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Capítulo 1. Perceber o Criador

Gerações vêm e vão, mas todas as gerações e cada indivíduo fazem a mesma pergunta sobre o significado da vida. Isto acontece especialmente em tempos de guerra e sofrimento global, e durante períodos de infortúnio que, inevitavelmente, atingem cada um de nós em algum momento das nossas vidas. Qual é o propósito da vida, que nos custa tanto? E não deveria a ausência de sofrimento ser considerada como felicidade?
No Talmude, na "Ética dos Patriarcas", está escrito: “Contra a tua vontade nasceste, contra a tua vontade vives, e contra a tua vontade morrerás.”
Cada geração teve a sua quota de desventuras. Alguns de nós viveram a Depressão, a guerra e as turbulências do pós-guerra. No entanto, vejo a minha geração cheia de problemas e sofrimentos, incapaz de se estabelecer ou de se encontrar.
Neste contexto, a questão do sentido das nossas vidas destaca-se de forma particularmente clara. Por vezes, parece que a vida é mais difícil do que a própria morte; por isso, não surpreende que na "Ética dos Patriarcas" afirmem: "Contra a tua vontade vives…"
A natureza criou-nos, e somos forçados a existir com as qualidades que nos foram impostas. É como se fôssemos apenas seres semi-inteligentes: inteligentes apenas ao ponto de estarmos conscientes de que as nossas ações são determinadas pelas nossas características e qualidades inatas, e que não podemos ir contra elas. Se estamos à mercê da natureza, então é impossível prever onde esta natureza selvagem e irracional nos pode levar.
A nossa natureza é responsável por causar conflitos constantes entre indivíduos e nações inteiras, que, como animais selvagens, estão envolvidos numa luta feroz de instintos. No entanto, subconscientemente, não conseguimos aceitar uma comparação entre nós e os animais primitivos.
Mas, se essa força Divina que nos criou, existe apesar de tudo, porque é que não a percebemos? Porque é que ela se oculta de nós? Pois, se soubéssemos o que Ela quer de nós, não cometeríamos os erros que nos levam a sofrer!
Como a vida seria mais fácil se o Criador não estivesse oculto dos seres humanos, mas fosse claramente percebido e visto por todos nós! Não teríamos dúvidas sobre a Sua existência então. Seríamos capazes de observar os efeitos da Sua Providência no mundo ao nosso redor; compreender a causa e o propósito da nossa criação; ver claramente as consequências das nossas ações e a Sua resposta a elas; discutir todos os nossos problemas num diálogo com Ele; pedir a Sua ajuda; buscar a Sua proteção e conselho; queixar-nos das nossas dificuldades e pedir que Ele nos explique porque nos trata de determinada forma.
Finalmente, consultaríamos o Criador sobre o futuro; estaríamos constantemente em contacto com Ele e corrigir-nos-íamos de acordo com os Seus conselhos. No final, Ele ficaria satisfeito, e nós também seríamos beneficiados.
Assim como uma criança está consciente da sua mãe desde o momento do nascimento, também estaríamos conscientes do Criador. Aprenderíamos o modo correto de viver ao observar as Suas reações às nossas ações, e até mesmo às nossas intenções. Perceberíamos o Criador como estando tão próximo quanto uma mãe, vendo-O como a origem do nosso nascimento, como nosso progenitor e como a causa da nossa existência e de toda a vida futura.
Se assim fosse, não precisaríamos de governos, escolas ou educadores. A existência de todas as nações concentrar-se-ia essencialmente numa coexistência maravilhosa e simples, em prol de uma causa comum aparente a todos: a nossa unificação espiritual com o Criador visível e perceptível.
As ações de cada pessoa seriam guiadas por leis espirituais claras, chamadas “mandamentos”, e todas as obedeceriam porque desobedecer aos mandamentos significaria, obviamente, causar dano a si próprio, como saltar para o fogo ou de um penhasco.
