Números, 30:2-32:42
Porção Matot - Porção Semanal da Torá - GlossárioResumindo
Nesta porção, Moisés alerta os líderes das tribos sobre os mandamentos relacionados com a formulação e a dissolução de votos. A porção também aborda Pinhas, que conduz Israel numa guerra contra Midian, saindo vitorioso. Após a guerra, o texto detalha a divisão dos despojos (alguns dos quais são dedicados ao Criador), bem como os mandamentos para tornar os Kelim kosher, descrevendo o processo de imersão em água a ferver.
No final da porção, as tribos de Gad e Rúben pedem para permanecer na margem oriental do rio Jordão devido à qualidade do solo para os seus numerosos rebanhos. Irritam Moisés, que pensa que procuram evitar a guerra pela conquista da terra. No final, comprometem-se a participar na guerra, e Moisés concede-lhes o desejo de um lote fora da terra de Israel.
Comentário do Dr. Michael Laitman
Os cabalistas atingem as forças e os discernimentos do mundo espiritual. Estas são as forças que operam e gerem o nosso mundo, incluindo o inanimado, o vegetativo, o animal e o humano, cada um com uma força que o conduz. Por isso, é impossível exigir algo de pessoas que não são cabalistas, pois não possuem livre-arbítrio, como está escrito: “Todos são como bestas (animais).” Quando lemos uma história na Torá que parece acontecer neste mundo, devemos compreender que as suas raízes estão no mundo espiritual, na rede de forças que governa o mundo.
Hoje, já sentimos e compreendemos que nos aproximamos da rede de forças da natureza integral, que se fecha sobre nós e nos obriga a agir em conformidade. É o aparecimento da Divindade, que gradualmente se aproxima de nós.
Percebemos que já não conseguimos gerir o mundo. Cada dia sentimos mais claramente que nada no mundo depende de nós. Estamos a perder a capacidade de gerir o mundo porque já não podemos agir na vida usando os nossos egos.
Os cabalistas descobriram a rede superior e explicaram como ela se manifesta no nível superior. Fizeram-no usando palavras e histórias deste mundo, o nosso mundo, porque tudo o que existe no superior desce ao inferior.
Durante os quarenta anos no deserto, e mesmo antes, Moisés escreveu os seus cinco livros, o Pentateuco. Através da sua realização, Moisés escreveu parte do Pentateuco sobre tempos anteriores ao seu. Escreveu-o na linguagem das ramificações, nas conexões entre o superior e o inferior. Moisés escreveu sobre tudo o que ocorre no mundo superior e como as forças são geridas. Falou delas como resultados, como “marionetas” que se movem no nosso mundo e o transformam.
Por isso, é inútil tentar lidar com este mundo; ele é totalmente governado; não há nele nada de próprio. Para saber tudo, precisamos ascender ao nível superior, o lugar onde as decisões são tomadas, onde as forças operam e influenciam o nosso mundo.
Não podemos mudar nada neste mundo, e disso temos plena consciência. Contudo, há um caminho pelo qual podemos mudar. Se isso acontecer, uma pessoa pode estar em doação e amor, conforme a sua aproximação às forças da sua natureza. Desta forma, pode mudar o seu destino aqui neste mundo.
Na verdade, só ao mudarmos a nós próprios podemos alcançar: “Criei a inclinação ao mal, criei para ela a Torá como tempero”, porque “a luz nela contida reforma.” Apenas através da luz que extraímos do estudo da sabedoria da Cabala podemos mudar-nos e ascender ao nível superior. A partir desse nível superior, podemos influenciar as decisões e o mecanismo que operam o nosso mundo. É por isso que Moisés se dirigiu aos líderes das tribos e lhes explicou sobre a dissolução dos votos, sobre a guerra contra Midian, entre outros.
Devemos imaginar o homem como um pequeno mundo, e tudo o que acontece no mundo como ocorrendo dentro de nós. De facto, dentro de nós estão Moisés e toda a estrutura chamada “o povo de Israel”, com os seus sacerdotes, levitas e Israel, sendo as três linhas que compõem a nossa alma. Há também as nações do mundo dentro de nós, os midianitas, Faraó e tudo o mais que a Torá narra.
Quando nos descobrimos e detetamos dentro de nós todas essas forças e qualidades, percebemos a Torá como uma instrução. Assim, agimos para nos mudar e adaptar, passando de uma pessoa deste mundo a um ser humano superior, espiritual, consciente do mundo espiritual, no nivel espiritual conhecido como Matot (tribos).
