<- Biblioteca de Cabala
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O primeiro princípio no trabalho espiritual é “a fé acima da razão”. Antes de falarmos sobre como implementar a livre escolha, devemos explicar os significados cabalísticos de “fé” e “razão”.


Em quase todas as religiões e sistemas de crenças na Terra, a fé é usada como um meio para compensar o que não podemos ver ou perceber claramente. Ou seja, porque não podemos ver Deus, temos de acreditar que Ele existe. Neste caso, usamos a fé para compensar a nossa incapacidade de ver Deus. Isso é chamado “fé cega”.
Mas a fé é usada como compensação não apenas na religião, mas em praticamente tudo o que fazemos. Como sabemos, por exemplo, que a Terra é redonda? Alguma vez voámos para o espaço para o verificar por nós próprios? Acreditamos nos cientistas que nos dizem que é redonda porque consideramos os cientistas pessoas fiáveis em quem podemos confiar quando dizem que o verificaram. Acreditamos neles; é fé. Fé cega.
Portanto, sempre que não podemos ver por nós próprios, usamos a fé para completar as peças que faltam no quadro. Mas isso não é informação sólida — é apenas fé cega.
Na Cabala, a fé significa exactamente o oposto do que acabámos de descrever. Fé, na Cabala, é uma percepção tangível, vívida, completa, inquebrável e irrefutável do Criador — da lei da vida. Portanto, a única forma de adquirir fé no Criador é tornar-se exatamente como Ele. Caso contrário, como saberemos, sem sombra de dúvida, quem Ele é ou se Ele sequer existe?


Razão

O Dicionário Webster oferece duas definições para o termo “razão”. A primeira definição é “causa”, mas é a segunda definição que nos interessa. Razão, segundo Webster, tem três significados: (1) O poder de compreender, inferir ou pensar, especialmente de forma racional e ordenada. (2) O exercício apropriado do intelecto. (3) A soma dos poderes intelectuais.
Como sinónimos, Webster oferece, entre outros: inteligência, intelecto e lógica.
Agora, leiamos algumas das palavras perspicazes que o cabalista Baruch Ashlag escreveu numa carta a um aluno, explicando a “cadeia de comando” da Criação. Isso esclarecerá porque precisamos de ir acima da razão.

“O desejo de receber foi criada porque o propósito da Criação era fazer o bem às Suas criaturas, e para esse propósito deve haver um vaso para receber o prazer. Afinal, é impossível sentir prazer se não houver necessidade desse prazer, porque sem necessidade, nenhum prazer é sentido.
Este desejo de receber é todo o homem (Adão) que o Criador criou. Quando dizemos que o homem receberá deleite eterno, referimo-nos ao desejo de receber, que receberá todo o prazer que o Criador planeou dar-lhe.
Ao desejo de receber foram dados servos para o servir. Através deles, receberemos prazer. Esses servos são as mãos, as pernas, a visão, a audição, etc. Todos eles são considerados servos do homem. Ou seja, o desejo de receber é o mestre e os órgãos são os seus servos.

“E, como habitualmente acontece, os servos têm entre si um mordomo que supervisiona os servos do mestre, garantindo que trabalhem para o propósito desejado de trazer prazer, pois é isso que o mestre — o desejo de receber — deseja.
Se um dos servos estiver ausente, o prazer relacionado com esse servo também estará ausente. Por exemplo, se alguém for surdo, não poderá desfrutar da música. E se alguém não puder cheirar, não poderá desfrutar da fragrância de um perfume.
Mas se faltar o cérebro (o supervisor dos servos), que é como o capataz que vigia os trabalhadores, todo o negócio colapsará e o dono sofrerá perdas. Se alguém tiver um negócio com muitos empregados, mas faltar um bom gerente, poderá perder em vez de lucrar.
No entanto, mesmo sem o gerente (razão), o chefe (o desejo de receber) ainda está presente. E mesmo que o gerente morra, o chefe continua a viver. Os dois não estão relacionados.”

Conclui-se que, se queremos vencer o desejo de receber e tornarmo-nos altruístas, devemos primeiro superar o seu “chefe de gabinete” — a nossa própria razão. Portanto, “fé acima da razão” significa que a fé — tornar-se exatamente como o Criador — deve estar acima (ser mais importante que) a razão — o nosso egoísmo.

E o caminho para alcançar isso é duplo: a nível pessoal, é um grupo de estudo e um círculo de amigos que ajudarão a criar um ambiente social que promova valores espirituais. A nível colectivo, exige que toda a sociedade aprenda a valorizar os valores altruístas.