Levítico, 6:1-8:36
Resumindo
A porção Tzav trata das regras dos sacrifícios, especialmente as relacionadas aos sacerdotes. A porção menciona o mandamento de doar o fertilizante, a oferta de cereais, a oferta pelo pecado, a oferta pela culpa, a oferta de paz e a proibição de comer gordura animal.
Tzav também menciona os castigos para quem consome carne não kosher, como está escrito: “A alma que dela comer vai carregar com iniquidade” (Levítico 7:18). Quem comer a gordura das ofertas, “a alma que a comer será afastada do seu povo” (Levítico 7:25), e quem comer o sangue das ofertas, “essa alma será afastada do seu povo” (Levítico 7:20).
Posteriormente, a porção aborda os sete dias de consagração e a inauguração do tabernáculo. O Criador ordena a Moisés que reúna Aarão e os seus filhos sacerdotes, bem como toda a congregação, à porta da tenda da congregação. Moisés lava Aarão e os seus filhos e veste-os com as roupas sacerdotais. Em seguida, unge o tabernáculo e tudo o que está nele com óleo de unção e santifica Aarão e os seus filhos, mostrando-lhes, segundo a ordem do Criador, como proceder com as diferentes partes dos sacrifícios.
Comentário do Dr. Michael Laitman
O Korban (oferta/sacrifício, da palavra Karov, que significa "próximo") é a forma de nos aproximarmos do Criador. Não existe nada para além das ofertas. Atualmente, estamos no pior estado possível. Não há nada pior do que este mundo e a nossa situação atual. Temos de sair desse estado e avançar em direção a Boreh (Criador), que significa “Bo” e “Re’eh” (venha e veja). Descobriremos o Criador de acordo com as mudanças e correções em nós, porque a força superior, a luz superior, está em completo repouso, e todas as mudanças ocorrem em nós, como está escrito: “Eu, o Senhor, não mudo” (Malaquias 3:6).
A aproximação ao Criador depende das nossas qualidades. Por isso, todos temos de nos transformar e corrigir todos os desejos negativos e egoístas dentro de nós, segundo a ordem descrita pela Torá. A palavra Torá deriva de “Horaa” (instrução), que indica como corrigir os nossos desejos egoístas, transformando-os em intenções de doação e amor, passando do ódio infundado ao amor absoluto.
A crise global atual resulta do ódio infundado entre todos. Há abundância no mundo, mas não conseguimos partilhá-la. Não conseguimos estabelecer justiça social, conexão, unidade, nem organizar melhor as nossas vidas devido às nossas características, como está escrito: “A inclinação do coração do homem é má desde a sua juventude” (Génesis 8:21). Para corrigir o coração, que simboliza os nossos 613 desejos egoístas e corrompidos, precisamos da Torá.
A Torá é a “luz que corrige” (Midrash Rabá, Eicha, “Introdução”, Parágrafo 2). Quem estuda a Torá correctamente descobre a sua própria maldade, como está escrito: “O mundo foi criado apenas para os ímpios completos ou para os justos completos” (Talmude Babilónico, Masechet Berachot, p. 61b). Ou seja, temos de descobrir que somos ímpios completos, criados com uma inclinação ao mal. E portanto, “Eu criei para ela a Torá como tempero” (Talmude Babilónico, Masechet Kidushin, 30b) porque “a luz nela contida corrige-os” (Midrash Rabá, Eicha, “Introdução”, Parágrafo 2). Só assim alcançaremos o estado de justos completos. É assim que devemos compreender o processo.
A palavra Tzav significa mandamento. Podemos passar por este processo através do caminho do sofrimento, recebendo golpes. Esse caminho não é nem digno nem desejável aos olhos do Criador ou das criaturas. Mas há outro caminho. Podemos atravessar este processo com compreensão e reconhecimento de que estamos a ser conduzidos a descobrir a força superior e a ser elevados a uma dimensão mais elevada. A crise e o sofrimento que sentimos neste mundo destinam-se a impulsionar-nos para um nível superior – o nível humano, que se assemelha ao Criador.
Há muitos estágios neste trabalho. Alguns estágios são chamados de “nações do mundo”, nos quais examinamos os nossos desejos e começamos a corrigi-los ligeiramente no nível das “nações do mundo”, que têm sete Mitzvot (mandamentos). Só então alcançamos o nível de Israel, que significa Yashar El (directo ao Criador), onde já podemos orientar-nos para Ele.
