta harmonia de desejos aproxima o Dador e o recetor.
Para além do prazer que recebemos ao perceber a Luz do Criador, também experienciamos um prazer infinito ao compreender a grandeza do Criador, ou seja, ao unirmo-nos com a Perfeição Suprema. Alcançar esse prazer é o propósito da criação.
Dado que o egoísmo – o nosso desejo de receber – é a nossa essência, ele predomina em todos os níveis da natureza, desde o nível atómico e molecular até aos níveis hormonal, animal e superiores.
O egoísmo estende-se até aos sistemas mais elevados do raciocínio humano e do subconsciente, incluindo os nossos próprios desejos altruístas. É tão poderoso que somos incapazes de lhe resistir deliberadamente em qualquer situação.
Por isso, se quisermos escapar ao domínio do ego, devemos lutar contra ele. Devemos agir contra os desejos do nosso corpo e da nossa razão em tudo o que diz respeito ao nosso progresso espiritual, mesmo que não consigamos ver qualquer benefício para nós.
Caso contrário, nunca vamos ultrapassar os limites do nosso mundo. Na Cabala, este princípio de trabalho é conhecido como "Forçá-lo até que diga ‘Quero’".
Quando o Criador nos ajuda ao transmitir-nos a Sua própria Natureza, o nosso corpo vai querer, por si só, agir no domínio espiritual. A esta condição chama-se "o regresso" (teshuva).
A transformação da nossa essência egoísta numa essência altruísta ocorre da seguinte forma: na Sua sabedoria, o Criador gerou um desejo de gratificação pessoal e implantou-o nos seres humanos. Este desejo representa o egoísmo, um ponto negro na essência do indivíduo. Ele é negro devido à contração da Luz (tzimtzum), que ocorreu quando a Luz do Criador se afastou dele.
A correção da essência egoísta dá-se com o auxílio de uma tela (masach), que transforma o egoísmo em altruísmo. Somos incapazes de compreender como pode ocorrer uma transformação tão milagrosa até a experienciarmos. Parece-nos incrível que a lei geral da natureza possa mudar de tal forma que, de repente, sejamos capazes de agir onde antes não conseguíamos.
No final, descobrimos que as nossas ações permanecem as mesmas de antes e que nada temos para dar ao Criador, pois Ele é perfeito e o Seu único desejo é preencher-nos com a Sua perfeição.
Em troca do imenso prazer que recebemos do Criador, não temos nada para Lhe retribuir, exceto o pensamento de que, embora continuemos a realizar os mesmos atos de antes, agora fá-lo-emos porque isso dá prazer ao Criador, e não a nós próprios.
Mas mesmo esse pensamento não é para o Criador, mas para nós. Ele permite-nos receber prazeres ilimitados sem sentirmos vergonha de receber algo sem dar nada em troca. Podemos tornar-nos mais semelhantes ao Criador ao nos tornarmos altruístas. Quando o fazemos, tornamo-nos capazes de receber infinitamente e de experienciar prazer, pois o altruísmo não é para o ego, mas sim para além dele.
Embora possamos forçar-nos a realizar um determinado ato físico, não conseguimos mudar os nossos desejos à nossa vontade, pois não conseguimos fazer nada que não seja em benefício próprio. Os cabalistas dizem que uma oração sem a motivação correta é como um corpo sem alma, pois as ações pertencem ao corpo e os pensamentos à alma.
Se ainda não corrigimos os nossos pensamentos (a alma), que são a razão pela qual realizamos uma ação (o corpo), então a própria ação pode ser considerada espiritualmente morta. Tudo é composto pelo geral e pelo particular. O geral, o espiritualmente morto (domem ou ‘inanimado’), demonstra que, para a maioria das pessoas, pode existir apenas um movimento geral, mas não um movimento espiritual particular, pois não sentem uma necessidade interior para tal.
Por conseguinte, não há crescimento particular e individual, apenas um crescimento geral em conformidade com a Providência geral vinda do Alto. Por esta razão, as massas percebem-se sempre como corretas e perfeitas.
