<- Biblioteca de Cabala
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Agora que sabemos que os desejos geram progresso, vejamos como lidamos com eles ao longo da história. Na maior parte do tempo, tivemos duas formas de manipular os desejos: 1) Transformar tudo em hábitos, “domando” os desejos ou canalizando-os para uma rotina diária, e 2) Diminuí-los e suprimi-los.

A maioria das religiões utiliza a primeira opção, “etiquetando” cada ato com uma recompensa. Para nos motivar a fazer o que é considerado bom, os nossos tutores e aqueles ao nosso redor recompensam-nos com feedback positivo sempre que fazemos algo “certo”. À medida que envelhecemos, as recompensas diminuem gradualmente, mas as nossas ações tornam-se “etiquetadas” nos nossos intelectos como gratificantes.

Quando nos habituamos a algo, isso torna-se uma segunda natureza para nós. E quando agimos de acordo com a nossa natureza, sentimo-nos sempre confortáveis connosco próprios.

A segunda forma de lidar com os nossos desejos — diminuindo-os — é usada principalmente pelos ensinamentos orientais. Esta abordagem segue uma regra simples: Melhor não querer, do que querer e não ter, ou, nas palavras de Lao-Tsé (604 a.C. - 531 a.C.), “Manifesta a simplicidade; abraça a modéstia; reduz o egoísmo; tem poucos desejos” (O Caminho de Lao-Tsé).

Durante muitos anos, pareceu que conseguíamos viver com apenas estes dois métodos. Embora não conseguíssemos o que queríamos — devido à regra de que, quando temos o que queremos, já não o queremos — a própria perseguição era gratificante. Sempre que surgia um novo desejo, acreditavamos que este, sim, realizaria os nossos anseios. Tínhamos esperança enquanto continuavamos a sonhar; e onde há esperança, há vida, mesmo sem realizar esses sonhos.

Mas os nossos desejos cresceram. Tornaram-se cada vez mais difíceis de satisfazer com sonhos não realizados, com um Kli vazio, desprovido do preenchimento que deveria ter. Assim, as duas formas — domar os desejos e diminuí-los — enfrentam um grande desafio. Quando não conseguimos diminuir os nossos desejos, não temos escolha senão procurar uma forma de os satisfazer. Nesse estado, ou abandonamos os velhos métodos, ou de alguma forma os combinamos com uma nova forma de procura.


UM NOVO DESEJO NA CIDADE

Dissemos que há quatro níveis no desejo de receber: (1) desejos físicos por comida, reprodução e família; (2) riqueza; (3) poder e respeito (por vezes separados em dois grupos distintos); e (4) o desejo por conhecimento. Os quatro níveis dividem-se em dois grupos: os desejos animais, do primeiro nível, são partilhados por todas as criaturas vivas; e os desejos humanos, dos níveis dois, três e quatro, que são exclusivamente humanos. Este último grupo é o que nos trouxe até onde estamos hoje.

Mas hoje há um novo desejo — o quinto nível na evolução do desejo de receber. Como dissemos no capítulo anterior, O Livro do Zohar escreve que, no final do século XX, surgirá um novo desejo.

Este novo desejo não é apenas mais um desejo; é o culminar de todos os níveis de desejos que o precedem. Não é apenas o desejo mais poderoso, mas contém características únicas que o diferenciam de todos os outros desejos.

Quando os cabalistas falam do coração, não se referem ao coração físico, mas aos desejos dos primeiros quatro níveis. Mas o quinto nível de desejo é essencialmente diferente. Ele deseja satisfação apenas da espiritualidade, não de algo físico. Este desejo é também a raiz do crescimento espiritual que alguém está destinado a experienciar. Por esta razão, os cabalistas chamam este desejo de “ponto no coração”.


UM NOVO MÉTODO PARA UM NOVO DESEJO

Quando o “ponto no coração” surge, começa-se a passar de desejar prazeres mundanos — sexo, dinheiro, poder e conhecimento — para desejar prazeres espirituais. Porque este é um novo tipo de prazer que procuramos, também precisamos de um novo método para o satisfazer. O método para satisfazer este novo desejo é chamado de “sabedoria da Cabala” (a sabedoria de como receber).

Para compreender este novo método, vejamos a diferença entre a sabedoria da Cabala, cujo objetivo é satisfazer o desejo por espiritualidade, e os métodos usados para satisfazer todos os outros desejos. Com os nossos desejos “comuns”, geralmente conseguimos definir o que queremos com facilidade. Se queremos comer, procuramos comida; se queremos respeito, agimos de uma forma que acreditamos que fará com que as pessoas nos respeitem.