Manter ou observar as Mitzvot (em hebraico, descrito como “fazer”) significa realizar correções nos nossos desejos. A partir dos 613 desejos relacionados com o trabalho de Israel, atingimos o nível de levitas e o nível de sacerdotes. Assim, acendemos através do Yod–Hey–Vav–Hey, de baixo para cima, desde Malchut até Zeir Anpin, Bina, Hochma e Keter, até alcançarmos a Dvekut (adesão) com o Criador.
Esta é toda a ordem do trabalho que a Torá descreve e que está apresentada no Talmude Babilónico. As ofertas são uma questão mais complexa; na verdade, representam todo o nosso trabalho. Fazer uma oferta significa aproximar-se do Criador através de correcções consecutivas nos nossos desejos. Aproximamo-nos gradualmente do Criador com correções que começam pelos desejos mais fáceis e continuam até aos mais difíceis, pesados e egoístas.
Estes são desejos que organizamos dentro de nós, determinando como corrigi-los. Por isso, o texto menciona partes do corpo, óleo, tempo, movimento, lugares e faz referência à força pela qual corrigimos e em que estado. Devemos ter presente que tudo isto diz respeito apenas à nossa estrutura interna.
Estamos imersos num oceano de luz superior, que é o Criador, como está escrito: “A luz superior está em completo repouso” (Rav Yehuda Ashlag – Baal HaSulam, Os Escritos de Baal HaSulam, p. 521), e todas as mudanças aparecem apenas para nós, que estamos dentro da luz. Se não sentimos que a luz, o Criador, preenche toda a realidade, significa que estamos em “dupla ocultação”, ou seja, não temos a percepção de que algo está oculto de nós. O primeiro nível que alcançamos é a sensação de ocultação, a percepção de que algo está escondido de nós.
Hoje, toda a humanidade está a começar a perceber isso. Cientistas e psicólogos começam a reconhecer que o mundo é interligado, redondo. Falam de uma força única que nos envolve e controla, de uma orientação e governação unificadas, e que o mundo está ligado em harmonia através de leis fixas.
Está escrito: “Ele deu uma lei que não será quebrada” (Salmos 148:6). Quer queiramos ou não, acabaremos por ter de nos aproximar dessa lei, estudá-la, replicá-la em nós e cumpri-la. Se o quisermos, será bom. Se não, seremos forçados a aceitá-la através de golpes, como muitas histórias na Torá relatam.
A Torá fala-nos de coisas más que, aparentemente, vão acontecer se não fizermos o que devemos. É necessário o reconhecimento do mal e a sua revelação. Está escrito: “Eu criei a inclinação ao mal” (Talmude Babilónico, Masechet Kidushin, 30b), de modo que, a cada momento, a inclinação ao mal deve manifestar-se e nós devemos corrigi-la. Só podemos discernir a inclinação ao mal se cairmos nela. No entanto, se estivermos preparados, não nos vamos misturar com ela, nem seremos dominados por ela, vamos antes controlá-la e corrigi-la. Esta é, de facto, a razão pela qual nos foi dada a Torá.
Todo o mundo está a aproximar-se desse reconhecimento. Muitos cientistas já afirmam que vivemos num sistema circular, que há uma força única da natureza a agir sobre nós e a exigir que nos adaptemos a ela num mundo global e integral, em harmonia e equilíbrio com a natureza. Já falam de holismo e de outros fenómenos semelhantes, o que significa que há já algum entusiasmo, impressões e uma aproximação à verdade.
Primeiro, devemos obter o reconhecimento de que existe realmente algo oculto de nós. Isto é considerado “ocultação”, e isso é bom; é a sensação de exílio. Quando estamos no exílio, sentimo-lo pelo contacto com a força superior que nos controla e actua sobre nós. É assim, mesmo que não sintamos como funciona ou como nos controla; não compreendemos as suas ordens nem sabemos o que ela quer de nós. Na verdade, mesmo que soubéssemos, não saberíamos como cumprir a sua vontade, não seríamos capazes de melhorar a nossa situação. Internamente, reconhecemos que, se não a compreendermos, será uma perda terrível. Todo o mundo está a avançar gradualmente para este reconhecimento e compreensão.
Perguntas e Respostas
Quando dizemos “Ele”, estamos a referir-nos a uma lei superior ou ao Criador?
Não nos referimos a uma imagem, mas sim a uma qualidade abrangente que nos governa—a qualidade de doação e amor plenos. Quanto mais nos aproximamos dela, melhor a conseguimos perceber.
Aproximamo-nos dela ao estabelecer boas conexões entre nós, como está escrito: “Do amor ao próximo ao amor a Deus” (Rav Yehuda Ashlag – Baal HaSulam, Os Escritos de Baal HaSulam, “O Amor a Deus e o Amor ao Próximo”, p. 482). Se formarmos grupos para estudar a natureza superior, com o objectivo de nos tornarmos mais próximos e em amor fraternal, vamos começar a sentir a força superior, de acordo com a lei da equivalência de forma, ou seja, equivalência de qualidades. Então vamos descobrir que estamos realmente em exílio. Este é o início do processo. Assim, ao lermos a história de Ester, descobrimos a ocultação, que é o primeiro passo.