Se pudéssemos perceber claramente o Criador e a Sua Providência, não teríamos dificuldade em realizar mesmo a mais difícil de todas as tarefas, pois o benefício pessoal derivado dessas tarefas seria evidente. Seria como dar todos os nossos bens a um estranho sem hesitar, sem pensar duas vezes sobre o presente ou o futuro.
Isto não seria um problema, pois estar consciente da regra Divina permitir-nos-ia ver os benefícios de agir de forma altruista. Saberíamos que estamos sob o poder de um Criador bondoso e eterno.
Imagine quão natural seria (e quão antinatural e impossível é na atual condição de ocultação Divina) entregar-nos completamente ao Criador, abandonar todos os nossos pensamentos e desejos a Ele, sem reservas, e ser o que Ele quer que sejamos.
Não nos preocuparíamos connosco próprios e não pensaríamos em nós mesmos. Na verdade, deixaríamos de estar conscientes de nós próprios e transferiríamos todos os nossos sentimentos de nós para Ele, tentando aproximar-nos d’Ele e viver pelos Seus pensamentos e pela Sua vontade.
A partir do que foi dito, deve ficar claro que o único elemento em falta no nosso mundo é a nossa percepção do Criador. Alcançar essa percepção deve ser o nosso único objetivo neste mundo. É o único propósito para o qual não devemos poupar esforços, pois só ao percebermos o Criador podemos receber a Sua ajuda. Isso salvar-nos-ia tanto das calamidades desta vida como da morte espiritual, concedendo-nos a imortalidade espiritual sem a necessidade de regressar a este mundo.
O método de buscar a nossa percepção do Criador é conhecido como “Cabala”. A nossa percepção do Criador é chamada de “fé”. Contudo, muitas vezes acreditamos erroneamente que fé significa caminhar às cegas, sem ver ou perceber o Criador.
Na verdade, fé significa exatamente o oposto. Segundo a Cabala, a Luz do Criador que preenche uma pessoa, a Luz da conexão com o Criador, a Luz que dá a sensação de unificação com Ele (ohr hassadim) é conhecida como “a Luz da fé”, ou simplesmente fé.
A fé, a Luz do Criador, dá-nos a sensação de estarmos ligados ao eterno. Ela traz-nos um entendimento do Criador, uma sensação de comunicação completa com Ele, bem como uma sensação de segurança absoluta, imortalidade, grandeza e força. Torna-se claro que a libertação da nossa existência temporal e do nosso sofrimento (causado pela busca inútil de prazeres transitórios) reside apenas em alcançar a fé, através da qual poderemos perceber o Criador.
Em geral, a única causa dos nossos infortúnios e da natureza fútil e efémera das nossas vidas é a nossa incapacidade de perceber o Criador. A Cabala impele-nos em direção a Ele, ensinando-nos: “Prove e veja que o Criador é bom.” O objetivo deste texto é guiá-lo pelos estágios iniciais do caminho para perceber o Criador.

Janela para o Coração

É evidente que, desde a criação do mundo, a humanidade tem sofrido tormentos e dores de tal magnitude que, muitas vezes, superaram a morte em si mesma. Quem, senão o Criador, é a origem desse sofrimento?
Ao longo da história, quantos indivíduos estiveram dispostos a suportar e enfrentar qualquer dor para alcançar sabedoria superior e elevação espiritual? Quantos se sujeitaram voluntariamente a agonias insuportáveis em busca de, pelo menos, uma gota de percepção espiritual e compreensão da Força Superior, ansiando unir-se ao Criador e tornar-se Seu servo?
No entanto, todos viveram as suas vidas sem jamais receberem uma resposta, sem quaisquer resultados visíveis. Deixaram este mundo tal como vieram, sem nada.
Por que o Criador ignorou as suas preces? Por que Se afastou deles e desprezou o seu sofrimento? Todos estes seres humanos pressentiram, de forma subconsciente, que há um propósito superior no universo e em cada acontecimento. Esta perceção é chamada de "gota de unificação" do indivíduo com o Criador.
