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Nenhum desejo ou qualidade é naturalmente mau; é a forma como os usamos que os torna assim. Os antigos cabalistas já diziam: “A inveja, a cobiça e a busca de honra tiram o homem deste mundo”, ou seja, deste mundo para o mundo espiritual.

Como assim? Já vimos que a inveja leva à competitividade, e a competitividade gera progresso. Mas a inveja conduz a resultados muito maiores do que benefícios tecnológicos ou mundanos. Na Introdução ao Livro do Zohar, Ashlag escreve que os humanos podem sentir os outros e, por isso, percebem a falta do que os outros possuem. Como resultado, são tomados pela inveja e desejam tudo o que os outros têm, e quanto mais possuem, mais vazios se sentem. No fim, querem devorar o mundo inteiro.

Eventualmente, a inveja leva-nos a não nos contentarmos com menos do que o próprio Criador. Mas aqui a Natureza faz-nos uma partida com o seu humor: o Criador é um desejo de dar, altruísmo. Embora inicialmente não tenhamos consciência disso, ao querermos assumir o lugar do condutor e sermos Criadores, estamos, na verdade, a ansiar tornar-nos altruístas. Assim, através da inveja — a característica mais traiçoeira e prejudicial do ego —, o nosso egoísmo provoca a sua própria morte, tal como o cancro destrói o organismo hospedeiro até que também morre com o corpo que arruinou.


Os cabalistas descrevem o egoísmo assim: o egoísmo é como um homem com uma espada que tem na ponta uma gota de um veneno encantadoramente delicioso, mas letal. O homem sabe que o veneno é mortal, mas não se consegue conter. Abre a boca, leva a ponta da espada à língua e engole…


Mais uma vez, percebemos a importância de construir o ambiente social certo, porque, se somos forçados a sentir inveja, devemos pelo menos senti-la de forma construtiva, ou seja, invejar algo que nos leve à correção.

Uma sociedade justa e feliz não pode depender de um egoísmo controlado ou “canalizado”. Podemos tentar restringir o egoísmo através da lei, mas isso só funcionará até as circunstâncias se tornarem mais difíceis, como vimos na Alemanha — uma democracia até eleger democraticamente Adolf Hitler. Também podemos tentar canalizar o egoísmo para beneficiar a sociedade, mas isso já foi tentado no comunismo da Rússia e falhou miseravelmente.

Mesmo a América, a terra da liberdade de oportunidades e do capitalismo, não consegue tornar os seus cidadãos felizes. Segundo o New England Journal of Medicine, “anualmente, mais de 46 milhões de americanos, com idades entre 15 e 54 anos, sofrem de episódios depressivos”. E o Archives of General Psychiatry anunciou: “O uso de medicamentos antipsicóticos potentes para tratar crianças e adolescentes… aumentou mais de cinco vezes entre 1993 e 2002”, conforme publicado na edição de 6 de junho de 2006 do The New York Times.

Em conclusão, enquanto o egoísmo predominar, a sociedade será sempre injusta e desapontará os seus próprios membros de uma forma ou de outra. Eventualmente, todas as sociedades baseadas no egoísmo esgotar-se-ão, juntamente com o egoísmo que as criou. Temos apenas de fazer com que isso aconteça o mais rápido e facilmente possível, para o benefício de todos.


Falsa Liberdade


Ocultação

Baruch Ashlag, filho de Yehuda Ashlag e um grande cabalista por direito próprio, anotou num caderno palavras que ouviu do seu pai. Esse caderno foi mais tarde publicado com o título Shamati (Eu Ouvi). Numa das suas notas, escreveu que, se fomos criados por uma Força Superior, porque não a sentimos? Porque está oculta? Se soubéssemos o que ela deseja de nós, não cometeríamos erros e não seríamos atormentados por castigos.
Como seria simples e alegre a vida se o Criador estivesse revelado! Não duvidaríamos da Sua existência e todos poderíamos reconhecer a Sua orientação sobre nós e sobre o mundo inteiro. Saberíamos a razão e o propósito da nossa criação, veríamos as Suas reações às nossas ações, comunicaríamos com Ele e pediríamos o Seu conselho antes de cada acto. Como seria bela e simples a vida! Ashlag termina os seus pensamentos com a inevitável conclusão: a nossa única aspiração na vida deveria ser revelar o Criador
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Os cabalistas referem-se à ausência da sensação do Criador como “ocultação do rosto do Criador”. Esta ocultação cria uma ilusão de liberdade para escolher entre o nosso mundo e o mundo do Criador (mundo espiritual). Se pudéssemos ver o Criador, se pudéssemos realmente sentir os benefícios do altruísmo, escolheríamos sem dúvida o Seu mundo em vez do nosso, pois o Seu mundo é um mundo de doação e de prazer.

Porque não vemos o Criador, não seguimos as Suas regras e, em vez disso, violamo-las constantemente. Na verdade, mesmo que conhecêssemos as regras do Criador, mas não víssemos o sofrimento que infligimos a nós próprios ao quebrá-las, provavelmente continuaríamos a violá-las, pois pensaríamos que é muito mais divertido permanecermos egoístas.
Anteriormente, neste capítulo, na secção “As Rédeas da Vida”, dissemos que toda a Natureza obedece a uma única lei: a Lei do Prazer e da Dor. Ou seja, tudo o que fazemos, pensamos e planeamos é concebido para diminuir a nossa dor ou aumentar o nosso prazer. Não temos liberdade nisso. Mas, porque não vemos que somos governados por estas forças, pensamos que somos livres.
Contudo, para sermos verdadeiramente livres, devemos primeiro libertar-nos das rédeas da lei do prazer e da dor. E como o nosso ego determina o que é prazeroso e o que é doloroso, descobrimos que, para sermos livres, devemos primeiro libertar-nos dos nossos egos.


Condições Para o Livre Arbítrio

Ironicamente, a verdadeira liberdade de escolha só é possível se o Criador estiver oculto. Isto porque, se uma opção parecer preferível, o nosso egoísmo não nos deixa escolha senão segui-la. Nesse caso, mesmo que escolhamos dar, será um dar para receber, ou seja, um dar egoísta. Para que um acto seja verdadeiramente altruísta e espiritual, os seus benefícios devem estar ocultos de nós.

Se tivermos em consideração que todo o propósito da Criação é, em última análise, libertar-nos do egoísmo, as nossas ações estarão sempre orientadas na direção certa — rumo ao Criador. Portanto, se tivermos duas escolhas e não soubermos qual delas trará mais prazer (ou menos dor), então temos uma verdadeira oportunidade de fazer uma escolha livre.
Se o ego não vir uma escolha preferível, podemos escolher de acordo com um conjunto diferente de valores. Por exemplo, podemos perguntar-nos não o que seria mais divertido, mas o que seria mais generoso. Se valorizarmos o ato de dar, isso será fácil de fazer.
Podemos ser egoístas ou altruístas, pensar em nós próprios ou pensar nos outros. Não há outras opções. A liberdade de escolha é possível quando ambas as opções são claramente visíveis e igualmente atraentes (ou igualmente pouco atraentes). Se só conseguimos ver uma opção, teremos de a seguir. Portanto, para escolher livremente, devemos ver a nossa própria natureza e a natureza do Criador. Só se não soubermos qual é mais prazeroso poderemos fazer uma escolha verdadeiramente livre e neutralizar o nosso ego.