Êxodo, 10:1-13:16
Glossário - BoResumindo
Na porção Bo, o Criador — através de Moisés — diz ao insolente Faraó que ele deve deixar o povo de Israel partir. O Criador envia mais duas pragas ao Faraó, Gafanhotos e Escuridão, e o Faraó diz a Moisés: “Sai da minha presença! Tem cuidado; não voltes a ver o meu rosto, porque no dia em que vires o meu rosto morrerás” (Êxodo 10:28). Moisés responde: “Estás correto; nunca mais verei o teu rosto” (Êxodo 10:29). De facto, Moisés cumpre a sua palavra.
O Criador diz a Moisés que, após a última praga, o Faraó vai permitir que os filhos de Israel partam. Os filhos de Israel começam a preparar-se para a décima praga, a praga dos primogénitos, e pedem emprestados aos egípcios vasos de prata e ouro, bem como vestes, preparando-se para a sua libertação.
O Criador explica a Moisés as regras da oferta da Páscoa que os filhos de Israel devem cumprir: abater um cordeiro ao entardecer, espalhar o seu sangue nos umbrais (Mezuzot) e nas travessas superiores das portas, e comer o cordeiro nessa mesma noite juntamente com Matzot (pão ázimo) e Maror (rábano). Os filhos de Israel seguem estas instruções.
À meia-noite, quando se eleva no Egito um grande clamor devido à praga dos primogénitos, o Faraó apressa-se a ordenar que os filhos de Israel deixem o Egito rapidamente. Os filhos de Israel partem, levando consigo uma multidão de pessoas diversas, além de grandes rebanhos e gado.
Comentário do Dr. Michael Laitman
O êxodo do Egito descrito nesta porção é ao mesmo tempo muito significativo e dramático. Cada momento das nossas vidas é uma lembrança do êxodo do Egito. Este é o ponto em que o humano em nós nasce, quando saímos dos nossos egos, do desejo de receber.
Todos nós começamos como egoístas, como está escrito: “Eu criei a inclinação ao mal” (Talmude Babilónico, Masechet Kidushin, 30b). A inclinação ao mal cresce dentro de nós e faz-nos cada vez mais egoístas. Ao longo da história da humanidade, desenvolvemo-nos desta forma até chegarmos a um estado em que sentimos que toda a nossa natureza é má, e precisamos de sair dela, de nos livrarmos dela, e assim procuramos uma solução. Este é um processo que ocorre tanto nos indivíduos como em toda a sociedade humana.
Quando o Faraó em nós cresce, ou seja, a nossa inclinação ao mal, não nos deixa viver. O ponto no coração, o Moisés em nós, escapa do ego para ganhar força, e depois volta para o enfrentar. Apenas quando entendemos como este “jogo” se desenrola dentro de nós é que voltamos para lutar contra o ego, tal como Moisés volta ao Egito para lutar contra o Faraó.
Quando a pessoa começa a descobrir a força superior, mesmo que apenas um pouco, percebe que tudo acontece por intervenção superior, que “Não Há Nada Além Dele” (Deuteronómio 4:35), e isso inclui o Faraó, o Criador e Moisés, que está entre eles. Nesta luta, o Moisés interior deve decidir quem vai governar sobre ele: o Faraó ou o Criador.
O Criador ensina Moisés a enfrentar o ego, a lutar e a elevar-se acima dele. Ele envia constantemente Moisés ao Faraó porque “eu endureci o seu coração” (Êxodo 10:1). Se soubermos, através da sabedoria da Cabala, como atrair a “luz que reforma” (Midrash Rabah, Eicha, “Introdução,” Parágrafo 2) e passar pelas dez Sefirot da nossa inclinação ao mal, as dez pragas, o processo não será tão difícil. Este processo é chamado de “acelerar o tempo” em oposição ao caminho “a seu tempo”, que está repleto de tormentos, guerras e outros acontecimentos desagradáveis.
A sabedoria da Cabala surge para nos permitir passar por estes estados de forma mais fácil e agradável. Os primeiros a experienciá-los serão o povo de Israel, seguidos pelo resto do mundo, como está escrito: “Todos Me vão conhecer, desde o menor até ao maior deles” (Jeremias 31:33), e “A Minha casa será chamada uma ‘casa de oração’ para todos os povos” (Isaías 56:7). É por isso que todos vão enfrentar o êxodo do Egito, e os primeiros a fazê-lo são o povo de Israel, porque a sua tarefa é ser “uma luz para as nações” (Isaías 42:6).