De facto, apesar do seu mergulho no egoísmo e do tormento insuportável que sentiam ao perceberem a rejeição do Criador, subitamente, experienciaram a abertura de uma janela nos seus corações, que até então permanecera fechada à verdade. Até esse momento, os seus corações eram incapazes de sentir algo para além da sua própria dor e dos seus desejos.
Essa janela revelou-lhes que eram dignos de experienciar e sentir aquela tão desejada "gota de unificação," que penetrava em cada coração através das suas paredes quebradas. Assim, todas as suas qualidades foram transformadas no seu oposto, tornando-se semelhantes às qualidades do Criador.
Foi então que compreenderam que só poderiam unir-se ao Criador nas profundezas do seu sofrimento. Apenas nesse estado conseguiam alcançar a Unicidade com o Criador, pois a Sua Presença estava lá, juntamente com a "gota de unificação" com Ele. No momento em que viveram esta perceção, a Luz tornou-se evidente e preencheu as suas feridas.
Precisamente por causa dessas feridas de perceção e consciência, e devido às terríveis e dilacerantes contradições da alma, o próprio Criador preencheu essas pessoas com uma felicidade tão ilimitada e maravilhosa que nada mais perfeito poderia ser imaginado. Tudo isto foi-lhes dado para que sentissem que o seu sofrimento e a sua agonia tinham valor. Era necessário para que pudessem experienciar a perfeição suprema.
Uma vez alcançado este estado, cada célula dos seus corpos convencia-os de que qualquer pessoa no nosso mundo estaria disposta a passar por tormentos inimagináveis para, pelo menos uma vez na vida, experienciar a bem-aventurança de estar unida ao Criador.
Por que razão, então, o Criador permanece em silêncio face aos apelos humanos pela salvação? Isto pode ser explicado da seguinte forma: as pessoas preocupam-se muito mais com o seu próprio progresso do que com a glorificação do Criador. Assim, as suas lágrimas são vazias, e deixam este mundo tal como entraram nele, sem nada.
O destino final de todos os animais é a erradicação, e aqueles que não percebem o Criador são como animais. Por outro lado, quem se preocupa em glorificar o Criador vai conseguir revelá-lo.
As "gotas de unificação", que cumprem o propósito da criação, fluem para os corações daqueles que se preocupam com a glória e o amor do Criador. Elas fluem para aqueles que, em vez de se queixarem da injustiça da governação Divina, estão completamente convencidos nos seus corações de que tudo o que o Criador fez é, em última análise, para o seu próprio bem.
O espiritual não pode ser dividido em partes separadas; só conseguimos compreender a perfeição gradualmente, uma parte de cada vez, até o compreendermos por completo. Por isso, o sucesso dos nossos esforços espirituais depende da pureza do nosso anseio. A Luz espiritual só flui para as partes dos nossos corações que foram purificadas do egoísmo.
Quando olhamos objetivamente para a natureza da nossa existência e para tudo o que nos rodeia, conseguimos apreciar mais plenamente a maravilha da criação. Segundo os cabalistas, que comunicam diretamente com o Criador, a Sua existência tem importantes implicações para nós. Se o Criador realmente existe, e se Ele gera todas as circunstâncias que afetam as nossas vidas, então nada é mais lógico do que tentar manter o contacto mais próximo possível com Ele.
Contudo, se nos esforçamos e conseguíssemos realmente fazê-lo, iamos sentir-nos como se estivéssemos suspensos no ar, sem qualquer apoio, já que o Criador está oculto da nossa perceção. Sem O vermos, sentirmos, ouvirmos ou recebermos algum tipo de input sensorial, estaríamos envolvidos num esforço unilateral, a gritar para o vazio.
Por que razão, então, o Criador nos fez de tal forma que não O conseguimos perceber? Além disso, por que motivo Ele Se esconderia de nós? Por que, mesmo quando Lhe suplicamos, parece não nos responder, preferindo agir sobre nós de uma forma oculta, dissimulada pela natureza e pelo nosso ambiente?
