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A Criação é totalmente composta por um desejo de receber prazer. Este desejo evoluiu em quatro fases, sendo a última chamada de “criatura” (Figura 1). Esta estrutura modelo de evolução dos desejos é a base de tudo o que existe.
A Figura 1 descreve a formação da criatura. Se tratarmos essa formação como uma história, isso ajudará a lembrar que os desenhos descrevem estados emocionais e espirituais, não lugares ou objetos.
Antes que algo seja criado, deve ser pensado, planeado. Neste caso, falamos da Criação e do pensamento que levou à sua existência. Chamamos a isso “o Pensamento da Criação.”

No primeiro capítulo, dissemos que, no passado, o temor das pessoas pela Natureza as levou a procurar o seu plano para elas e para todos nós. Nas suas observações, descobriram que o plano da Natureza é que recebamos prazer. E não apenas qualquer prazer, como aqueles que podemos sentir neste mundo. A Natureza (que, como dissemos, é intercambiável com o termo “Criador”) deseja que recebamos um tipo muito especial de prazer — o prazer de nos tornarmos idênticos a Ela, ao Criador.
Assim, ao observar a Figura 1, verá que o Pensamento da Criação é, na verdade, um desejo de dar prazer (chamado “Luz”) às criaturas. Este é também a fundação da Criação, onde tudo começou.
Os cabalistas usam o termo Kli [vaso, recipiente] para descrever o desejo de receber o prazer, a Luz. Agora podemos perceber por que chamaram a sua sabedoria de “sabedoria da Cabala” (a sabedoria de receber).

Há também uma boa razão para chamarem o prazer de “Luz”. Quando o Kli [vaso, recipiente] — uma criatura, uma pessoa — sente o Criador, é uma experiência de grande sabedoria que desponta na pessoa, como se algo se tornasse claro, e agora vemos a Luz. Quando isso nos acontece, percebemos que a sabedoria que se manifestou sempre esteve lá, embora oculta aos olhos. É como se a escuridão da noite se transformasse em luz do dia e o invisível se tornasse visível. E porque esta Luz traz consigo conhecimento, os cabalistas chamaram-na “Luz da Sabedoria”, e ao método para a receber, “a sabedoria da Cabala.”


As Quatro Fases Básicas

Voltemos à nossa história. Para pôr em prática o pensamento de dar prazer, o Criador concebeu uma Criação que deseja receber o prazer específico de ser idêntica ao Criador. Se é pai ou mãe, sabe como isso é. Que palavras mais calorosas podemos dizer a um pai orgulhoso do que “O teu filho é a tua cara!”?
Como já dissemos, o Pensamento da Criação — dar prazer à criatura — é o fundação da Criação. Por esta razão, o Pensamento da Criação é chamado de “Fase Raiz” ou “Fase Zero”, e o desejo de receber o prazer é designado por “Fase Um.”


Figura 1: As cinco fases evolucionárias do desejo de receber. As setas descendentes indicam a Luz que entra do Criador; as setas ascendentes indicam o desejo da criatura de agradar ao Criador.

Note que a Fase Zero é representada por uma seta descendente. Sempre que há uma seta a apontar para baixo, significa que a Luz vem do Criador para a criatura. Mas o oposto não é verdade: quando há uma seta a apontar para cima, não significa que a criatura dá Luz ao Criador, mas sim que deseja retribuir-Lhe. E o que acontece quando há duas setas apontando em direções opostas? Continue a ler; em breve descobrirá o que isso significa.


Os cabalistas também se referem ao Criador como “o Desejo de Doar” e à criatura como “o desejo de receber deleite e prazer” ou simplesmente “o desejo de receber”. Falaremos mais adiante sobre a nossa perceção do Criador, mas o que importa neste momento é que os cabalistas sempre nos dizem o que percebem. Não nos dizem que o Criador tem um desejo de dar; dizem-nos que o que percebem no Criador é que Ele tem um desejo de dar, e é por isso que O chamaram “o Desejo de Doar”. Como também descobriram em si próprios um desejo de receber o prazer que Ele quer dar, chamaram-se a si próprios “o desejo de receber”.
Assim, o desejo de receber é a primeira Criação, a raiz de todas as criaturas. Quando a Criação, o desejo de receber, sente que o prazer vem de um doador, percebe que o verdadeiro prazer está em dar, não em receber. Como resultado, o desejo de receber começa a querer dar (note a seta ascendente que se estende do segundo Kli [vaso, recipiente] — o cálice no desenho). Esta é uma fase completamente nova — a Fase Dois.
Examinemos o que torna esta numa nova fase. Se observarmos o próprio Kli [vaso, recipiente], vemos que ele não muda ao longo das fases. Isso significa que o desejo de receber é tão ativo quanto era antes. Como o desejo de receber foi concebido no Pensamento da Criação, é eterno e nunca pode ser alterado.