Este é um nível muito elevado, que opera a partir de Hesed, a Sefira mais alta da estrutura da alma. Das dez Sefirot, Keter, Hochma e Bina são as Sefirot superiores. Estão acima da nossa realização e são as que nos governam. Aproximamo-nos delas através das nossas qualidades internas, organizando-as corretamente como Hesed, Gevura, Tifferet, Netzah, Hod, Yesod e Malchut, que são as sete Sefirot restantes.
Corrigimos estas sete Sefirot repetidamente em cada nível, e elas são chamadas “os sete dias da semana”. Hesed, Gevura, Tifferet, Netzah, Hod e Yesod correspondem aos dias úteis, e Malchut corresponde ao Sábado. Ao corrigi-las, passamos pelas semanas num ciclo que, eventualmente, nos leva a Keter, Hochma e Bina, as três Sefirot superiores, ou seja, ao fim da correção.
Cada semana do ano tem a sua porção ou porções da Torá. Estas são os níveis através dos quais nos elevamos gradualmente ao nível mais alto, abrindo-nos ao nosso interior. Ao fazê-lo, encontramos as forças dentro de nós e agimos em conjunto com elas.
A qualidade de Moisés em nós dirige-se aos líderes das tribos em nós, de acordo com a divisão da alma em doze tribos, que ele organizou corretamente enquanto trabalhava com o ego crescente, desde um estado chamado “receção da Torá” até um estado chamado “entrada na terra de Israel”. O processo que se atravessa entre estes estados é chamado “os quarenta anos no deserto”. O deserto representa a nossa necessidade de ordenar os desejos dentro de nós e corrigi-los, passando da receção para nós próprios à forma altruísta de doação, à abordagem correta para com os outros, que pode ser resumida no preceito: “Aquilo que odeias, não faças ao teu próximo.” No nivel de “tribos”, examinamos as nossas qualidades e como trabalhar com o desejo de receber.
Inicialmente, a pessoa pode examinar os votos. Os votos são estados e condições pelos quais se atinge um nível mais elevado. Os votos indicam a limitação que alguém pode assumir e não falhar. Contudo, quando não se consegue persistir, é possível libertar-se deles, semelhante à dissolução de votos antes do Yom Kippur (Dia do Perdão).
Existem leis fundamentais na espiritualidade que dizem respeito ao homem e ao exame que ocorre no seu interior – até que ponto se pode pedir correção para si próprio e trabalhar com a força que corrige. Após estas preparações, a pessoa torna-se consciente da sua capacidade de trabalhar com o seu ego no nível de Midian. Essa pessoa trabalha com a força conhecida como Pinhas, que é a próxima etapa da força de Moisés.
É nesse momento que se pode verdadeiramente entrar em guerra. A pessoa enfrenta o seu ego para o conquistar e trabalha com uma parte dele para doar. Ascendemos a um nível espiritual ao corrigir a inclinação so mal para uma inclinação só bem. Não há outra substância além da nossa própria – o desejo de receber.
Primeiro, ela vem apenas com a intenção de receber. Nesse ponto, é chamada “inclinação ao mal” porque impede a participação com os outros. Quando se transforma na inclinação só bem, conecta-se a todos. Isso significa que a pessoa venceu a guerra e conquistou o ego.
Uma vez que a pessoa conquistou o seu ego, distribui despojos às tribos, ao sacerdote, ao levita, a Israel, às mulheres e às crianças. Distribui despojos de tudo o que pôde usar do inanimado, vegetativo, animal e do nível falante (humano). A Torá detalha o que devemos fazer com a parte masculina, que é o lado direito da Klipa (casca), e o que precisamos fazer com a parte feminina, o lado esquerdo da Klipa.
Perguntas e Respostas
No Yom Kippur, há o costume de dissolver votos. Por que razão há necessidade de votos, em primeiro lugar?
Não podemos crescer sem um voto. Ao aproximarmo-nos de um nível superior, temos de nos anular perante o superior, porque ainda não alcançámos esse nível e, portanto, não o podemos avaliar com precisão. À medida que estudamos, corrigimos e nós “atualizamos” constantemente.
Existem também ações complementares, como a Segundo Pesach, onde, se não nos prepararmos para a correção conhecida como Pesach, na qual “passamos por cima” do ego, podemos alcançá-la um mês depois.