Ser espiritualmente orgânico (tzomeach ou ‘Vegetativo’) significa que os indivíduos possuem um nível único de movimento e desenvolvimento interior. Neste momento, a pessoa passa a ser conhecida como Homem, ou Adam, como está escrito na Bíblia: "Adam – uma árvore num campo."
Uma vez que o crescimento espiritual exige avançar e que o movimento só pode ocorrer quando se sente a falta de algo, o Homem está constantemente consciente dessas carências, que o levam a procurar formas de crescer.
Se o Homem para em qualquer nível do seu desenvolvimento espiritual, então a sua perceção é rebaixada. Isto tem como propósito incentivá-lo a mover-se, em vez de permanecer imóvel.
Se, posteriormente, volta a elevar-se, fá-lo para um nível mais alto do que antes.
Como resultado, ou se sobe ou se desce, mas nunca se permanece imóvel, pois esse estado não é característico do Homem. Apenas aqueles que pertencem às massas permanecem parados e não podem cair dos seus níveis; por isso, nunca experienciam a queda.
Imaginemos mentalmente uma linha horizontal que divide o espaço. Acima da linha está o mundo espiritual. Abaixo da linha está o mundo egoísta. Apenas aqueles que escolhem agir contra a sua razão podem existir acima da linha.
Esses indivíduos rejeitam a razão terrena, mesmo que esta lhes dê a oportunidade de conhecer e ver tudo. Preferem avançar de olhos fechados, através da fé, e procurar o espiritual (o altruísmo em vez do egoísmo).
Cada nível espiritual é definido pelo nível de altruísmo presente nele. Ocupamos o nível espiritual que corresponde às nossas qualidades espirituais. Aqueles que estão acima da linha conseguem perceber o Criador. Quanto mais alto acima da linha estivermos, maior será a capacidade de perceção.
A posição mais elevada ou mais baixa é determinada pelo Masach [Tela] dentro de cada um de nós. Este Masach [Tela] reflete o prazer egoísta direto que pode ser retirado da Luz do Criador. A Luz acima da linha chama-se "Torá". O Masach [Tela], ou a linha que separa o nosso mundo do mundo espiritual, é chamado de Machsom [Barreira].
Aqueles que atravessam essa barreira nunca mais descem espiritualmente ao nível do nosso mundo. Abaixo da linha encontra-se o domínio do egoísmo, enquanto acima da linha está o domínio do altruísmo.

Avançar Rumo ao Prazer Altruísta

Atzilut é o mundo da perceção completa e da unificação com o Criador. Um indivíduo eleva-se gradualmente até ao mundo de Atzilut, adquirindo qualidades altruístas. Quando atinge este mundo, tendo adquirido plenamente a capacidade de "dar", mesmo estando no seu nível mais baixo, começa a "receber pelo benefício do Criador".
Não destruímos o nosso desejo de experienciar prazer, mas sim alteramos a nossa essência ao mudar o motivo pelo qual procuramos esse prazer. Ao substituir gradualmente o egoísmo pelo altruísmo, conseguimos elevar-nos até recebermos tudo aquilo a que temos direito, de acordo com a raiz da nossa alma (shoresh neshama), que originalmente fazia parte do último nível (malchut) do mundo de Atzilut.
Como resultado das correções que realizamos em nós próprios, as nossas almas elevar-se-ão até um estado de unificação total com o Criador e, nesse processo, receberemos 620 vezes mais Luz do que aquela que possuíamos antes de entrarmos no corpo físico humano.
Toda a Luz, todo o prazer que o Criador deseja conceder às Suas criaturas, é conhecido como a "alma comum" de todas as criações (Shechina). A Luz destinada a cada um de nós (a alma de cada um) faz parte dessa alma comum. Cada um de nós deve receber essa parte à medida que corrige os seus desejos.
Podemos perceber o Criador (a nossa própria alma) apenas depois de termos corrigido o nosso desejo de prazer.
