Capítulo 2. O Caminho Espiritual
A nossa necessidade de perceber o Divino leva-nos a não poupar esforços na tentativa de resolver todos os mistérios da natureza, explorando cada detalhe tanto em nós próprios como no nosso ambiente. Mas apenas o anseio por perceber o Criador é um verdadeiro anseio, pois Ele é a origem de tudo e, acima de tudo, é o nosso Criador. Por conseguinte, mesmo que um ser humano existisse sozinho neste mundo, ou noutros mundos, a sua busca pelo autoconhecimento levaria inevitavelmente à busca pelo Criador.
Existem duas linhas que revelam a influência do Criador sobre as Suas criações. A linha da direita representa a Sua Providência pessoal sobre cada um de nós, independentemente das nossas ações. A linha da esquerda representa a Providência sobre cada um de nós em função das nossas ações. Esta representa o castigo pelas más ações e a recompensa pelas boas.
Quando escolhemos um determinado momento para seguir pela linha da direita, devemos dizer a nós próprios que tudo o que acontece no mundo ocorre apenas porque o Criador assim o deseja. Tudo decorre de acordo com o Seu plano, e nada depende de nós.
Deste ponto de vista, não temos nem falhas nem méritos. As nossas ações são determinadas pelas aspirações que recebemos do exterior.
Devemos, portanto, agradecer ao Criador por tudo o que recebemos d’Ele. Além disso, ao tomarmos consciência de que o Criador nos conduz à eternidade, podemos desenvolver sentimentos de amor por Ele. Podemos avançar com uma combinação equilibrada das linhas da direita e da esquerda, apontando exatamente para o meio. Ou seja, só podemos progredir ao longo da linha que se situa exatamente entre as duas.
No entanto, mesmo que iniciemos o caminho a partir de um ponto correto, se não soubermos exatamente como verificar e corrigir continuamente o nosso percurso, acabaremos inevitavelmente por nos desviar. Além disso, se cometermos o mais pequeno erro em qualquer ponto do percurso, esse erro vai aumentar a cada passo que dermos, afastando-nos cada vez mais do objetivo estabelecido.
Antes de as nossas almas descerem a este mundo, fazem parte do Criador, sendo uma pequena centelha d’Ele. Esta centelha é conhecida como a “raiz da alma”. O Criador coloca a alma no corpo para que possa elevar os desejos do corpo ao ascender e fundir-se novamente com o Criador.
Ou seja, a alma é colocada no corpo quando a pessoa nasce neste mundo para superar os desejos do corpo. Ao superar esses desejos, a alma ascende ao mesmo nível espiritual de onde desceu, experimentando prazeres muito maiores do que aqueles que tinha no seu estado inicial, quando fazia parte do Criador. Nesse momento, essa pequena centelha transforma-se num corpo espiritual completo, sendo 620 vezes maior do que a centelha original antes de descer a este mundo.
Assim, no seu estado completo, o corpo espiritual da alma é composto por 620 partes ou órgãos. Cada parte é considerada uma lei espiritual ou um ato espiritual (mitzvá). A Luz do Criador, ou o próprio Criador (que são o mesmo), que preenche cada parte da alma, é chamada de "Torá".
Quando ascendemos a um novo nível espiritual, diz-se que estamos a "cumprir uma lei espiritual".
Como resultado desta elevação, criam-se novas aspirações altruístas, e a alma recebe a Torá, a Luz do Criador.
O verdadeiro caminho para este objetivo segue a linha do meio. Isto implica combinar três conceitos numa só unidade: o ser humano, o caminho a seguir e o Criador. De facto, existem três elementos no mundo: o ser humano, que anseia regressar ao Criador; o caminho que deve seguir para alcançar o Criador; e o Criador, o objetivo para o qual o ser humano se dirige.
Como foi dito muitas vezes, nada existe verdadeiramente exceto o Criador, e nós somos apenas as Suas criações, dotadas de um sentido de existência própria. Reconhecemos isto claramente ao longo da nossa ascensão espiritual.
