Carta 16
20 de Shevat, Tav-Reish-Peh-Hey, 4 de Fevereiro de 1926, Varsóvia
À minha alma gémea, que a sua vela brilhe eternamente:
Recebi ontem a sua carta e regozijei-me com ela, pois vi que deseja, afinal, agir conforme o meu intento. Quanto à sua primeira pergunta, as suas palavras são muito confusas. É uma questão profunda, e estou agora ocupado, mas ainda assim elaborarei um pouco sobre o assunto; talvez compreenda e o aceite daqui em diante.
Já citei, em nome do Baal Shem Tov, que antes de cumprir uma Mitzva [mandamento], não se deve considerar de forma alguma a Providência particular. Pelo contrário, devemos dizer: “Se eu não fizer por mim, quem fará?” Mas após o facto, é necessário reflectir e acreditar que não foi pelo ‘meu poder e a força da minha mão’ que realizei a Mitzva, mas apenas pelo poder do Criador, que assim contemplou para mim de antemão, e assim tive de fazer.
O mesmo se aplica às questões mundanas, pois a espiritualidade e a corporeidade são iguais. Assim, antes de sair para ganhar o pão de cada dia, devemos afastar os pensamentos da Providência particular e dizer: “Se eu não fizer por mim, quem fará?” Devemos empregar todas as tácticas usadas na corporeidade para assegurar o sustento, como fazem os demais.
Mas à noite, ao regressar a casa com os seus ganhos, nunca deve pensar que obteve esse lucro pelas suas próprias inovações. Pelo contrário, mesmo que tivesse permanecido todo o dia na cave da sua casa, ainda assim teria recebido o seu sustento, pois assim o Criador determinou de antemão, e assim teve de ser.
Embora, à superfície, as coisas pareçam contrárias e irracionais, devemos acreditar que assim o Criador estabeleceu para ele na Sua lei, conforme os autores e os livros.
Este é o significado da unificação de HaVaYaH Elokim [Deus]. HaVaYaH significa Providência particular, onde o Criador é tudo, e Ele não necessita dos habitantes de casas materiais para O ajudar. Elokim, em Gematria, é HaTeva [a natureza], onde o homem age segundo a natureza que Ele instilou nos sistemas do céu e da terra corpóreos, seguindo essas regras como os demais seres corpóreos. E, ainda assim, ele acredita em HaVaYaH, ou seja, na Providência particular.
Através disto, ele une-os um ao outro, e “tornaram-se como um só na sua mão”. Desta forma, ele traz grande contentamento ao seu Criador e ilumina todos os mundos.
Este é o significado dos três discernimentos — mandamento, transgressão e permissão. O mandamento é o lugar da Kedusha [santidade], a transgressão é o lugar da Sitra Achra [outro lado], e a permissão, que não é nem Mitzva nem transgressão, é o lugar onde a Kedusha e a Sitra Achra lutam.
Quando a pessoa realiza actos permitidos, mas não os dedica à Kedusha, todo esse lugar cai no domínio da Sitra Achra. E quando a pessoa se fortalece e se empenha em actos permitidos para realizar unificações, tanto quanto possível, ela devolve a permissão ao domínio da Kedusha.
Assim, interpretei o que disseram os nossos sábios: “Conclui-se que ao médico foi dada permissão para curar.” Ou seja, embora a cura esteja certamente nas mãos do Criador, e as tácticas humanas não O movam do Seu lugar, a Torá ainda nos informa, “e fará com que seja completamente curado”, para nos fazer saber que é permitido, que este é o lugar da campanha entre a Mitzva e a transgressão.
Portanto, nós próprios somos obrigados a conquistar essa “permissão” sob o domínio da Kedusha. Mas como se conquista? Quando a pessoa recorre a um médico perito que lhe prescreve um medicamento experimentado e testado mil vezes, e após tomar o remédio é curado, deve acreditar que, sem o médico, o Criador ainda assim o curaria, pois a sua longevidade foi predeterminada. Assim, em vez de cantar e louvar o médico humano, agradece e exalta o Criador. Ao fazê-lo, conquista o permitido sob o domínio da Kedusha.
O mesmo se aplica às demais questões de “permissão”. Através disto, ele expande os limites da Kedusha para que a Kedusha se alargue na sua medida plena, e de repente vê-se a si próprio, na sua estatura completa, de pé e vivendo no palácio da santidade. Com efeito, os limites da Kedusha expandiram-se tanto que alcançaram o seu próprio lugar.
Já expliquei tudo isto várias vezes, pois esta questão é um obstáculo para muitas pessoas que não têm uma percepção clara da Providência particular, e “o escravo sente-se confortável com uma vida sem mestre”. Em vez de trabalhar, prefere confiar, e deseja ainda mais revogar as questões da sua fé e adquirir presságios sobrenaturais.
É por isso que são punidos e se condenam a si próprios à morte, pois desde o pecado de Adam [Adão] HaRishon, o Criador estabeleceu uma correcção para este pecado na forma da unificação de HaVaYaH e Elokim, como expliquei.
Este é o significado de “Com o suor do teu rosto comerás o pão”. É da natureza humana que aquilo que se obtém pelo próprio esforço seja muito difícil de reconhecer como uma dádiva do Criador. Assim, há um lugar para trabalhar, para se esforçar numa fé completa na Providência particular e decidir que obteria tudo isto mesmo sem o seu trabalho. Através disto, essa transgressão é suavizada.
Portanto, assim que soube e escreveu que a natureza é uma condição do Criador, porque se contenta novamente com violar ocasionalmente a condição de “assim aconteceu” em favor de “assim acontecerá”? Aquele que viola os termos do Criador certamente falhará, pois não une HaVaYaH e Elokim, e “aquele que diz, ‘Pecarei e arrepender-me-ei’, não lhe é permitido arrepender-se”.
Além disso, qual a razão das experiências quando há ações práticas? Também compreendo como chegou ao pensamento que não há necessidade de estabelecer a Providência particular, e já lhe adverti sobre isso várias vezes.
E quanto ao que escreveu sobre a frase, lamentar a continuação da carne, é certamente necessário. Se for um homem forte, ao longo do dia e sempre, não encontrará manchas durante a análise. Ou seja, você também, contribuíu um pouco para esta conclusão.
Isto é ainda mais verdade em momentos de ira, bem como durante a inveja, o orgulho e assim por diante. Todas estas são manchas que provêm da criação de ideias de que ‘há o meu poder e a força da minha mão’ nas minhas posses e propriedades. Contudo, é necessária grande mestria para evitar cair na negligência no trabalho por causa disto, pois ele não será capaz de contrariar a inclinação boa sobre a inclinação má e dizer: “Se eu não fizer por mim, quem fará?”, etc., como está escrito, “E o insensato vangloria-se e está confiante”. Todavia, como escrevi acima em nome do Baal Shem Tov, tudo isto são leis fixas e irrevogáveis; são eternas.
É necessário compreender que os Seus pensamentos não são os nossos pensamentos. Quando se trata do Criador, não há a questão de oposição na realidade; tudo é uma avaliação dos nossos cinco sentidos.
Devemos também compreender que todas as letras e combinações são desejadas por nós, mas no Superior, tudo inclui duas formas — contentamento e ira — que envolvem cada acontecimento no mundo. O contentamento inclui o repouso e todos os seus prazeres, e a ira inclui todo o poder do movimento. Cada ... e cada movimento ... renovação da criação, que é o significado de “formador da luz e criador das trevas”...
Yehuda Leib