Isto soa como uma negociação. Fazemos votos para completar o trabalho mais tarde, que, se fizermos algo, receberemos tal e tal.
Não, não é assim. Não é como a espiritualidade funciona. A pessoa faz tudo com honestidade até descobrir que é impossível continuar a avançar, ou que as condições mudaram. Estamos num sistema de almas interligadas que nos apoia quando caímos. Aprendemos sobre o nosso estar num sistema integral a partir de Moisés, que não fez nada de errado exceto bater na rocha, mas toda a nação sofreu por causa disso.
Havia apenas um Moisés, mas nós somos apenas principiantes.
Não há nada a dizer sobre este mundo. Aqui somos apenas resultados do mundo espiritual. Se pudermos influenciar o mundo espiritual através do estudo da Cabala, também mudaremos este mundo. Se não o fizermos, nada mudará.
Na verdade, podemos impactar o mundo espiritual apenas aspirando ascender à espiritualidade, e isso vai impactar este mundo de forma favorável. Se não tivermos capacidade ou desejo de mudar a nossa situação espiritual, mesmo que possamos, o nosso mundo ainda avançará, mas por um caminho de sofrimento.
Como podemos mudar o nosso mundo se ele é apenas um mundo de resultados e somos operados, sem qualquer livre-arbítrio?
Assim que começamos a ascender para o mundo espiritual, começamos a mudar este mundo. Nada neste mundo o altera exceto as forças que o influenciam do Alto. Portanto, a nossa única escolha neste mundo é elevarmo-nos acima dele.
Isto é feito através da conexão e união com os outros?
Sim, através da união com os outros.
Melhoraremos também a nossa situação financeira ao estudar Cabala?
Tudo mudará. Todos os resultados neste mundo dependem apenas das conexões entre nós. Não há nada verdadeiramente digno de fazer exceto assegurar o nosso sustento e dedicar o resto do tempo à ascensão espiritual. Isso, por sua vez, mudará tudo.
A correção é pessoal ou afeta todos?
A correção é tanto pessoal como geral, mas hoje é principalmente geral.
Por que é tão difícil compreendê-la, embora pareça tão simples?
Estamos construídos segundo os nossos egos individualistas. Vemos o mundo de forma egoísta. E precisamente por isso, hoje os sistemas de economia e educação estão a tornar-se disfuncionais. Já não conseguimos ter sucesso porque tudo está fragmentado e disperso. Ao longo da história, habituámo-nos a avançar usando os nossos egos, tentando lucrar e beneficiar-nos ao máximo. Mas hoje esses sistemas egoístas e lineares deixaram de funcionar. Estamos a transitar para sistemas redondos, integrais, conectados.
O impacto recíproco é sentido imediatamente?
Sim, as pessoas sentir-se-ão mais importantes, mais bem-sucedidas e até mais fortes do que o governo. Os governos agem de forma egoísta, como uma seta linear. Em contrapartida, as conexões entre as pessoas são circulares. Hoje estamos num mecanismo global numa natureza integral e global. Como resultado, não podemos continuar a avançar de forma egoísta e linear, como antes. Agora temos de aprender a ascender, a aumentar a intenção de nos conectarmos “como um só homem com um só coração”, porque só através da unidade podemos mudar a forma como as coisas são.
Do Zohar: Matot (Tribos)
“‘E vós, que vos unis ao Senhor vosso Deus, estais todos vivos hoje.’ Qual é a razão? É porque a alma de Israel provém do espírito do Deus vivo. ‘Pois o espírito diante de Mim vai envolver.’ ‘Diante de Mim’, ou seja, diante da Divindade, de ZA, o Deus vivo.” Zohar para Todos, Matot (Tribos), item 5
O que é o despojo?
O despojo é o resultado do trabalho do homem com a inclinação ao mal. Nesta guerra, a pessoa transforma a inclinação só mal em inclinação ao bem usando a luz que reforma. Como resultado, a pessoa recebe luz através dessa inclinação. A luz que preenche a pessoa – a realização, essa sensação sublime – é uma grande posse. Este é o despojo.
A divisão do despojo refere-se à forma como se distribui a luz entre todas as partes de si mesmo, todos os seus desejos e qualidades. Indica como se opera esse mecanismo de divisão, quem recebe mais e quem recebe menos.
Esta porção parece discutir a raiz da conduta de tornar os utensílios kosher.