Esse desejo é conhecido como o "vaso da alma" (kli). Ou seja, a alma é composta pelo Kli [vaso] e pela Luz, que provém do Criador.
Quando tivermos substituído completamente o Kli [vaso] egoísta por um altruísta, este vai fundir-se totalmente com a Luz, pois terá adquirido as suas características.
Assim, podemos tornar-nos iguais ao Criador e unir-nos plenamente às Suas qualidades, experienciando tudo o que existe na Luz e que a preenche.
Não há palavras para descrever esse estado. Por esta razão, é dito que a soma de todos os prazeres deste mundo não passa de uma centelha do fogo infinito da alegria que a alma experiencia na sua unificação com o Criador.
Podemos ascender na escada espiritual apenas de acordo com a lei da linha do meio (kav emtzai). Este princípio pode ser resumido da seguinte forma: "Aquele que está feliz com o que tem é considerado rico."
Devemos estar satisfeitos com o entendimento que temos daquilo que estudamos na Cabala. O mais importante é compreendermos que, ao estudar Cabala, começamos a praticar boas ações perante o Criador. Quando realizamos a Sua Vontade, sentimo-nos como se a tivéssemos cumprido ao máximo.
Essa sensação concede-nos uma felicidade imensa, e sentimo-nos como se tivéssemos recebido o maior presente do mundo. Sentimos isso porque colocamos o Criador como Rei do Universo, muito acima de nós próprios. Por conseguinte, sentimo-nos felizes por termos sido escolhidos, entre bilhões, pelo Criador, que, através dos livros e dos professores, nos informa sobre o que deseja de nós.
Este estado espiritual é conhecido como "o desejo de dar" (hafetz hesed). Neste estado, as qualidades da pessoa coincidem com as qualidades do objeto espiritual conhecido como Bina. No entanto, este estado não representa a perfeição humana, pois não utilizamos a razão durante este processo de autocorreção.
Assim, ainda somos considerados "pobres em conhecimento" (ani be da'at), porque não temos consciência da relação entre as nossas ações e as suas consequências espirituais. Ou seja, agimos sem saber exatamente o que estamos a fazer, guiados apenas pela fé.
Para realizar atos espirituais de forma consciente, temos de investir um grande esforço em compreender que os nossos pensamentos devem ser "para benefício do Criador". Neste ponto, podemos começar a sentir que não estamos a ascender espiritualmente. No entanto, na realidade, cada vez que cumprimos algo, mais se torna evidente que estamos cada vez mais distantes de possuir a intenção correta – agradar ao Criador na mesma medida em que Ele deseja agradar-nos.
Todavia, não devemos criticar demasiado o nosso estado, para além do nível que nos permite permanecer satisfeitos com a perfeição. Este estado é chamado "linha do meio" (kav emtzai). À medida que acumulamos conhecimento com a linha da esquerda (kav smol), podemos alcançar a perfeição total.
Mais uma vez, analisemos o trabalho que ocorre na linha do meio. Devemos iniciar a nossa ascensão espiritual de acordo com a linha da direita, que representa um sentimento de perfeição no espiritual, felicidade com a nossa condição e o desejo de cumprir a Vontade do Criador de forma altruísta e sincera.
Devemos perguntar-nos: "Quanto prazer retiramos da nossa busca espiritual?" Consideramos qualquer quantidade suficiente, pois estamos convencidos de que o Criador controla tudo no mundo e que, seja qual for a nossa experiência durante esta busca, assim deve ser porque é Sua vontade.
Independentemente da nossa condição, esta deve derivar do Criador. Assim, a simples perceção da Sua soberania e da perfeição espiritual é suficiente para nos tornar felizes, dar-nos um sentido de perfeição e levar-nos a agradecer ao Criador.
No entanto, este estado carece da linha da esquerda, onde analisamos a nossa própria condição (heshbon nefesh). Esta tarefa interna é oposta ao trabalho realizado na linha da direita, onde o foco principal está em glorificar o espiritual e o Criador, sem considerar a nossa própria condição.