A luta contra o nosso ego, o Faraó, que não nos vai deixa unir e alcançar um estado de “Ama o teu próximo como a ti mesmo; esta é a grande regra da Torá” (Talmude de Jerusalém, Seder Nashim, Masechet Nedarim, Capítulo 9, p 30) — através da qual devemos conectar-nos em Arvut (garantia mútua) — leva às três últimas e mais difíceis pragas. Estas pragas são o GAR do nível, as três primeiras: Gafanhotos, Escuridão e a Praga dos Primogénitos.
Na última praga, quando sentimos quão má é a nossa inclinação ao mal, como ela nos separa da vida, desligamo-nos dela. É por isso que o Faraó avisa Moisés de que, se ele se aproximar novamente, será morto, porque esta inclinação realmente leva-nos à morte.
O Moisés em nós está pronto para esta praga porque sabe que através dela vai renascer; vai sair do Egito e elevar-se a um nível de conexão entre todos, encontrando dentro de si a qualidade de doação. Ele vai alcançar a sensação do mundo superior, a sensação de eternidade, perfeição e da força superior que habita nele.
Quando alguém alcança a perfeição através deste processo complicado, essa pessoa faz um sacrifício. A palavra hebraica para sacrifício é Korban, que vem da palavra Karov (próximo). Quando fazemos um sacrifício, aproximamo-nos da qualidade de doação. A oferta da Páscoa expressa os nossos esforços para alcançar a inclinação ao bem, que está acima da qualidade de recepção, acima da inclinação ao mal. Passamos acima do ego e aproximamo-nos do desejo de doar. Esse movimento é feito com o sangue da Páscoa, semelhante ao sangue do nascimento. Nascemos em sangue, como está escrito: “No teu sangue, vive” (Ezequiel 16:6).
Avançamos assim até alcançarmos a noite do êxodo do Egito. Nesse estado, “pedimos emprestados vasos dos egípcios”, levando deles os desejos. Em vez das intenções de receber, temos apenas intenções de doar. Levamos o desejo de receber juntamente com o desejo de doar e saímos do Egito com ambos. Tudo o que deixamos no Egito são as intenções de receber, que são o mal. Ou seja, levamos a inclinação, mas deixamos o mal para trás. Posteriormente, acrescentamos à inclinação, ao desejo, a intenção de doar, tornando-a assim numa inclinação ao bem. É por isso que para começar entramos no Egito — para revelar dos egípcios os desejos de receber, com os quais todos nascemos de forma inata.
Depois vem a Praga dos Primogénitos para todos os egípcios em nós, para toda a nossa inclinação ao mal. Este é o golpe final, através do qual a luz que reforma chega e dá um golpe definitivo ao domínio da inclinação ao mal sobre nós. É quando nos elevamos acima dela em direção à conexão entre nós.
Nessa conexão, começamos a sentir o êxodo do Egito, da inclinação ao mal, que interferia na nossa conexão, de estar na Assembleia de Israel, que nos une. Apenas através da conexão entre todos nós, descobrimos o Criador, a luz superior, o mundo espiritual, a nossa perfeição e eternidade.
Quando saímos do Egito, há uma refeição festiva, da oferta da Páscoa, com o mal. Saímos com o pão, o pão dos pobres, Matzot, e renascemos ao elevarmo-nos acima dos nossos egos, acima do desejo de receber, para o desejo de doar. Daqui em diante, estaremos prontos para a ascensão espiritual.
O primeiro nível que alcançamos ao sair do Egito é o nascimento espiritual. Esta é a transição mais difícil, na qual abandonamos todos os hábitos e costumes pelos quais percebíamos a realidade, o mundo e as nossas relações. Nesta transição, elevamo-nos acima de todos os elementos que nos construíram e pelos quais nos desenvolvemos no nosso mundo. Passamos daí para um mundo que opera inteiramente na doação, em Arvut, na conexão. É verdadeiramente um mundo oposto.
Quando cruzamos, começamos a experienciar a natureza de forma oposta, seguindo as leis da doação em vez das da recepção. Começamos a agir de forma diferente, a seguir regras diferentes, e a realidade aparece diferente do que anteriormente. Continuamos a desenvolver-nos com o mesmo Faraó que deixámos para trás; apenas levámos os vasos dele, como está escrito: “depois vão sair com grande substância”. (Génesis 15:14).