A raiz da questão está nos nossos Kelim (vasos), o desejo de receber. É aqui que recebemos a luz. A luz pode manifestar-se nos nossos desejos desde que estes não estejam a trabalhar apenas para receber, mas também para doar – para os partilhar com os outros. Quando nos conectamos aos outros desta forma, a luz aparece em nós. Conclui-se que todas as nossas correções são, na verdade, qualificações dos nossos Kelim, tornando-os kosher.
Ou seja, precisamos de qualificar o nosso desejo de receber para que tenha a intenção de doar, para que esteja conectada aos outros. A água, que representa Hesed, qualifica os Kelim. Se precisarmos de corrigir um Kli de metal, ou seja, torná-lo kosher, é necessária uma correção mais profunda. Tem de ser passado pelo fogo, que representa Gevura. Um Kli de metal representa um desejo que foi usado de forma egoísta e que deve ser corrigido e purificado de forma mais poderosa através de “branqueamento” (aquecimento até o metal ficar branco), Mikveh Kelim (uma tina usada para imersão ritual de utensílios) e Hagaalah (imersão em água a ferver).
Corrigir os nossos Kelim é tudo o que temos na sabedoria da Cabala. A correção dos Kelim ocorre quando a pessoa os adquiriu e os transformou da intenção de receber para a intenção de doar, tendo conquistado os seus desejos. Não se trata apenas de corrigir Kelim no sentido de utensílios ou pratos, mas de corrigir os Kelim quando se fazem ofertas.
A oferta é um Kli no nível animal. “Mata-se” o desejo de receber, ou seja, a forma como o desejo de receber era usado antes, de maneira egoísta, e traz-se como oferta (Korban), da palavra Hitkarvut (aproximação), em direção à doação, em benefício dos outros. Só então se pode doar amor aos outros usando esse mesmo desejo de receber, que então se torna sagrado.
Esta não é a única porção da Torá onde há guerras e lutas.
Estamos sempre em guerra, sempre em luta, até alcançarmos o fim da correção.
Se a pessoa já atingiu um certo nível e desfruta da luz nele, por que deveria renunciar a ela?
Porque essa pessoa desejaria passá-la aos outros.
Mas essa pessoa ainda não tem desejo de passar a luz aos outros.
Querer passá-la é uma precondição para receber a luz.
Quer dizer que, para receber a luz, primeiro é preciso querer doá-la?
Claro. Já queremos recebê-la porque ouvimos que é boa. Mas não a receberemos até desejarmos partilhá-la com os outros. O nosso mundo exige que nos tornemos conectados porque estamos a aproximar-nos do fim do processo de correção.
Assim que a pessoa experienciou a luz, o que a impediria de a querer sempre?
Avançamos “em duas pernas”. Recebe-se Kelim, corrige-se, preenche-se com luz, partilha-se com todos e, assim, realiza-se uma boa ação, uma Mitzva (boa ação/mandamento). Usar o desejo de receber em benefício dos outros chama-se Mitzva. Uma vez feita uma Mitzv, outra parte do ego da pessoa, que estava escondida, emerge e aparece.
Eventualmente, todo o “Egipto” dsa pessoa aparece, e agora está imersa num ego que se espalha sobre o bem. O mal torna-se subitamente dominante sobre o bem. Quando isso acontece, a pessoa torna-se má, e a luta recomeça: o nível anterior desaparece no interior, “afogando-se” no mal.
Quando Israel entra em Canaã e a conquista, há o lado oriental do rio Jordão. Gad e Rúben queriam esse lote. Por que razão Moisés se opôs subitamente à sua permanência na margem oriental do Jordão?
O nosso desejo de receber está nos três mundos Beria, Yetzira e Assiya. Há também o Templo, Jerusalém, o Monte Moriá e os restantes níveis: a terra de Israel, à volta da qual está o Jordão, Líbano, Síria e Babilónia. Além disso, há as restantes terras do mundo, mas estas não são consideradas como tendo algo significativo.
A margem oriental do Jordão é a primeira fronteira fora da terra de Israel e, portanto, não tem o mesmo nível de santidade que a própria terra de Israel. É por isso que Moisés, a força que gere todas as correções dentro de nós, se opõe à presença dos filhos de Israel ali. Todos os filhos de Israel devem primeiro estar dentro da terra de Israel, e só depois ocorrem as conquistas de David, que incluem Líbano, Síria e Babilónia, do Nilo ao Eufrates.