Se Ele desejasse corrigir-nos, ou seja, corrigir o Seu próprio "erro" na criação, poderia tê-lo feito há muito tempo, direta ou indiretamente. Se Ele Se revelasse a nós, todos O veríamos e apreciaríamos na proporção permitida pelos nossos sentidos e pela inteligência com que nos criou. Certamente, então, saberíamos o que fazer e como agir neste mundo, que supostamente foi criado para nós.
Além disso, paradoxalmente, assim que nos esforçamos por alcançar o Criador, por percebê-Lo, por nos aproximarmos d’Ele, sentimos o nosso anseio pelo Criador desvanecer-se, desaparecer. Mas, se o Criador dirige todas as nossas sensações, por que razão dissolve Ele especificamente este anseio naqueles que desejam percebê-Lo?
E não só: por que coloca Ele todos os tipos possíveis de obstáculos no nosso caminho? Aqueles de nós que tentam aproximar-se, enfrentam frequentemente a Sua rejeição. De facto, Ele pode até infligir anos de sofrimento àqueles que O procuram.
Por vezes, podemos até sentir que o orgulho e a arrogância, dos quais nos dizem que devemos libertar-nos, são infinitamente mais característicos do Criador! Afinal, se o Criador é misericordioso, especialmente para com aqueles que O procuram, por que razão não recebemos uma resposta às nossas lágrimas e apelos?
Se conseguimos alterar algo nas nossas vidas, isso significa que Ele nos deu o livre-arbítrio para o fazer. Mas, por razões que não compreendemos, Ele não nos dotou de conhecimento suficiente para evitar o sofrimento que acompanha a nossa existência e o nosso desenvolvimento espiritual.
Por outro lado, se não existe livre-arbítrio, o que pode ser mais cruel do que nos fazer sofrer sem sentido durante anos neste mundo implacável que Ele criou? Certamente, tais queixas são infinitas. E se o Criador é a causa da nossa condição, então temos muito a criticar e a culpá-Lo, como fazemos quando experienciamos dor e sofrimento.
O Criador vê tudo o que se passa nos nossos corações. Quando estamos insatisfeitos com algo, a sensação de descontentamento pode ser interpretada como uma acusação contra o Criador, mesmo que essa acusação não Lhe seja diretamente dirigida ou mesmo quando não acreditamos na existência do Criador.
Cada um de nós está correto ao manter as suas crenças no estado atual em que se encontra, independentemente de quais sejam essas crenças. Isto porque mantemos apenas aquilo que sentimos ser verdade naquele momento, bem como aquilo que analisamos com as nossas próprias mentes.
Contudo, aqueles de nós que possuem uma vasta experiência de vida sabem o quão drasticamente as nossas perspetivas podem mudar ao longo dos anos. Não podemos dizer que estávamos errados antes e que agora estamos certos; devemos compreender que o ponto de vista de hoje pode revelar-se errado amanhã. Por conseguinte, as conclusões que tiramos de qualquer situação são corretas para essa situação específica; contudo, podem ser diretamente opostas às conclusões que tiramos noutras situações.
Da mesma forma, não podemos avaliar outros mundos ou as suas leis, nem julgá-los com base nos nossos critérios atuais – os critérios do nosso mundo. Não possuímos inteligência ou perceção sobrenatural, e erramos constantemente, mesmo dentro dos limites do nosso próprio mundo. Assim, não podemos tirar conclusões sobre o desconhecido nem julgá-lo.
Apenas aqueles de nós que possuem as qualidades sobrenaturais necessárias podem fazer julgamentos corretos sobre o que existe acima e além do natural. Aqueles que possuem tanto qualidades sobrenaturais como as nossas próprias qualidades podem descrever-nos mais de perto o sobrenatural. Uma pessoa assim é chamada de cabalista – alguém do nosso mundo, criado com as mesmas qualidades que cada um de nós, mas também dotado de outras qualidades vindas do Alto que permitem descrever-nos o que acontece nos outros mundos.