Todas as nossas percepções, ou melhor, as percepções que julgamos nossas, são apenas respostas aos Atos Divinos que Ele realiza em nós. No fim, aquilo que experienciamos é apenas aquilo que Ele deseja que sintamos.
Enquanto não compreendermos plenamente esta verdade, veremos não um, mas três conceitos separados: o eu, o caminho para o Criador e o próprio Criador. No entanto, quando alcançarmos a etapa final do desenvolvimento espiritual, quando ascendermos ao mesmo nível de onde as nossas almas desceram – só que, desta vez, com todos os nossos desejos corrigidos – poderemos receber o Criador completamente no nosso corpo espiritual.
Nesse momento, vamos receber toda a Luz do Criador e o próprio Criador. Assim, os três elementos que antes existiam separadamente na nossa perceção – nós mesmos, o nosso caminho espiritual e o Criador – fundem-se numa única entidade: o corpo espiritual preenchido de Luz.
Por conseguinte, para garantir que seguimos o caminho correto, devemos fazer verificações regulares enquanto avançamos no caminho espiritual. Isto vai assegurar que aspiramos igualmente a todos os três elementos desde o início, independentemente do facto de os percebermos como separados.
Desde o início, devemos esforçar-nos por unificá-los num só; no fim do caminho, isso será evidente. Na verdade, já o é, embora não consigamos vê-lo dessa forma devido às nossas próprias imperfeições.
Se nos empenharmos mais num dos três elementos do que nos outros, vamos desviar-nos imediatamente do verdadeiro caminho. A forma mais simples de verificar se ainda seguimos o verdadeiro caminho é determinar se estamos a esforçar-nos por compreender as características do Criador para nos tornarmos um com Ele.
"Se eu não for por mim, quem será por mim? E se me preocupar apenas comigo, o que sou eu?" Estas afirmações contraditórias refletem os dilemas que enfrentamos ao considerar os nossos esforços para alcançar um determinado objetivo pessoal. Por um lado, devemos acreditar que não há ninguém a quem possamos recorrer para obter ajuda além de nós próprios, e agir com a certeza de que as nossas boas ações serão recompensadas e as más serão castigadas.
Cada um de nós deve acreditar que as suas próprias ações têm consequências diretas e que construímos o nosso próprio futuro. Por outro lado, devemos também perguntar-nos: "Quem sou eu para conseguir vencer a minha própria natureza sozinho? Mas, ao mesmo tempo, ninguém pode ajudar-me além de mim próprio."
A Providência do Criador
Se tudo acontece de acordo com o plano do Criador, então de que valem os nossos esforços? Como resultado do nosso trabalho, baseado no princípio de recompensa e castigo, adquirimos do Alto um entendimento da governação do Criador. Assim, ascendemos a um nível de consciência onde vemos claramente que é o Criador quem governa tudo e que tudo está predestinado.
Contudo, primeiro temos de alcançar esse estágio, e até o fazermos, não podemos afirmar que tudo está nas mãos do Criador. Além disso, até lá chegarmos, não podemos viver ou agir de acordo com essas leis, pois não é assim que compreendemos o funcionamento do mundo. Portanto, só podemos agir de acordo com as leis que conhecemos.
Somente quando tivermos feito esforços com base no princípio de "recompensa e castigo" nos vamos tornar dignos da confiança plena do Criador. Só então teremos o direito de ver a verdadeira imagem do mundo e o modo como ele opera. E quando chegarmos a esse estado e percebermos que tudo depende do Criador, ansiamos por Ele.
Ninguém pode simplesmente expulsar os pensamentos e desejos egoístas do seu coração, e deixá-lo vazio. Apenas preenchendo o coração com desejos espirituais e altruístas, em vez de desejos egoístas, podemos substituir as antigas aspirações por novas, eliminando assim o egoísmo.