Quando estamos rodeados por uma sociedade, estudos e a luz que reforma que atraímos, recebemos as forças que nos puxam para fora do Egito. Portanto, mesmo em situações muito difíceis, não precisamos de temer enfrentar os nossos egos.
Perguntas e Respostas
Quando sentimos que saímos do Egito?
Sentimos que saímos do Egito apenas quando realmente saímos. Isso acontece de repente, na escuridão. Não sentimos nada antes de acontecer; estamos atordoados, desorientados, tal como no nascimento. Saímos para uma nova vida que não conhecemos e levamos apenas o que precisamos — os desejos que não têm intenções de receber, sem as más intenções, chamados de “grandes vasos” que levamos do Egito. Os filhos de Israel são aqueles que os levam, os que desejam ser Yashar El (direto a Deus), direto à doação, ao amor ao próximo.
O êxodo do Egito ocorre à meia-noite. De acordo com a sabedoria da Cabala, é nesse momento que começa a construção dos Kelim (vasos), em direção ao amanhecer. Nesse estado, sentimos-nos mal devido à escuridão, desorientação e confusão. Não entendemos o que está a acontecer connosco. Mas um ponto dentro de nós diz: “Faz isso”, e estamos dispostos a fazê-lo, seguindo a preparação que não nos deixa permanecer nos nossos egos — que na verdade estão a levar-nos à morte. Assim, saímos e escapamos.
Do Zohar: Um Cordeiro por Família
“Israel não saiu do Egito até que a governação de todos os seus ministros fosse quebrada.” Isto é chamado, todas as dez Klipot (cascas), as dez pragas pelas quais o Egito é quebrado. “E Israel deixou o seu domínio e veio para o domínio da santidade superior”, chamado “doação”, “amor ao próximo”, “no Criador, e ligado a Ele … que, ‘Eu tirei-os da terra do Egito’; Eu tirei-os da outra autoridade e trouxe-os para a Minha autoridade.” (Zohar para Todos, Bo [Vem], item 165)
A ideia é passar da intenção de receber para a intenção de doar, de um estado de pensar constantemente em nós próprios — como lucrar, ter sucesso e explorar o mundo inteiro — para o estado oposto. É verdadeiramente uma revolução interna numa pessoa que ainda não entende que existe outra forma de viver — na doação, no amor, elevando-se acima de si mesma — embora dentro de nós existam constantemente desejos de receber.
Durante os quarenta anos no deserto, os filhos de Israel vivenciam eventos como o bezerro de ouro e atravessar o Mar Vermelho. Esses acontecimentos não são mais fáceis do que o êxodo do Egito, mas o êxodo é o desprendimento do nosso ego.
Após a saída, há descidas e ascensos, e o nosso desejo de receber continua a revelar-se cada vez mais. Os filhos de Israel não saem sozinhos. Com eles vem a multidão de pessoas diversas: pessoas que os seguem, que também querem alcançar um mundo iluminado, mas sem corrigir os seus egos. Estão dispostas a cumprir a Torá e as Mitzvot, mas sem corrigir o ego.
Qual é a diferença entre o êxodo do Egito para aqueles com um ponto no coração e aqueles sem esse ponto?
Há uma grande diferença entre eles. Israel é chamado Li Rosh (Eu tenho um intelecto) porque fazem isso conscientemente, estando cientes do que está a acontecer consigo. Realizamos essas ações e experienciamo-las em nós mesmos, com o Criador. Atraímos a luz que reforma, e isso é chamado de “trabalhar em Galgalta e Eynaim”, como está escrito: “E vão ser para Mim um reino de sacerdotes e uma nação sagrada” (Êxodo 9:6), ou seja, todos em doação.
Por outro lado, aqueles que não precisam disso — porque lhes falta esse tipo de conexão com a Divindade, o ponto no coração — são chamados de “as nações do mundo”. Não sentem que devem corrigir o mal dentro de si, os seus egos, que devem elevar-se e estar em Dvekut (adesão) com o Criador.
Estamos a viver num tempo muito especial. O mundo inteiro está em crise; todos devem renascer, quer queiram quer não.
É verdade, mas o resto do mundo é empurrado por trás através do sofrimento. Não têm, e não vão ter, a atração pela frente. O resto do mundo sente a necessidade de sair dos problemas, enquanto nós, Israel, sentimos a necessidade de avançar em direção à doação, ao amor ao próximo, e através disso alcançar o amor do Criador. É uma diferença fundamental. Estamos a avançar pela força positiva da doação, a força que puxa, enquanto o resto do mundo avança pela força que empurra. É muito diferente, e por isso eles não podem avançar sozinhos.