Quando começamos a examinar a seriedade da nossa atitude perante o espiritual e a proximidade da perfeição, torna-se evidente que ainda estamos mergulhados num egoísmo mesquinho e incapazes de fazer o mínimo esforço pelos outros ou pelo Criador. Ao descobrir o mal dentro de nós, devemos esforçar-nos para o expulsar e aplicar todos os nossos recursos nesta tarefa.
Devemos também orar ao Criador para obter ajuda assim que percebemos que não conseguimos transformar-nos sem auxílio. Desta forma, surgem duas linhas opostas dentro da pessoa.
Pela linha da direita, sentimos que tudo está nas mãos do Criador e, portanto, tudo é perfeito. Assim, não desejamos mais nada e, consequentemente, estamos felizes.
Pela linha da esquerda, não sentimos qualquer interesse pelo espiritual, não temos perceção de progresso espiritual e continuamos aprisionados na casca do nosso ego, tal como antes. Além disso, não pedimos ao Criador ajuda para sair desse estado. Quando descobrimos o mal dentro de nós, decidimos prescindir do nosso raciocínio, pois este tenta dissuadir-nos de prosseguir na difícil tarefa de corrigir o egoísmo.
Ao mesmo tempo, devemos continuar a agradecer ao Criador pelo nosso estado atual, acreditando sinceramente que esse estado é verdadeiramente perfeito. Devemos também manter a mesma felicidade que tínhamos antes de avaliarmos o nosso estado.
Se conseguirmos seguir este caminho, avançaremos pela linha do meio. Assim, é crucial evitar tornar-nos demasiado críticos de nós próprios ao seguirmos excessivamente a linha da esquerda.
É igualmente importante mantermo-nos no estado de contentamento da linha do meio. Só assim conseguiremos entrar plenamente no domínio espiritual.
Existem dois níveis de desenvolvimento humano: animal e ser humano. (Não devem ser confundidos com os quatro níveis de desejo).
Na natureza animal, um ser nasce e continua a viver no mesmo estado ao longo da sua existência, sem desenvolvimento. As qualidades que lhe são atribuídas no nascimento são suficientes para toda a sua vida.
O mesmo acontece com a pessoa que permanece nesse nível de desenvolvimento – alguém que se mantém inalterado desde a sua infância. Todas as mudanças que ocorrem na sua vida são apenas quantitativas, sem transformação interior.
Porém, o mesmo não se aplica ao verdadeiro ser humano. Nesta condição, a pessoa nasce egoísta. Em determinado momento, descobre que o egoísmo domina a sua vida e, como resposta, aspira a corrigir esta falha.
Se alguém deseja realmente alcançar a revelação do Criador, então deve cumprir a seguinte condição:
1) Esse desejo deve ser o mais forte de todos, sem que existam outros a competir com ele. Além disso, deve ser um desejo permanente, pois o Criador é eterno e a Sua vontade de doar o bem é constante. Assim, quem deseja aproximar-se do Criador deve assemelhar-se a Ele também nesta qualidade – ou seja, os seus desejos devem ser imutáveis e não variar conforme as circunstâncias.
2) Deve adquirir desejos altruístas e dedicar todos os seus pensamentos e intenções ao Criador. Esse nível é chamado hesed ou katnut. Eventualmente, vai alcançar a Luz da fé, que lhe vai conceder a dádiva da confiança.
3) Deve atingir um conhecimento completo e perfeito do Criador. As consequências das suas ações são determinadas pelo seu nível espiritual. No entanto, não haverá distinção entre os diferentes níveis espirituais se a Luz do Criador brilhar sobre a pessoa. Isto acontece porque o Criador doa simultaneamente o Kli [Vaso] e a Luz da alma ao ser humano, fazendo com que este perceba o conhecimento recebido como perfeito. Normalmente, estamos em total acordo com os nossos corpos: o corpo dita os seus desejos e recompensa-nos pelos nossos esforços, proporcionando-nos prazer. O prazer, em si, é espiritual, mas no nosso mundo precisa de um meio material (como comida, sexo ou música) para que o possamos experienciar. Mesmo quando sentimos prazer puro dentro de nós, não conseguimos separá-lo completamente do seu meio de transmissão.