Aqueles que amam o Criador sentem, inevitavelmente, repulsa pelo egoísmo, pois sabem, por experiência própria, o dano que o ego pode causar.
No entanto, podemos não ter os meios para nos libertarmos do egoísmo e, eventualmente, percebemos que está além do nosso poder eliminá-lo, pois foi o Criador quem nos dotou, Suas criaturas, dessa qualidade.
Embora não possamos erradicar o egoísmo pelos nossos próprios esforços, quanto mais cedo percebermos que o egoísmo é o nosso inimigo e o nosso exterminador espiritual, mais forte será o nosso ódio por ele. Com o tempo, esse ódio levará o Criador a ajudar-nos a superar o inimigo; assim, até o nosso próprio egoísmo vai servir para a nossa elevação espiritual.
O Talmude diz: "Criei o mundo apenas para os justos completos e para os pecadores completos." É compreensível que o mundo tenha sido criado para os justos completos, mas por que razão não foi também criado para aqueles que não são nem justos completos nem totalmente pecadores?
Tendemos a perceber a Providência de acordo com o modo como nos afeta. Consideramo-la "boa" e "benévola" quando nos agrada e "dura" quando nos faz sofrer. Ou seja, julgamos o Criador como bom ou mau dependendo da forma como percepcionamos o mundo.
Assim, há apenas duas formas de percebermos a Providência do Criador sobre o mundo. Ou reconhecemos o Criador e vemos a vida como maravilhosa, ou negamos a Sua Providência e assumimos que o mundo é governado por "forças da natureza".
Ainda que possamos reconhecer que a segunda hipótese é improvável, são as nossas emoções, mais do que a nossa razão, que determinam a nossa atitude em relação ao mundo. Assim, quando notamos a disparidade entre as nossas emoções e a nossa razão, começamos a considerar-nos pecadores.
Quando compreendemos que o Criador deseja conceder apenas benefício e bondade, percebemos que isso só é possível aproximando-nos d’Ele. Assim, se nos sentimos distantes do Criador, interpretamos isso como "mau" e consideramo-nos pecadores.
Mas se nos sentimos tão afundados no mal que clamamos ao Criador para nos salvar, pedindo-Lhe que Se revele e nos conceda força para escapar da prisão do nosso egoísmo rumo ao mundo espiritual, então o Criador vai ajudar-nos de imediato.
Foi precisamente para esta condição humana que este mundo e os mundos superiores foram criados.
Quando atingimos o nível de pecador completo, podemos clamar ao Criador e, eventualmente, elevar-nos ao nível dos justos completos.
Assim, só nos tornamos dignos de perceber a grandeza do Criador depois de nos termos libertado de toda a presunção e termos compreendido a insignificância e a baixeza dos nossos desejos pessoais.
Quanto mais importância dermos à proximidade com o Criador, mais O perceberemos e melhor vamos discernir as Suas diversas manifestações e nuances no nosso quotidiano. Este temor profundo e impressionante por Ele vai fazer surgir sentimentos no nosso coração, e, como resultado, vai fluir a alegria.
Podemos ver que não somos melhores do que aqueles que nos rodeiam e, no entanto, percebemos que, ao contrário de nós, os outros não receberam a atenção especial do Criador. Além disso, os outros nem sequer estão cientes de que existe a possibilidade de comunicar com o Criador. Nem tão-pouco se interessam por perceber o Criador ou compreender o significado da vida e do progresso espiritual.
Por outro lado, não nos é claro como merecemos tal relação especial com o Criador, dado que nos é concedida, ainda que ocasionalmente, a oportunidade de nos preocuparmos com o propósito da vida e com o nosso vínculo com o Criador.
Se, nesse momento, conseguirmos apreciar a singularidade da atitude do Criador para connosco, poderemos experienciar uma gratidão e uma alegria sem limites. Quanto mais conseguirmos valorizar o nosso progresso individual, mais profundamente poderemos agradecer ao Criador.