À medida que nos aproximamos da Pesach [Páscoa Judaica], um estado em que sentimos estar no Egipto, exilados da revelação da luz, da força superior, temos o “grande Sabbath”, que sublinha a importância da sensação de exílio, pois é impossível alcançar a redenção sem essa sensação. A diferença entre Galut (exílio) e Geula (redenção) está na letra Alef, que representa o Aluf (Campeão) do mundo, em que o Criador se manifesta. O exílio é o desejo de O descobrir, de alcançar o Criador.
Quando queremos descobrir o Criador, trazemos todos os nossos desejos a um estado em que não impedem a passagem da luz superior, como está escrito: “A Sua glória enche o mundo” (parte da Tefilat Amidah—a oração de pé). Ele preenche tudo sem a nossa interferência. Quando restringimos a nossa sensação de auto importância—o ego, a independência e o sentido de unidade, todo o nosso “eu”—sentimos que o Criador passa através nós. Assim, descobrimos o Criador.
Mas primeiro temos de ser “transparentes” e evitar ser uma barreira que interfira com a qualidade de doação e amor que prevalece no mundo. Então, vamos descobrir que estamos realmente imersos na luz superior que preenche tudo, e que estamos dentro dela. Este é o nível que devemos alcançar. É a primeira fase da redenção.
A aproximação acontece nas nossas sensações. Sentimos que estamos dentro da luz superior, que preenche tudo e faz tudo, como está escrito: “Ele fez, faz e fará todas as obras” (dita após a oração da manhã, Tefilat Shaharit, o primeiro dos 13 princípios de Maimónides). Esta é a nossa salvação de todas as crises, desespero e confusões das nossas vidas.
A oferta é feita ao Criador. Queimamo-la, e assim, aparentemente, damos algo. Por que não fazemos oferertas uns aos outros, para nos aproximarmos? Desta forma, poderíamos dizer que, através do amor ao próximo, alcançamos algo mais elevado.
Isto apenas nos parece assim devido ao modo como usamos a linguagem. No trabalho das ofertas, a pessoa precisa de trabalhar com cada desejo egoísta que repele os outros, desejos com os quais deseja explorar os outros e ser indiferente a eles. O sacrifício consiste em impedir que esses desejos criem um obstáculo na nossa aproximação aos outros.
À medida que nos aproximamos dos outros, criamos um sistema de doação mútua e descobrimos a luz superior. A luz superior está entre nós, não em cada um de nós individualmente. Atraímo-la e descobrimo-la precisamente ao criar a qualidade de doação entre nós.
Esta aproximação acontece entre os amigos no grupo?
A aproximação é entre as pessoas, não dentro de nós. Dentro de nós, só conseguimos sentir fenómenos egoístas. Por isso, atualmente, apenas sentimos este mundo através dos nossos cinco sentidos físicos.
Como se oferece um sacrifício do grupo ao Criador?
É o mesmo, quer se corrijam os desejos em relação aos outros, quer em relação ao Criador. Todos realizamos a correção juntos, entre nós, para revelar a qualidade abrangente de doação e amor que prevalece no mundo.
A qualidade de doação é o Criador. É uma qualidade, o pensamento da criação. Não visamos uma entidade específica. É difícil explicar isto porque, no nosso mundo, tudo é muito “terra a terra”, revestido em matéria, enquanto na sabedoria da Cabala não há substância, apenas forças.
Está escrito nesta porção que, se os filhos de Israel não fizerem a oferta corretamente, serão castigados. Qual é o castigo?
O castigo é que, independentemente disso, faremos a correção, como está escrito: “Nenhum exilado vai permanecer exilado Dele” (2 Samuel 14:14), e tudo voltará à sua raiz.
Está escrito na porção: “essa alma será eliminada do seu povo” (Levítico 7:20). O que significa?
Significa que a pessoa é removida do seu nível espiritual. Se essa pessoa já estava no nível de “Israel” (Ysrael), que significa Yashar El (direito a Deus), e cai para o nível das “nações do mundo”, vai sofrer porque se afastou da doação, do amor, da revelação, da compreensão e da consciência. Por isso, terá de procurar mais tempo, de forma desagradável, e só então vai regressar. Esse é o castigo.