Diferentes pessoas desfrutam de coisas distintas e de diferentes tipos de portadores de prazer. No entanto, o prazer, em si, é espiritual, ainda que o experienciemos no cérebro como um efeito de impulsos eléctricos.
Teoricamente, é possível simular uma vasta gama de prazeres através da aplicação de impulsos eléctricos ao cérebro. Como estamos habituados a receber diversos prazeres sob a forma dos seus veículos materiais, esse prazer puro vai recriar imagens desses veículos na memória da pessoa, levando o intelecto a gerar música, sabores de comida, entre outros.
Isto demonstra que nós e os nossos corpos nos servimos mutuamente. Assim, quando os nossos corpos aceitam trabalhar, esperam ser recompensados com alguma forma de prazer.
Fugir a sensações desagradáveis pode também ser considerado uma forma de prazer. Qualquer relação entre o trabalho realizado e o prazer recebido (recompensa) é um claro indício de que a pessoa praticou um acto egoísta.
Por outro lado, se a pessoa sente que o corpo resiste e pergunta: "Por que trabalhar?", significa que o corpo não antevê um nível de prazer futuro superior ao que já possui no momento. Pelo menos, não há um aumento de prazer suficiente para superar a tendência a permanecer num estado de repouso. Assim, não vê qualquer benefício em alterar o seu estado.
Mas, se a pessoa decide abandonar as considerações do corpo e concentrar-se na melhoria da condição da alma, então o corpo vai recusar fazer o mínimo movimento, a menos que haja a perspectiva de algum benefício pessoal. A pessoa não vai conseguir forçar o corpo a trabalhar.
Assim, resta apenas uma solução: recorrer ao Criador para obter ajuda no caminho espiritual. O Criador não substitui o corpo da pessoa, nem altera a sua natureza. Ele não realiza milagres para modificar as leis fundamentais da natureza.
No entanto, em resposta a uma oração sincera, o Criador concede à pessoa uma alma – a força para agir segundo os princípios da verdade.
Quando recebemos prazeres egoístas, isso significa que outra pessoa não será feliz enquanto isso acontece.
Isto porque os prazeres egoístas não se baseiam apenas no que possuímos, mas também no que os outros não têm, uma vez que todos os prazeres são comparativos e relativos.
Por esta razão, é impossível construir uma sociedade justa baseada no egoísmo racional. A natureza errónea de tais utopias foi demonstrada ao longo da história, particularmente nas comunidades antigas, na ex-União Soviética e noutras tentativas de estabelecer o socialismo.
É impossível satisfazer todos os membros de uma sociedade egoísta, pois os indivíduos comparam-se sempre uns aos outros. Isto observa-se claramente em pequenas comunidades.
Assim, o Criador, que está sempre disposto a conceder prazer ilimitado a todos, estabeleceu uma condição: esse prazer não deve estar limitado pelos desejos do corpo. O prazer deve ser recebido apenas nos desejos que são independentes dos desejos corpóreos. Estes são conhecidos como "altruístas" (ashpa’ah).
A Cabala é uma sequência de raízes espirituais que se desenvolvem umas das outras segundo leis imutáveis, convergindo todas para um único propósito comum: a compreensão da grandeza e da sabedoria do Criador, pelas Suas criações, neste mundo.
A linguagem Cabalística está intimamente relacionada com os objetos espirituais e as suas ações. Por isso, só pode ser estudada ao examinar o processo da criação. A Cabala aborda certas questões que apenas são reveladas àqueles que procuram a percepção espiritual:
Na espiritualidade, não existe o conceito de tempo, mas apenas uma cadeia de causa e efeito, onde cada efeito se torna, por sua vez, a causa do efeito seguinte – a criação de um novo acto ou objecto.