É por isso que o Criador permitiu que certos cabalistas revelassem o seu conhecimento a um grande número de pessoas na sociedade, para ajudar os outros a comunicarem com Ele. Numa linguagem que possamos compreender, os cabalistas explicam que a estrutura e o funcionamento da razão nos mundos espirituais e celestiais baseiam-se em leis que são diferentes – e opostas, na sua essência – às nossas próprias leis.

Fé Acima da Razão

Não há qualquer barreira a separar o nosso mundo do mundo celestial e espiritual. Contudo, segundo as suas propriedades, o mundo espiritual é um “anti-mundo”, e está tão distante da nossa perceção que, após nascermos neste mundo, esquecemos completamente o nosso estado anterior.
Naturalmente, a única forma de percecionarmos este “anti-mundo” é adquirindo a sua essência, a sua razão e as suas qualidades. Como devemos transformar a nossa natureza atual para obtermos uma completamente oposta?
A lei fundamental do mundo espiritual resume-se em duas palavras: “altruísmo absoluto”. Como podemos obter esta qualidade? Os cabalistas sugerem que é necessário passar por uma transformação interior. É apenas através deste ato interno que conseguimos perceber o mundo espiritual e começar a viver em ambos os mundos simultaneamente.
Essa transformação é designada por “fé acima da razão”. O mundo espiritual é altruísta. Todo o desejo e ação que existem nesse domínio não são ditados pela razão humana ou pelo egoísmo, mas pela fé; ou seja, pela existência de uma sensação do Criador.
Se o senso comum é uma ferramenta vital para as nossas ações, parece que não somos capazes de nos libertar completamente do intelecto. No entanto, considerando que o nosso intelecto não nos revela como escapar das circunstâncias que o Criador nos apresenta de forma oculta, ele não nos vai ajudar a resolver os nossos problemas.
Em vez disso, ficaremos à deriva, sem apoio e sem respostas lógicas para o que nos acontece. No nosso mundo, somos guiados apenas pela nossa própria razão. Em tudo o que fazemos, a razão – entendida como cálculo "racional" puramente egoísta – constitui a base de todos os nossos desejos e ações.
A nossa razão calcula a quantidade de prazer que esperamos experienciar e compara-a com a quantidade de esforço necessário para alcançar esse prazer. Depois subtraímos uma da outra para avaliar o custo e decidimos se vamos lutar pelo prazer ou optar pela tranquilidade.
Esta abordagem "racional" ao nosso ambiente é chamada de “fé dentro da razão.” Neste caso, a nossa razão determina a quantidade de fé que estamos dispostos a investir.
Frequentemente, agimos sem qualquer avaliação de benefício ou custo do esforço, como em casos de fanatismo ou comportamento condicionado. Tais atos "cegos" são designados de atos de “fé abaixo da razão”, porque são determinados por uma adesão cega às decisões de outros, em vez de pela razão ou avaliação.
As nossas ações também podem ser ditadas pela educação que recebemos, tornando-se tão enraizadas que devemos fazer um esforço para não agir mecanicamente, por mera força do hábito.
Para fazer a transição entre, seguir as leis do nosso mundo, para seguir as leis do mundo espiritual, devemos cumprir certas condições. Primeiro, devemos abandonar completamente os argumentos da razão e deixar de usar o intelecto para determinar as nossas ações. Como se estivéssemos suspensos no ar, devemos tentar segurar-nos ao Criador com ambas as mãos, permitindo que o Criador, e apenas o Criador, determine as nossas ações.
De forma figurativa, devemos substituir a nossa razão pela do Criador e agir contra a nossa própria razão. Devemos colocar o desejo do Criador acima do nosso. Assim que formos capazes de fazer isto, o nosso comportamento vai representar a “fé acima da razão.”
Concluída a primeira etapa, seremos capazes de perceber tanto este mundo como o mundo espiritual. Subsequentemente, vamos descobrir que ambos os mundos funcionam de acordo com a mesma lei espiritual da “fé acima da razão.”
