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Capítulo 10. Contrariar o Desejo de Benefício Próprio

O nosso sentido da audição é chamado “fé”, porque, se quisermos aceitar como verdade aquilo que ouvimos, devemos acreditar no que escutamos. A visão é chamada “conhecimento”, pois não precisamos de aceitar nada por confiança, já que podemos ver com os nossos próprios olhos. No entanto, até recebermos as qualidades altruístas do Alto, somos incapazes de ver, pois tudo o que percecionamos é através dos nossos sentidos egoístas.
Isto torna ainda mais difícil libertarmo-nos do egoísmo. Por isso, no início, devemos caminhar às cegas, superando aquilo que o nosso ego nos diz para fazer. Depois, ao adquirirmos fé, começaremos a alcançar um conhecimento superior.
Para substituirmos o nosso egoísmo pelo altruísmo, e a nossa razão pela fé, devemos verdadeiramente apreciar a grandeza e a magnificência do espiritual, em comparação com a nossa existência material, efémera e insignificante. Devemos compreender quão irrelevante é servir-nos a nós próprios, em comparação com servir o Criador.
Devemos também reconhecer quanto mais benéfico e agradável é agradar ao Criador do que satisfazer os nossos insignificantes egos (os nossos corpos). O ego, na verdade, nunca pode ser saciado e apenas nos recompensa com prazeres fugazes.
Ao compararmos o corpo humano com o Criador, devemos decidir para quem devemos trabalhar, a quem devemos servir. Não há outra alternativa. Quanto mais compreendermos a nossa própria insignificância, mais fácil será escolher o Criador.
Existem quatro níveis do desejo de receber: inanimado, vegetativo, animal e falante.
O nível inanimado representa a completude. A sensação de perfeição tem origem na Luz circundante que brilha ao longe, e essa Luz distante ilumina os seres do nosso mundo, mesmo que as qualidades deste mundo sejam opostas às do Criador.
Da mesma forma, aquele que é espiritualmente inanimado mantém a sua existência tal como está. Esta pessoa tem os mesmos desejos que os outros semelhantes a si e é incapaz e não deseja fazer qualquer esforço espiritual próprio.
Tal como o mundo vegetativo é construído sobre a base da natureza inanimada, também o mundo espiritual exige uma base inanimada prévia. O ser humano não tem outra escolha senão começar pelo nível inanimado.
No entanto, aqueles que desejam ascender do nível espiritual inanimado devem encontrar uma nova motivação para substituir o que antes os impulsionava a agir: o hábito, a educação e o meio envolvente.
Quem deseja evoluir, ganhar vida espiritual e progredir espiritualmente de forma independente recusa-se a seguir cegamente os outros. Avança independentemente da opinião alheia, dos hábitos ou da educação da sociedade.
Esta decisão de parar de executar atos mecânicos dá origem à raiz de um novo estado espiritual orgânico. Tal como uma semente deve primeiro decompor-se na terra para poder crescer, também uma pessoa deve deixar de sentir qualquer vida espiritual entre as massas inanimadas. Em vez disso, a existência inanimada deve ser percecionada como morte. Esta sensação, por si só, vai constituir uma oração por mudança.
Para nos tornarmos seres vegetativos e capazes de crescimento espiritual individual, devemos realizar vários tipos de trabalho interior, começando por "lavrar" o solo inanimado. O progresso espiritual só pode ser alcançado contrariando os nossos desejos de gratificação própria.
Assim, se aspiramos a avançar em direção ao Criador, devemos verificar regularmente os nossos desejos e decidir quais os prazeres que podemos aceitar. Uma vez que o Criador deseja proporcionar prazer às Suas criaturas, devemos aceitar certos prazeres.
No entanto, devemos excluir todos os prazeres que não sejam para o benefício do Criador. Na linguagem da Cabala, isto pode ser descrito da seguinte forma:
A nossa força de vontade, um Masach [Tela] localizado no intelecto (peh de rosh), calcula a quantidade de prazer que podemos experienciar de forma a trazer alegria ao Criador e em conformidade com o nosso nível exato de amor por Ele. Podemos experienciar precisamente essa quantidade.
Contudo, qualquer outro prazer que experienciamos sem que seja para o benefício do Criador não é por temor de O desagradar.
Assim, as nossas ações devem ser determinadas pelo desejo de agradar ao Criador, e não pelo desejo de nos aproximarmos d’Ele ou pelo receio de nos afastarmos d’Ele. Estes últimos são considerados aspirações egoístas, em comparação com o amor altruísta e incondicional.
O desejo de agradar ao Criador ou o receio de O desagradar representam anseios altruístas. Sentimos emoções intensas como alegria, tristeza, prazer e medo com todo o nosso corpo, e não apenas com uma parte dele. Se quisermos avaliar os nossos desejos, devemos determinar se todas as partes do nosso ser estão em concordância com os nossos pensamentos.
Por exemplo, ao orar, devemos garantir que todos os nossos pensamentos, desejos e órgãos do corpo estão alinhados com o que estamos a dizer. Devemos também estar atentos para perceber se estamos apenas a proferir palavras mecanicamente, sem prestar atenção ao seu verdadeiro significado.
Uma “leitura mecânica” ocorre quando tentamos evitar o desconforto que resulta de um conflito entre o nosso corpo e o significado da oração. Pode também surgir da falta de compreensão sobre como a oração pode ser benéfica quando deriva de petições pronunciadas automaticamente a partir de um livro de orações.