Na verdade, mesmo no nosso mundo, aquilo a que chamamos tempo é apenas a nossa percepção dos processos internos de causa e efeito. A ciência também defende que tanto o tempo como o espaço são conceitos relativos.
Um lugar, ou espaço, corresponde ao desejo de prazer. Uma ação é o ato de receber prazer ou de o rejeitar.
"No princípio", ou seja, antes da criação, nada existia senão o Criador. Ele não pode ser designado por qualquer outro nome, pois qualquer nome implica uma certa percepção do objecto. No entanto, a única coisa que percebemos Nele é o facto de Ele nos ter criado. Assim, apenas podemos referir-nos a Ele como nosso Criador, Aquele que nos Fez, etc.
O Criador transmite Luz. A Luz representa o Seu desejo de gerar uma criação e dotá-la da sensação de prazer que advém Dele. A única qualidade da Luz que emana do Criador dá-nos uma base através da qual podemos julgá-lo.
Mais precisamente, a percepção da Luz não nos permite fazer juízos sobre o Criador em Si, mas apenas sobre as percepções que Ele quer despertar em nós.
Por esta razão, referimo-nos a Ele como Alguém que deseja proporcionar-nos prazer.
O prazer não deriva da Luz em si própria, mas sim do efeito que esta Luz produz nos nossos "órgãos de sensação espiritual".
Da mesma forma, um pedaço de carne não contém, em si, o prazer que sentimos ao saboreá-lo. Apenas através do contacto com os nossos órgãos sensoriais um objecto pode gerar em nós as sensações correspondentes de prazer.
Assim, qualquer ato – seja espiritual ou físico – consiste sempre em dois elementos: um pensamento e uma ação que incorpora esse pensamento.
O pensamento do Criador é doar prazer às Suas criações. Consequentemente, Ele concede-nos prazer.
Este ato é denominado "dar por amor a dar". É considerado um ato simples, porque o seu propósito está alinhado com a sua direcção.
A criação foi gerada com uma natureza egoísta, o que significa que não temos outro objectivo senão alcançar o prazer. Podemos envolver-nos tanto em receber como em dar, no âmbito da busca pelo que desejamos, mas o nosso objectivo final é sempre receber, mesmo que fisicamente demos algo a outra pessoa.
Se um ato tem a mesma direcção que o seu objectivo – ou seja, se o resultado da ação é receber e o objectivo final é também receber – então tal acto é chamado de "acto simples". Se, por outro lado, a direcção da ação é dar, mas o objectivo final é receber, então o acto é denominado "acto complexo", pois o seu propósito e a sua direcção divergem nas intenções.
Não conseguimos imaginar os desejos e os efeitos dos nossos desejos para além do espaço. Por isso, só conseguimos imaginar o Criador como uma Força espiritual que preenche um determinado espaço. Os cabalistas afirmam que o Criador originalmente concebeu os seres humanos com a capacidade de realizar apenas actos simples. No entanto, ao longo do tempo, complicamos esse desígnio original.
Quanto mais subimos na escada espiritual, mais simples se tornam as leis da criação, pois as categorias fundamentais são simples e não complexas.
No entanto, como não conseguimos perceber a origem da criação e apenas vemos as suas consequências mais distantes, encaramos as leis da criação no nosso mundo como sendo compostas por condições e limitações, tornando-as aparentemente complicadas.
Os livros autênticos da Cabala contêm uma Luz oculta, que emana dos seus autores no momento da escrita. Por esta razão, é essencial ter a intenção correcta ao estudar tais obras, ou seja, o desejo de perceber o Criador. Também é muito importante, durante o estudo, orar para receber o intelecto e o entendimento espiritual que o autor possuía. Assim, podemos criar um laço com ele e direcionar-lhe os nossos pensamentos.
