913. Ele Contempla a Sua Lei
9 de Fevereiro de 1966
“O seu desejo está na lei do Senhor, e na Sua lei ele medita”, etc. Os nossos sábios interpretaram que uma se refere ao período antes de aprender e a outra ao período depois de aprender. Devemos perguntar por que está escrito “o seu desejo” em relação à Torá do Criador.
Para compreender esta questão do ponto de vista ético, devemos observar o que se apresenta aos nossos olhos ao olharmos para os jovens que frequentam seminários ortodoxos judaicos e estudam dia e noite. Qual é a razão que os leva a estudar a Torá?
Encontramos várias razões:
1) Quando começa a aprender, fá-lo porque o seu pai o obriga a empenhar-se no estudo da Torá e no cumprimento das Mitzvot [mandamentos]. Se desobedecer, será castigado. Assim, nessa altura, ele não está a dedicar-se à Torá e às Mitzvot pelo benefício do Criador, mas por causa do seu pai.
2) Quando cresce e se habitua a frequentar a escola, o professor, o rabino ou o supervisor obriga-o. Se lhes desobedecer, será castigado.
3) Quando atinge a idade adulta, começa a pensar no seu futuro e percebe que, se não se tornar um erudito, terá dificuldades em encontrar uma boa esposa, obter uma posição influente na sociedade e receber o respeito que é atribuído aos estudiosos da Torá. Também aqui, as razões que o levam a dedicar-se à Torá e às Mitzvot são apenas pessoas como ele.
Conclui-se que ele não está a estudar a Torá do Criador, mas a Torá dos seres criados. Ou seja, podemos dizer que, mesmo que não existisse esta Torá que ele estuda, a Torá do Criador, ele ainda assim teria de a cumprir porque estes elementos o obrigam ou receberia um castigo.
Contudo, de Lo Lishma [não pelo Seu Benefício], chega-se a Lishma [pelo Seu Benefício]. Por isso, se for sábio e contemplar o que está a fazer neste mundo, vai começar a acreditar que a capital tem um líder, e então vai acreditar que a Torá que estuda é a Torá do Criador. Só então poderá cumprir “o seu desejo está na Torá [Lei] do Senhor”, ou seja, a Torá do Criador e não a Torá dos seres criados.
Nesse momento, observa a Torá como uma Mitzva [mandamento] e não como Torá. Mitzva significa fé, e Torá é considerada um presente. A Mitzva, que é fé, é considerada Tzedaka [caridade/justiça], como está escrito: “E ele acreditou no Senhor, e Ele considerou-o para ele como Tzedaka [caridade/justiça].”
A razão pela qual a fé é chamada Tzedaka [caridade/justiça] é porque, normalmente, vemos que, quando a pessoa faz algo que não lhe dá prazer fazer, só o consegue fazer se houver uma recompensa, como respeito ou dinheiro.
Se fizer algo pelo qual não recebe recompensa, isso é chamado Tzedaka [caridade/justiça], porque não é recompensado por isso. Assim, uma vez que a fé pertence especificamente a um tempo de ocultação, quando a pessoa não sente qualquer prazer desta ação, por esta razão, a fé é chamada Tzedaka [caridade/justiça]. Não é assim com um presente, pois nesse caso, a pessoa desfruta do próprio acto, ou seja, deleita-se com o presente que recebe. Se não se deleitar com o presente, então não é considerado um presente.
Uma vez que a Torá é chamada "um presente", como está escrito, “E de Matanah [em Hebraico significa “presente”] para Nahliel”, devemos saber que, precisamente quando a pessoa se deleita na Torá, a Torá é chamada Matanah [presente]. Se ainda não foi recompensada com o sabor doce da Torá, ou seja, se ainda não se concretizou nela o versículo “mais desejável do que ouro, o mais puro ouro, e mais doce do que o mel e o favo de mel”, então não se pode dizer que a Torá é uma Matanah [presente] para ela. Pelo contrário, quando se dedica à Torá, espera ser paga pelo seu esforço no estudo. Conclui-se que, nesse momento, a Torá é considerada uma Mitzva. Ou seja, se ela se ocupa da Torá não para receber recompensa, isso é considerado para ela como Tzedaka [caridade/justiça], o que significa que ela aprende apenas como uma Mitzva, que é chamada "fé".
Vemos que, em relação à doação de um presente, para que a alegria seja completa tanto para quem dá como para quem recebe, isso depende de dois aspectos: 1) O doador deve apreciar o destinatário, reconhecendo que este é digno de tal grande presente. Se o destinatário for uma pessoa importante, ele dá-lhe um presente valioso. Se não for muito importante para ele, não gastará tanto dinheiro num presente. 2) O destinatário só pode ficar feliz com o presente na medida da sua necessidade, independentemente do valor do presente.
Por exemplo, quando um rapaz faz o seu Bar Mitzva [idade de treze anos], é costume todos lhe oferecerem presentes. Mas, às vezes, vemos que, se não precisar muito desse objecto, não só não se alegra com ele, como até sente desconforto ao aceitá-lo. Isto é apenas porque não tem necessidade do presente.