Quando a pessoa não consegue processar a informação corretamente e de forma célere, através do trabalho do desejo com o intelecto, como a Torá nos convida a fazer, o processo ocorre mesmo assim, mas através de um caminho de sofrimento. Essa pessoa vai realizar o mesmo trabalho, mas vai demorar mais e será desconfortável. De modo semelhante, se as crianças ouvirem o que lhes é dito e cumprirem as tarefas bem, vão beneficiar. Se não o fizerem, vão acabar por realizar as suas obrigações de qualquer forma, sem alternativa, mas vão sofrer.
Como podemos usar o tema das ofertas na nossa abordagem à educação?
Não há diferença. Se uma pessoa nasce preguiçosa e teimosa, pode dirigir-se aos pais e dizer: “Vocês fizeram-me assim; eu não quero estudar; não quero ouvir-vos; só quero brincar, é assim que sou. Pedi estas qualidades? Não, não há nada que eu possa fazer.”
A culpa é dos pais ou da pessoa? O que a pessoa pode fazer é formar um ambiente que a ajude a ser inteligente e bem-sucedida. O ambiente pode ajudar-nos a compreender o propósito da criação, como alcançá-lo e como reduzir o sofrimento. Tudo depende do ambiente. Se trabalharmos num ambiente adequado, bom e de apoio, ele ensina-nos a ser doadores, como ele é. Assim, aproximamo-nos da doação e do amor. Este é o trabalho das ofertas que a pessoa realiza.
A porção fala dos sacerdotes, que indicam um nível muito elevado. Pode este assunto ser atribuído à educação neste nível também?
Começamos do zero, do nível das “nações do mundo”. Todos estão destinados a alcançar este nível. O propósito da criação é que todos entrem neste trabalho, se corrijam e alcancem o fim completo da correção, chamado “redenção completa”. No Primeiro Templo, o povo de Israel já estava ao nível da redenção, Mochin de Haya. No Segundo Templo, descemos ao nível de Mochin de Neshama. Agora, temos de chegar ao Terceiro Templo, o nível mais elevado na escada dos níveis espirituais, onde incluímos toda a humanidade.
Se o sacrifício significa aproximarmo-nos da sociedade, incorporamos a educação nele, ou é um assunto à parte?
Não se pode ser educado sozinho, apenas numa sociedade. A pessoa é ensinada a ligar-se aos outros numa relação que se assemelha à qualidade do Criador. Descobrimos essa qualidade entre nós, porque é apenas entre nós que Ele se revela. É como alterar algo num receptor de rádio para captar a onda que está no exterior.
Do Zohar: NRN dos Dias da Semana e NRN do Sabbath
Um discípulo sábio deve ver-se igual a todos os estudantes da Torá. É assim que se deve considerar do ponto de vista da Torá, do ponto de vista do NRN noético. Mas, do ponto de vista dos órgãos do corpo, do NRN animal, deve considerar-se igual a todas as pessoas não instruídas, como está escrito: “A pessoa deve sempre ver-se como se o mundo inteiro dependesse dela.” Por esta razão, deve orientar o seu intelecto, espírito e alma para fazer esses sacrifícios com todas as pessoas no mundo, e o Criador acrescenta um bom pensamento à ação. Assim, “Homem e animal Tu salvas, ó Senhor.” (Zohar para Todos, Tzav (Comando), item 71)
A luz superior destina-se a reformar todos, os que se encontram no nível animal e os que se encontram no nível humano. Por isso, ninguém pode dizer: “Não é para mim.” Deve haver estudo da sabedoria da Cabala porque sem ela não podemos atrair a luz. É por isso que a sabedoria da Cabala é chamada de “Torá da luz”, “interioridade da Torá”, a luz que reforma.
É apenas a luz que corrige? Nunca seremos capazes de corrigir as nossas relações?
Nunca. O mundo está a começar a perceber isso. Pode levar algum tempo, mas já estamos a aproximar-nos, começando a concordar com esta ideia.
É perceptível que o mundo está à beira de desistir de quase tudo o resto.
Sente-se isso, e estão no caminho certo. Já compreendem que a mudança tem de acontecer dentro de nós, independentemente de se ser judeu ou não, secular ou ortodoxo. A mudança tem de ser substancial e igual para todos: começar a corrigir a natureza humana. É bom se a pessoa segue o que se chama de “Mitzvot práticas (mandamentos práticos), mas é não é mau se não o fizer. Em relação à mudança interior, somos todos iguais; todos temos de a realizar.
A direção para onde o mundo caminha pode ser considerada como sacrifícios?
Ainda não. Os sacrifícios começam apenas através da luz que reforma, porque é ela que nos corrige. Estamos todos no pior nível, embora ainda não o reconheçamos como tal. Ainda estamos inconscientes do mal.