Por isso, deve evitar-se a leitura de obras de outros autores, especialmente aqueles que também tratam dos mundos espirituais. Isto porque esses autores podem influenciar o leitor de maneira indesejada.
Se desejamos adquirir conhecimento espiritual, devemos estabelecer uma rotina diária especial, protegendo-nos de influências externas, notícias irrelevantes e livros prejudiciais.
Também devemos evitar contacto desnecessário com outras pessoas, exceto quando for indispensável para o trabalho ou para o estudo. Isto não significa afastar-se deliberadamente dos outros, mas sim manter um controlo contínuo sobre os nossos pensamentos. Quando necessário, podemos pensar no nosso trabalho. O restante tempo deve ser dedicado à reflexão sobre o propósito da vida.
Alcançar o propósito da vida depende mais da qualidade do esforço do que da sua quantidade. A pessoa pode passar dias inteiros a estudar os livros, enquanto outra pode dedicar apenas uma hora por dia aos seus estudos, devido às exigências do trabalho e da família.
Qualquer esforço deve ser medido em relação ao tempo livre disponível e pelo nível de sofrimento que se sente pela falta de tempo para se dedicar ao espiritual. O resultado é diretamente proporcional à intensidade da intenção: descobrir o objetivo de dedicar tempo ao estudo e à auto-correção.
Há duas formas de alimentar uma criança. Um método é de forma forçada. Isto não dá prazer, mas ainda assim fornece o alimento necessário para crescer e fortalecer-se. Na Cabala, este tipo de nutrição espiritual é chamado "por conta do Superior".
No entanto, a “criança” pode desejar crescer espiritualmente e escolher a nutrição espiritual de forma independente. Isto acontece depois de desenvolver apetite (ao perceber a necessidade ou ao experienciar o prazer da Luz). Neste caso, não só cresce espiritualmente, como também desfruta do processo de viver, ou seja, do desenvolvimento da percepção espiritual.
Uma forte sensação causada pela consciência do bem e do mal é chamada, na Cabala, de "processo de nutrição". Tal como uma mãe levanta o bebé ao peito para o alimentar, o Cabalista recebe a Luz contida num Nível Espiritual Superior, permitindo-lhe ver e sentir claramente o abismo entre o bem e o mal.
Depois, tal como a mãe afasta o bebé do seu peito, o Cabalista perde a ligação com a Fonte Superior e deixa de distinguir claramente o bem e o mal. Este processo é desenhado para levar a pessoa a orar ao Criador, para que Ele lhe conceda a capacidade de percepção espiritual (kelim) do bem e do mal, tal como acontece num nível mais elevado.
Recebemos tanto o egoísmo como o altruísmo do Alto. No entanto, a diferença está no facto de que os seres humanos recebem os desejos egoístas ao nascer, enquanto que os desejos altruístas têm de ser pedidos insistentemente.
Primeiro, devemos alcançar um estado em que queremos "agradar ao Criador", da mesma forma que o Criador nos agrada, independentemente dos nossos desejos egoístas (ascendendo nos níveis dos mundos BYA – Beria, Yetzira, Assiya). Depois, devemos determinar o que agrada ao Criador.
Então, veremos que só podemos agradar ao Criador ao experienciar prazer. A isto chama-se "receber pele Benefício do Criador", o que corresponde ao nível espiritual do mundo de Atzilut.
A obtenção dos diferentes níveis de intensidade do desejo de dar desinteressadamente ao Criador é chamada "as etapas dos mundos BYA". Já a aquisição da capacidade de receber prazer do Criador para o Seu benefício é conhecida como "alcançar o nível do mundo de Atzilut".
O Beit Midrash é o lugar onde aprendemos a exigir (lidrosh) força espiritual do Criador. Lá, também aprendemos a pedir a percepção do propósito da criação e do próprio Criador. Como os nossos corpos e o nosso egoísmo tendem naturalmente para tudo o que é maior e mais forte do que nós, devemos orar para que o Criador Se revele a nós e nos deixe ver a nossa própria insignificância em comparação com a Sua grandeza. Assim, seremos naturalmente levados a procurar o Criador, como quem busca o maior e o mais forte.