A nossa disposição para suprimir a nossa razão e sermos guiados apenas pelo desejo de nos entregarmos ao Criador forma o vaso espiritual no qual receberemos toda a nossa compreensão espiritual. A capacidade desse vaso, ou seja, a capacidade da nossa razão espiritual, é determinada pelo nível em que conseguimos suprimir a razão egoísta e terrena.
Para aumentar a capacidade dos nossos vasos espirituais, o Criador coloca obstáculos cada vez maiores no nosso caminho espiritual. Isto fortalece os nossos desejos egoístas, bem como as nossas dúvidas em relação ao controlo do Criador.
Por sua vez, estes obstáculos permitem-nos, gradualmente, superá-los e desenvolver desejos altruístas mais fortes. Assim, temos a oportunidade de aumentar a capacidade dos nossos vasos espirituais.
Se conseguirmos, mentalmente, agarrar-nos ao Criador com ambas as mãos (isto é, ignorar a abordagem crítica da razão humana e rejubilarmos pelo facto de tal oportunidade se ter apresentado) e se conseguirmos sustentar esta condição, ainda que por um instante, veremos quão maravilhoso é o estado espiritual. Este estado só pode ser alcançado quando alcançamos a verdadeira e eterna Verdade.
Esta Verdade não vai mudar no dia seguinte, como acontecia com todas as crenças anteriores, porque agora estamos unidos ao Criador e podemos observar todos os acontecimentos através do prisma da Verdade eterna. O progresso é apenas possível ao longo de três linhas simultâneas e paralelas. A linha direita é a fé; a linha esquerda é a compreensão e o conhecimento.
Estas duas linhas nunca divergem, pois são mutuamente opostas. Por conseguinte, o único modo de as equilibrar é através de uma linha média, que contém simultaneamente as linhas direita e esquerda. Esta linha média representa o comportamento espiritual, onde a razão é usada de acordo com o nível de fé de cada um.
Todos os objetos espirituais estão envolvidos em torno do Criador; são dispostos em camadas ao Seu redor, seguindo a ordem pela qual emergiram d’Ele. Tudo no universo que está disposto ao redor do Criador existe apenas em relação às criações, sendo tudo produto do ser original criado, chamado “Malchut”.
Ou seja, todos os mundos e todas as criações, com exceção do Criador, constituem uma única entidade, Malchut, que é a raiz ou a origem de todos os seres. Malchut acaba por fragmentar-se em muitas pequenas partes de si próprio. A totalidade das partes que constituem Malchut é conhecida como “Shechina”.
A Luz do Criador, a Sua Presença, e o preenchimento divino da Shechina são conhecidos como “Shochen”. O tempo necessário para o preenchimento completo de todas as partes da Shechina é designado como “o tempo da correção.”
Durante este período, os seres criados implementam correções internas nas suas partes  respetivas de Malchut. Cada ser corrige a parte de onde foi criado, ou seja, corrige a sua própria alma.
Até ao momento em que o Criador possa fundir-se plenamente com os seres criados, revelando-Se completamente a eles, ou “até que o Shochen preencha a Shechina”, a condição da Shechina (a raiz das almas) é conhecida como “o exílio da Shechina do Criador” (Galut Ha Shechina).
Neste estado, não existe perfeição nos Mundos Superiores. Mesmo no nosso mundo, o mais baixo de todos, cada ser deve também percecionar plenamente o Criador. Contudo, na maior parte do tempo, estamos ocupados a satisfazer os nossos pequenos desejos pessoais, característicos deste mundo, bem como a seguir cegamente as exigências do corpo.
Existe um estado da alma designado como “Shechina no pó”, quando os prazeres espiritualmente puros são considerados supérfluos e absurdos. Este estado é também descrito como “o sofrimento da Shechina”.
Todo o sofrimento humano provém do facto de sermos compelidos, desde o Alto, a rejeitar completamente o senso comum e a prosseguir cegamente, colocando a fé acima da razão. Contudo, quanto mais conhecimento e razão possuímos, e quanto mais fortes e inteligentes nos tornamos, mais difícil é para nós seguir o caminho da fé. Consequentemente, ao tentarmos rejeitar o nosso senso comum, aumentamos o nosso sofrimento.