Mas, como não sabemos exatamente o que é a espiritualidade, como podemos saber o que fazer para a alcançar? No início, não percebemos que o que realmente queremos é descobrir o Criador, e também não percebemos que precisaremos de um novo método para O procurar. Este desejo é tão completamente diferente de tudo o que já sentimos antes que é pouco claro, mesmo para nós. É por isso que o método para o descobrir e satisfazer é designado como “A Sabedoria do Oculto”.

Enquanto tudo o que queríamos era comida, estatuto social e, no máximo, conhecimento, não precisávamos da Sabedoria do Oculto. Não tínhamos utilidade para ela, pelo que permaneceu escondida. Mas a sua ocultação não significa que foi abandonada. Pelo contrário, durante cinco mil anos, os cabalistas têm-na polido e refinado para o momento em que as pessoas dela necessitassem. Escreveram livros cada vez mais simples para tornar a Cabala compreensível e mais acessível.

Sabiam que, no futuro, o mundo inteiro precisaria dela, e escreveram que isso aconteceria quando o quinto nível de desejo surgisse. Agora que este nível apareceu, aqueles que o reconhecem sentem a necessidade da sabedoria da Cabala.

Em termos cabalísticos: para receber prazer, é necessário ter um Kli para isso, um desejo bem definido por um prazer muito específico. O surgimento de um Kli força o nosso cérebro a procurar uma forma de o preencher com Ohr (Luz). Agora que muitos de nós têm “pontos no coração”, a sabedoria da Cabala apresenta-se como um meio para satisfazer o nosso desejo por espiritualidade.


TIKKUN - A CORREÇÃO DO DESEJO DE RECEBER

Já dissemos que o desejo de receber é um paradoxo: quando finalmente recebemos o que procuramos, quase imediatamente deixamos de o querer. E, claro, sem o desejar, não podemos desfrutá-lo.

O desejo por espiritualidade vem com o seu próprio mecanismo único, pré-instalado, para evitar este paradoxo. Este mecanismo é chamado Tikkun (correção). Um desejo do quinto nível deve primeiro ser “revestido” com este Tikkun antes de poder ser usado de forma eficiente e prazerosa.

Compreender o Tikkun esclarecerá muitos mal-entendidos comuns sobre a Cabala. O desejo de receber tem sido a força motriz por trás de todo o progresso e mudança na história da humanidade. Mas o desejo de receber sempre foi um desejo de receber prazer para benefício próprio. Embora não haja nada de errado em querer receber prazer, a intenção de desfrutar para benefício próprio coloca-nos em oposição à Natureza, ao Criador. Portanto, ao querer receber para nós próprios, estamos a separar-nos do Criador. Esta é a nossa corrupção, a razão de todo infortúnio e insatisfação.

O Tikkun ocorre não quando deixamos de receber, mas quando mudamos a razão pela qual recebemos, a nossa intenção. Quando recebemos para nós próprios, isso é chamado “egoísmo”. Quando recebemos para nos unirmos ao Criador, isso é chamado “altruísmo”, ou seja, unidade com a Natureza.

Por exemplo, desfrutaria comer a mesma comida todos os dias durante meses? Provavelmente não. Mas é exatamente isso que os bebés são obrigados a fazer. Não têm escolha no assunto. De facto, a única razão pela qual o aceitam é porque não conhecem mais nada. Mas, certamente, o prazer que podem extrair de comer é limitado, além de encher os seus estômagos vazios.

Agora, pense na mãe do bebé. Imagine o seu rosto radiante enquanto alimenta o seu filho. Ela está no paraíso apenas por ver o seu filho comer saudavelmente. O bebé pode, no máximo, estar contente, mas a mãe está extasiada.

Eis o que acontece: tanto a mãe como o filho desfrutam do desejo do filho por comida. Mas, enquanto o foco do bebé está no seu próprio estômago, o prazer da mãe é infinitamente maior porque se deleita em dar ao seu bebé. O seu foco não está em si própria, mas no seu filho.

É o mesmo com a Natureza. Se soubéssemos o que a Natureza deseja de nós e o cumpríssemos, sentiríamos o prazer de dar. Além disso, não o sentiríamos no nível instintivo que as mães naturalmente experienciam com os seus bebés, mas no nível espiritual do nosso vínculo com a Natureza.

Em hebraico — a língua original da Cabala — uma intenção é chamada Kavana. Portanto, o Tikkun de que precisamos é colocar a Kavana correta sobre os nossos desejos. A recompensa por fazer um Tikkun e ter uma Kavana é a realização do último, o maior de todos os desejos — o desejo por espiritualidade, pelo Criador. Quando este desejo é satisfeito, conhecemos o sistema que controla a realidade, participamos na sua criação e, eventualmente, recebemos as chaves e assumimos o lugar do condutor. Essa pessoa já não vai experiensiar a vida e a morte como nós, mas fluirá sem esforço e com alegria pela eternidade num fluxo interminável de bem-aventurança e plenitude, em união ao Criador.