O que mais importa é a importância que atribuímos à nossa busca espiritual. Por exemplo, os ricos podem trabalhar arduamente apenas para que os outros os invejem. Mas se a riqueza deixasse de ter importância, já não seriam invejados e, por isso, não teriam mais incentivo para trabalhar. 
Assim, a coisa mais importante é compreender a importância de perceber o Criador. Nunca chegará um momento em que alguém possa alcançar o mundo espiritual sem esforço, pois esses esforços são os Kelim [Vasos] para a Luz.
Antes de o Cabalista Ari ter introduzido as suas correções neste mundo, era de certa forma mais fácil alcançar o espiritual. No entanto, depois de Ari ter aberto o caminho para a compreensão do espiritual, tornou-se muito mais difícil renunciar aos prazeres deste mundo.
Antes de Ari, os caminhos espirituais estavam fechados e não havia uma preparação real, vinda do Alto, para conceder a Luz às criações. Ari abriu ligeiramente a fonte da Luz, o que tornou mais difícil a luta contra o egoísmo; na verdade, o egoísmo tornou-se mais forte e mais sofisticado.
Isto pode ser ilustrado de forma esquemática pelo seguinte exemplo: suponhamos que, antes da época de Ari, era possível obter 100 unidades de compreensão. Cada esforço correspondente a 1 unidade resultava numa percepção de 1 unidade. Hoje, depois das correcções introduzidas por Ari no mundo, pode-se obter 100 unidades de percepção com apenas 1 unidade de esforço, mas esse 1 único esforço tornou-se incomparavelmente mais difícil de realizar.
O Rabino Yehuda Ashlag (Baal HaSulam) introduziu correções no mundo que impedem um indivíduo de se enganar a si próprio, pensando que é perfeito. Agora, é necessário seguir o caminho da fé acima da razão. Embora o caminho tenha ficado mais claro, esta geração é incapaz de realizar o mesmo nível de esforço – tanto em quantidade como em qualidade – que as gerações anteriores conseguiam. Isto, apesar do facto de que, actualmente, a percepção das próprias falhas se tornou mais evidente.
No entanto, esta geração não atribui ao espiritual a importância que lhe é devida, ou seja, não o coloca acima do material, como faziam as gerações passadas, nas quais a maioria das pessoas estava disposta a fazer qualquer coisa pela ascensão espiritual.
O Cabalista Baal Shem-Tov introduziu uma correção significativa no mundo, permitindo que até as massas sentissem um ligeiro aumento da espiritualidade no mundo. Durante algum tempo, aqueles que desejavam o espiritual encontraram-no mais acessível.
Para selecionar estudantes dignos para o seu grupo cabalístico, Baal Shem-Tov instituiu a admorut, uma estrutura que dividia a sociedade judaica em secções, cada uma sob a liderança espiritual de um cabalista. Esses líderes (admorim) escolhiam indivíduos que consideravam aptos para estudar a Cabala nas suas aulas privadas (heder), onde se dedicavam a formar a próxima geração de Cabalistas e líderes espirituais do povo.
Contudo, o efeito da correção introduzida por Baal Shem-Tov dissipou-se ao longo do tempo. Atualmente, nem todos os líderes são cabalistas ou possuem a capacidade de perceber o Criador. Após a partida de Baal HaSulam, o nosso mundo entrou num estado de degradação espiritual, o que sempre precede uma elevação futura.
Percebermo-nos como seres criados significa compreender que estamos separados do Criador. Dado que a nossa natureza egoísta nos leva a afastar-nos instintivamente de tudo o que nos causa sofrimento, o Criador usa isso para nos conduzir ao bem. Ele retira o prazer do mundo material que nos rodeia e permite que experienciemos prazer apenas através de atos altruístas. Este é o caminho do sofrimento, um processo através do qual, gradualmente, somos conduzidos à verdadeira realização espiritual.