Quanto mais nuances de sensações formos capazes de experienciar em cada ponto e instante de contacto com o Criador, melhor vamos apreciar a grandeza do mundo espiritual que nos é revelado, assim como a magnificência e o poder do Criador omnipotente. Isso vai fortalecer a confiança com que podemos antecipar a nossa futura unificação com Ele.
Ao contemplarmos a imensa diferença entre as características do Criador e as dos seres criados, é fácil concluir que o Criador e os seres criados só podem tornar-se compatíveis se estes alterarem a sua natureza absolutamente egoísta. Isso apenas será possível se os seres criados se anularem, como se não existissem; assim, nada os vai separar do Criador.
Só se sentirmos que, sem receber uma vida espiritual, estamos mortos (como quando a vida abandona o corpo), e só se tivermos um desejo ardente por essa vida espiritual, poderemos receber a possibilidade de entrar nela, de respirar o ar espiritual.
Concretizar a Governação do Criador
How can we rise to a spiritual level where we have completely eradicated self-interest and self-concern? How can our desire to devote ourselves to the Creator become our only goal, so much so that without attaining this goal, we feel as if we were dead?
Como podemos elevar-nos a um nível espiritual onde tenhamos erradicado completamente o interesse próprio e as preocupações pessoais? Como pode o nosso desejo de nos devotarmos ao Criador tornar-se o nosso único objetivo, a ponto de, sem o alcançarmos, sentirmos que estamos mortos?
Essa ascensão ocorre gradualmente e processa-se através de um mecanismo de retroalimentação. Quanto mais esforço fizermos na nossa busca pelo caminho espiritual, tanto no estudo como na imitação de objetos espirituais, mais conscientes nos tornaremos da nossa total incapacidade de alcançar esse objetivo por nós próprios.
Quanto mais estudarmos textos importantes para o nosso desenvolvimento espiritual, mais confuso e desorganizado o material nos parecerá. Quanto mais tentarmos tratar bem os nossos professores e companheiros, se estivermos de facto a avançar espiritualmente, mais claro se tornará que todas as nossas ações são ditadas pelo egoísmo.
Este processo segue o princípio: "Força-o até que ele diga 'eu quero'." Só conseguimos livrar-nos do egoísmo se compreendermos que este conduz à morte, pois impede-nos de alcançar a verdadeira vida eterna, repleta de deleite.
Desenvolver um ódio ao egoísmo vai acabar por nos conduzir à nossa libertação dele.
O mais importante é o nosso desejo de nos entregarmos completamente ao Criador através do reconhecimento da Sua grandeza. (Entregar-se ao Criador significa separar-se do "eu").
Neste ponto, devemos decidir qual é o objetivo mais digno de ser alcançado: valores efémeros ou valores eternos. Nada do que criamos permanece para sempre; tudo é transitório. Apenas as estruturas espirituais, como pensamentos, actos e sentimentos altruístas, são eternas.
Portanto, quando nos esforçarmos por imitar o Criador nos nossos pensamentos, desejos e esforços, estamos, na verdade, a construir a estrutura da nossa própria eternidade. No entanto, a dedicação ao Criador só é possível quando reconhecemos a Sua grandeza.
O mesmo acontece no nosso mundo: se considerarmos alguém como sendo grandioso, sentimo-nos felizes por poder servi-lo. Podemos até sentir que o destinatário do nosso dom nos fez um favor ao aceitá-lo, em vez do contrário.
Este exemplo demonstra que a intenção de uma ação pode transformar a sua forma externa – dar ou receber – no seu oposto. Assim, quanto mais elevado considerarmos o Criador, mais dispostos estaremos a oferecer-Lhe todos os nossos pensamentos, desejos e esforços.
Mas, ao fazê-lo, na realidade sentiremos que estamos a receber, em vez de dar. Sentimos que nos é concedida uma oportunidade de servir, uma oportunidade que só é concedida a uns quantos eleitos em cada geração.