Vale a pena perguntar ao nosso coração pelo que deseja orar.
Uma oração não é aquilo que os nossos lábios dizem mecanicamente, mas sim o que o nosso corpo e a nossa razão desejam verdadeiramente.
Por isso se diz que “a oração é o trabalho do coração”, o que significa que o coração está em absoluta sintonia com as palavras que os lábios proferem.
Apenas se trabalharmos com todo o nosso ser receberemos uma resposta interior, demonstrando que nenhum órgão deseja libertar-se do egoísmo ou pedir ao Criador ajuda nesse esforço. Só então poderemos dirigir uma oração sincera ao Criador, pedindo redenção do nosso exílio espiritual.
Devemos esforçar-nos para que a razão por detrás de um ato corresponda ao próprio ato mecânico de cumprir a Vontade do Criador. Tal como o corpo age como um autómato, cumprindo a Vontade do Criador sem compreender a sua razão ou sem ver qualquer benefício imediato, também a motivação para cumprir a Sua Vontade deve ser simplesmente: “porque essa é a Vontade do Criador.”
Existe uma forma simples de verificar a motivação por detrás de um ato. Se for “para o benefício do Criador”, então o corpo da pessoa é incapaz de fazer sequer o menor movimento. No entanto, se for para benefício próprio, seja neste mundo ou no próximo, então, quanto mais a pessoa pensar na sua recompensa, mais energia vai despender para agir.
Tudo isto torna claro que é a nossa intenção (kavana) que determina a qualidade dos nossos atos. O aumento da quantidade das nossas ações não melhora necessariamente a sua qualidade.
Tudo o que acontece ocorre sob a influência das forças espirituais superiores. E nós, aqui no nosso mundo, há séculos que observamos a relação de causa e efeito dessas forças espirituais.
A pessoa que consegue prever as consequências dos acontecimentos e, assim, antecipar e evitar resultados indesejáveis, é chamada de “Cabalista.” O nosso mundo é o mundo das manifestações consequenciais das forças espirituais, enquanto o verdadeiro palco da interação entre essas forças encontra-se acima e para além da nossa perceção.
Apenas um Cabalista tem a capacidade de prever os acontecimentos antes de se manifestarem neste mundo, e, possivelmente, até impedir a sua ocorrência.
No entanto, como todos estes acontecimentos nos são enviados para que possamos corrigir-nos, e como essa correção é necessária para atingirmos o objetivo final da criação, ninguém pode ajudar-nos neste caminho a não sermos nós próprios.
O Criador não nos envia sofrimento, mas sim os meios necessários para acelerarmos o nosso progresso espiritual. Um Cabalista não é um feiticeiro que realiza milagres, mas sim alguém cuja missão é ajudar a humanidade em geral, auxiliando-nos a elevar a nossa consciência ao nível necessário para iniciar o processo de autocorreção.
Por fim, o Cabalista pode ajudar individualmente aqueles que desejem essa orientação.
Não temos qualquer poder sobre os nossos corações, por mais fortes, inteligentes ou capazes que possamos ser. Por isso, tudo o que podemos fazer é realizar mecanicamente boas ações e implorar ao Criador que substitua os nossos corações por novos. (Na Cabala, a palavra "coração" refere-se, geralmente, a todos os nossos desejos).
Tudo o que nos é exigido como indivíduos é que tenhamos um grande desejo, em vez de múltiplos desejos dispersos. O desejo que sentimos no coração é, em si, uma oração. Assim, um desejo profundo e sincero não deixa espaço para os outros.
Só podemos criar este grande desejo no nosso coração através de esforços persistentes e contínuos. No processo, teremos de superar inúmeros obstáculos. Devemos avançar, mesmo quando nos apercebemos claramente de que estamos longe do objetivo e de que o nosso estudo da Cabala ainda é motivado pelo nosso próprio benefício e não pelo Criador.
Os obstáculos a superar incluem:
O argumento do corpo de que é fraco;
O conflito entre os esforços espirituais e os desejos egoístas;
A crença de que, no momento certo, o Criador trará o resultado desejado, tal como nos trouxe até este estado;
A ideia de que devemos testar os nossos progressos, tal como tudo o resto deve ser testado;
A sensação de que a nossa situação piorou desde que começámos a estudar Cabala;
A crença de que os outros estão a evoluir mais do que nós, levando a queixas, censuras e acusações – vindas tanto de nós mesmos como da nossa família.
Apenas ao superar estas dificuldades se desenvolve um verdadeiro desejo pela espiritualidade. E há apenas uma forma de ultrapassar esses obstáculos: anulando o egoísmo, tal como prescrito pela Cabala.
Podemos ignorar as exigências do ego ou responder-lhe: "Vou seguir em frente sem explicações ou testes, pois estes só poderiam basear-se no egoísmo, que devo deixar para trás. E como ainda não desenvolvi outros sentidos espirituais, não posso escutar-te, mas apenas aqueles grandes sábios que já acederam aos mundos superiores e sabem como devemos agir. E se sinto que o meu coração se está a tornar ainda mais egoísta, significa que estou a progredir e que, por isso, mereço que um pouco mais do meu verdadeiro egoísmo me seja revelado pelo Céu."
Em resposta, o Criador vai revelar-se a nós, para que sintamos a Sua grandeza e, involuntariamente, nos tornemos Seus servos. Nesse momento, já não experienciamos as tentações do corpo. Este processo simboliza a substituição do coração "de pedra", que apenas se reconhece a si próprio, por um coração "de carne", que reconhece os outros.