Devemos conectar-nos a eles como Galgalta ve Eynaim em direção ao AHP, e transmitir-lhes a doação através de nós. Devemos ser a sua “luz para as nações.” Embora eles não compreendam o que estão a fazer, vão conectar-se a nós, como Isaías diz: “E os povos vão levá-los e trazê-los ao seu lugar, e a casa de Israel vai possuí-los como herança na terra do Senhor” (Isaías 14:2). É assim que eles serão corrigidos.
Qual é o grande clamor que aconteceu no Egito durante a Praga dos Primogénitos? Será o clamor dos egípcios ao ego?
A Praga dos Primogénitos corresponde ao Keter; é a conclusão de todas as pragas. Com cada praga, é como se mais uma camada da intenção de receber fosse cortada do desejo de receber. A intenção de receber é uma Klipa que é separada e descartada, deixando o desejo de receber nu e inutilizado.
Malchut, Yesod, Hod, Netzah, Tiferet, Gevura, Hesed, Bina, Hochma e Keter correspondem às dez pragas. A praga que corresponde ao Keter é a mais difícil porque representa a Rosh (cabeça) em relação às outras pragas e porque a sua Aviut (espessura, desejo de receber) é a maior. Entre os graus de desejo — raiz, 1, 2, 3, 4 — Keter é o desejo egoísta mais forte.
É assim que nos desprendemos do ego e aparentemente “matamos” o Faraó. É precisamente nesse momento que o ego começa a compreender que realmente existe a doação, e pede aos filhos de Israel que o abençoem.
Não é algo simples, porque ainda não entendemos tudo plenamente. No final, “Não Há Nada Além dele”; uma única força do Criador que é tudo. O Faraó é um anjo que parece estar contra nós, mas também está nas mãos do Criador; é assim que eles trabalham juntos. Por agora, é assim que acontece a nossa correção, no trabalho com as linhas direita e esquerda. Mais tarde, aprenderemos a trabalhar com ambas, em três linhas, em relação ao Masach de Hirik, nas grandes correções.
Do Zohar: E Aconteceu à Meia-Noite
Mesmo “Todos os primogénitos.” Um primogénito é considerado Hochma, e “Todos os primogénitos” indica que até os níveis superiores e inferiores foram quebrados do seu domínio. Todos esses níveis que governam pelo seu poder de Hochma, que é a sabedoria do Egito, como está escrito, “Todos os primogénitos na terra do Egito.” (Zohar para Todos, Bo [Vem], item 118)
O nosso ego sofre em cada nível no estágio mais elevado. O nosso desejo de receber está em nós, e não em nenhum outro lugar, nem mesmo no Egito. Tudo se desenrola dentro de nós porque o homem é um pequeno mundo. Começamos a sentir que o anjo da morte está destinado a unir-se, como está escrito que o anjo da morte se vai tornar um anjo sagrado. Por isso o Faraó pede uma bênção, pois ainda não consegue conectar-se por si só. Contudo, ele entende que começou uma nova era.
O Egito de hoje também mostra sinais disso. Temos as pirâmides que os filhos de Israel construíram e as pirâmides que os egípcios construíram, sendo estas completamente diferentes.
Em relação ao processo dentro de nós, parece uma dupla personalidade. Temos dentro de nós o Faraó afligido por um lado e Moisés a alegrar-se com o êxodo por outro?
Sim, essas duas forças estão dentro de nós. Normalmente sentimos isso quando ascendemos ou descemos: quando estamos egoístas ou quando não sabemos o que fazer com o nosso ego, quando estamos na escuridão. Por outro lado, quando estamos exaltados, a trabalhar em prol da doação, como o Criador, a luz brilha para nós. Um principiante é como Moisés a regressar de Jetro: ele já descobriu o Criador e agora regressa com ambas as forças.
Vivemos essas duas forças?
No meio da luta, experienciamos tanto a força do Faraó quanto a força de Moisés. Já sabemos como fazer com que a força da doação prevaleça sobre a força da receção.
É por isso que foi dito: “Venha ao Faraó”?
Sim, e cada vez o Criador torna o desejo de receber mais pesado, mais difícil. Ele abre cada vez mais o desejo de receber dentro de nós, e nós devemos superá-lo e continuar.