No entanto, na Fase Dois, o desejo de receber quer receber prazer ao dar, não ao receber, e isso é uma mudança fundamental. A grande diferença é que a Fase Dois precisa de outro ser a quem possa dar. Ou seja, a Fase Dois tem de se relacionar positivamente com alguém ou algo além de si própria.
A Fase Dois, que nos obriga a dar apesar do nosso desejo subjacente de receber, é o que torna a vida possível. Sem ela, os pais não cuidariam dos seus filhos, e a vida social seria impossível. Por exemplo, se eu possuo um restaurante, o meu desejo é ganhar dinheiro, mas, no fundo, estou a alimentar estranhos pelos quais não tenho um interesse a longo prazo. O mesmo acontece com banqueiros, taxistas (mesmo em Nova Iorque) e tudo o mais.
Agora podemos perceber por que a lei da Natureza é o altruísmo e a doação, e não a lei de receber, embora o desejo de receber esteja na base da motivação de todas as criaturas, tal como na Fase Um. A partir do momento em que a Criação tem tanto um desejo de receber como um desejo de dar, tudo o que lhe acontecer resultará da “relação” entre as duas primeiras fases.

Como acabamos de demonstrar, o desejo de dar na Fase Dois obriga-a a comunicar, a procurar alguém que necessite de receber. Assim, a Fase Dois começa agora a examinar o que pode dar ao Criador. Afinal, a quem mais poderia dar?
Mas quando a Fase Dois tenta realmente dar, descobre que tudo o que o Criador deseja é dar. Ele não tem absolutamente nenhum desejo de receber. Além disso, o que pode a criatura dar ao Criador?
Para além disso, a Fase Dois descobre que, no seu cerne, na Fase Um, o seu verdadeiro desejo é receber. Descobre que a sua raiz é essencialmente um desejo de receber deleite e prazer, e que não há nela nem uma centelha de desejo genuíno de dar. Mas, e aqui reside o cerne da questão, como o Criador deseja apenas dar, o desejo de receber da criatura é precisamente o que ela pode dar ao Criador.
Isto pode parecer confuso, mas se pensar no prazer que uma mãe obtém ao alimentar o seu bebé, perceberá que o bebé, na verdade, dá prazer à sua mãe simplesmente por querer comer.
Portanto, na Fase Três, o desejo de receber escolhe receber, e ao fazê-lo retribui à Fase Raiz, ao Criador. Agora temos um ciclo completo em que ambos os intervenientes são doadores: a Fase Zero, o Criador, dá à criatura, que é a Fase Um, e a criatura, após passar pelas Fases Um, Dois e Três, retribui ao Criador ao receber Dele.

Na Figura 1, a seta descendente na Fase Três indica que o seu ato é a receção, como na Fase Um, mas a seta ascendente indica que a sua intenção é dar, como na Fase Dois. E, mais uma vez, ambas as ações utilizam o mesmo desejo de receber das Fases Um e Dois; isso não muda de todo.
Como vimos anteriormente, as nossas intenções egoístas são a razão de todos os problemas que observamos no mundo. Aqui, também, na raiz da Criação, a intenção é muito mais importante do que a ação em si. De facto, Yehuda Ashlag diz metaforicamente que a Fase Três é dez por cento recetora e noventa por cento doadora.
Agora parece que temos um ciclo perfeito em que o Criador conseguiu tornar a criatura idêntica a Ele — uma doadora. Além disso, a criatura desfruta ao dar, retribuindo assim prazer ao Criador. Mas será que isto completa o Pensamento da Criação?

Não exatamente. O ato de receção (na Fase Um) e a compreensão de que o único desejo do Criador é dar (na Fase Dois) fazem com que a criatura queira estar no mesmo estado, que é a Fase Três. Mas tornar-se uma doadora não significa que a criatura estará no mesmo estado, completando assim o Pensamento da Criação.
Estar no estado do Criador significa que a criatura não apenas se tornará uma doadora, mas terá o mesmo pensamento que o Doador — o Pensamento da Criação. Nesse estado, a criatura compreenderia por que o círculo Criador-criatura foi iniciado, bem como por que o Criador formou a Criação.
Claramente, o desejo de compreender o Pensamento da Criação é uma fase completamente nova. A única coisa com que o podemos comparar é uma criança que deseja ser tão forte e tão sábia quanto os seus pais. Sabemos instintivamente que isso só é possível quando a criança realmente assume o lugar dos seus pais. É por isso que os pais frequentemente dizem aos filhos: “Espera até teres os teus próprios filhos; então compreenderás.”

Na Cabala, compreender o Pensamento da Criação — o nível mais profundo de entendimento — é chamado de “realização espiritual”. É isso que o desejo de receber anseia na última fase — a Fase Quatro.
O desejo de adquirir o Pensamento da Criação é a força mais poderosa da Criação. Ele está por trás de todo o processo de evolução. Quer estejamos conscientes disso ou não, o conhecimento supremo que todos buscamos é a compreensão de por que o Criador faz o que faz. É o mesmo impulso que levou os cabalistas a descobrir os segredos da Criação há milhares de anos. Até que o compreendamos, não teremos paz de espírito.


Um dos termos mais comuns na Cabala é Sefirot. A palavra vem do hebraico Sapir (safira), e cada Sefira (singular de Sefirot) tem a sua própria Luz. Além disso, cada uma das quatro fases é nomeada com uma ou mais Sefira. A Fase Zero é chamada Keter, a Fase Um, Hochma, a Fase Dois, Bina, a Fase Três, Zeir Anpin, e a Fase Quatro, Malchut.
Na verdade, existem dez Sefirot porque Zeir Anpin é composto por seis Sefirot: Hesed, Gevura, *Tifferet*, Netzah, Hod e Yesod. Portanto, o conjunto completo de Sefirot é Keter, Hochma, Bina, Hesed, Gevura, Tifferet, Netzah, Hod, Yesod e Malchut
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