Aqueles que escolhem o caminho do desenvolvimento espiritual descrito acima não conseguem aceitar o Criador por completo. No nosso íntimo, condenamos a necessidade de tal caminho; por isso, temos dificuldade em justificar os métodos do Criador. No entanto, não conseguimos sustentar esta condição por um longo período, a menos que o Criador decida ajudar-nos e nos revele o esquema completo da criação.
Quando sentimos que estamos num estado espiritual elevado e que todos os nossos desejos estão concentrados apenas no Criador, estamos prontos para nos aprofundar nos textos apropriados de Cabala e tentar penetrar no seu significado interno. Embora possamos sentir que não conseguimos compreender nada, apesar dos nossos esforços, devemos continuar a voltar ao estudo da Cabala repetidamente, sem desanimar perante a falta de entendimento.
Como podemos beneficiar destes esforços? Na verdade, os nossos esforços para compreender os mistérios da Cabala são equivalentes às nossas orações pedindo ao Criador que Se revele a nós. Este anseio por uma conexão fortalece-se quando procuramos entender os conceitos da Cabala.
A força das nossas orações é determinada pela intensidade do nosso anseio. No geral, quando investimos esforço em alcançar algo, o nosso desejo de o obter aumenta. A força do nosso desejo pode ser avaliada pelo grau de sofrimento que sentimos devido à ausência do objeto desejado. O sofrimento, não expresso em palavras mas sentido apenas no coração, é, em si mesmo, uma oração.
Com base no exposto, podemos reconhecer que apenas após esforços intensos, ainda que infrutíferos, para alcançar o que desejamos, podemos orar com tal sinceridade que acabamos por recebê-lo. Se, durante as nossas tentativas de nos aprofundarmos nos textos, os nossos corações ainda não estiverem completamente livres de pensamentos exteriores, as nossas mentes não serão capazes de se dedicar exclusivamente ao estudo, pois a mente obedece ao coração.
Para que o Criador aceite as nossas orações, estas devem vir das profundezas do nosso coração. Ou seja, todos os nossos desejos devem estar concentrados nessa oração. Por esta razão, devemos mergulhar no texto centenas de vezes, mesmo sem o compreender, até alcançarmos o nosso desejo verdadeiro: ser ouvidos pelo Criador.
Um desejo verdadeiro não deixa espaço para outros desejos. Enquanto estudamos Cabala, examinamos as ações do Criador e, assim, podemos progredir em direção a Ele. Gradualmente, tornar-nos-emos dignos de compreender aquilo que estamos a estudar.
A fé, ou a consciência do Criador, deve ser tal que sintamos que estamos na presença do Rei do Universo. Então, sem dúvida, ficaremos imbuídos das sensações necessárias de amor e reverência. Até alcançarmos tal fé, devemos esforçar-nos continuamente por ela, pois é somente através da fé que poderemos desfrutar de uma vida espiritual e evitar afundar-nos nas profundezas do egoísmo, voltando a ser meros buscadores de prazeres.
A nossa necessidade de nos tornarmos conscientes do Criador deve ser cultivada até se enraizar permanentemente no nosso ser. Deve assemelhar-se a uma atração constante por alguém amado, sem o qual a vida parece insuportável.
Tudo o que nos rodeia tende, deliberadamente, a embotar a necessidade de consciência divina, e sentir prazer em algo externo reduz, instantaneamente, a dor do vazio espiritual. Portanto, enquanto desfrutamos dos prazeres deste mundo, é vital que evitemos que eles eliminem a nossa necessidade de perceber o Criador, pois esses prazeres roubam-nos as sensações espirituais.
O desejo de perceber o Criador é característico apenas dos seres humanos. Contudo, não é verdade que todos os seres humanos o possuam. Este desejo deriva da nossa necessidade de entender o que somos, de compreender-nos a nós mesmos, o nosso propósito no mundo e as nossas origens. É a busca de respostas sobre nós próprios que nos leva a procurar a Origem da vida.