Por exemplo, se um tio lhe oferece um relógio de ouro no valor de cem libras, certamente ficará feliz com o relógio, pois é algo de grande valor e, normalmente, os presentes costumam valer cinco, dez ou vinte libras. Assim, se recebe um presente no valor de cem libras, sentirá naturalmente uma grande alegria.
No entanto, chega outro tio e também lhe dá um relógio que vale cem libras. Agora, já não está tão feliz, pois o que fará com dois relógios? Não é apropriado vender um deles, pois não seria correto vender um presente oferecido por um amigo. Afinal, trata-se de uma recordação para que se lembre sempre de que tem um amigo, e este não lho deu para que o vendesse. Assim, sente-se desconfortável. No entanto, ainda não é uma situação demasiado má, pois pode usar um relógio na mão direita e outro na mão esquerda.
Mas se um terceiro tio também lhe oferece um relógio, então começa a sentir um verdadeiro incómodo, pois não sabe o que fazer com o terceiro relógio. Ainda assim, encontra uma solução: usá-lo no Shabbat.
Porém, se um quarto tio também lhe oferece um relógio, então sente-se verdadeiramente confuso e já não sabe o que fazer. Afinal, o relógio vale cem libras, e poderia desfrutar de algo desse valor, mas agora já não consegue.
Dessa forma, sente-se tão perturbado e sem saber como agir que se perde em pensamentos ao ponto de se esquecer de que está sentado numa festa, rodeado de convidados ilustres que vieram honrá-lo e partilhar da sua alegria. Mas ele já não está verdadeiramente presente entre eles; ao invés, sente-se atormentado e angustiado – e tudo isto porque não tem necessidade dos presentes que recebeu.
Concluímos, assim, que é impossível sentir alegria com um presente de que não se necessita, mesmo que seja valioso.
Aqui percebemos dois aspectos: 1) Do ponto de vista de quem dá, um presente precioso para a sinagoga não vale apenas cem libras, mas muito mais, porque ele conhece o valor do público e sabe que devem receber um presente dispendioso. 2) Do ponto de vista de quem recebe o presente, há a necessidade de um livro de Torá, pois não se pode dizer que há livros da Torá em excesso. Cada livro da Torá na sinagoga acrescenta santidade, inspira um espírito divino, acrescentando poder e glória à intenção, protege contra coisas más e dá vida, paz, riqueza e honra.
“Fortuna e riqueza estão na sua casa, e a sua justiça permanece para sempre.” Rav Huna e Rav Hasda, um disse: “Isto refere-se àquele que estuda Torá e a ensina.” O outro disse: “Isto refere-se àquele que escreve a Bíblia e a empresta aos outros.”(Ketubot 50).
Aqui vemos que organizamos ambas as coisas: o seminário, que é aprender Torá e ensiná-la, e agora também a entrada de um livro da Torá, chamado "escrever a Bíblia e emprestá-la aos outros". No entanto, ele não o empresta, mas dá-o aos habitantes do bairro, para que as palavras “Fortuna e riqueza estão na sua casa, e a sua justiça permanece para sempre” se cumpram de forma certa para ele.
Devemos perguntar: 1) Qual é o mérito adicional de "fortuna e riqueza" em relação a "a sua justiça permanece para sempre", uma vez que seria suficiente que a pessoa recebesse fortuna e riqueza pelo seu trabalho? Porque precisa da sua justiça, e o que ganhará ao garantir que a sua justiça perdure eternamente? 2) Qual é a disputa entre Rav Huna e Rav Hasda?
É sabido que o propósito do trabalho é alcançar a completude do objetivo pelo qual o homem foi criado, que se designa por "fazer o bem às Suas criaturas". Ou seja, a pessoa deve receber todos os prazeres sublimes.
Para que seja possível alcançar este objetivo, deve primeiro ocorrer a correção da criação, denominada Lishma [pelo Seu Benefício]. Isto significa que todos os prazeres que a pessoa se propõe receber devem ser apenas porque o Criador assim o deseja, e isto vai corrigir o defeito do "pão da vergonha". Assim, precisamente quando a pessoa se corrige para que a sua intenção seja apenas a de doar pelo benefício do Criador, tudo vai chegar à correção final.
Para que a pessoa alcance Lishma, que significa não receber recompensa, foi-nos dado o trabalho da fé, pois é nela que reside o livre arbítrio. Ou seja, ainda que a pessoa não veja nem sinta qualquer prazer no trabalho, ainda assim persevera por ser um mandamento.
Por outro lado, se a pessoa sentisse o sabor da Torá e das Mitzvot, não haveria lugar para o trabalho sem recompensa, pois não existe maior recompensa do que sentir deleite e elevação no seu trabalho.
Existe escolha apenas quando a base do trabalho da pessoa é a fé, e então podemos dizer que a pessoa trabalha em Lishma, ou seja, por causa do mandamento do Criador. Quando o seu trabalho é Lishma, cumprem-se nela as palavras de Rabino Meir, de que "será recompensado com muitas coisas".
Nesse momento, deve renovar o seu trabalho para que permaneça na forma da fé, a que o Sulam [comentário ‘A Escada’ do Zohar] chama de "linha do meio", pois apenas assim vai evitar cair no prazer egoísta devido aos muitos prazeres que recebe ao revelar os segredos da Torá, privilégio que obteve por estudar em Lishma.
É sabido que a fé é chamada de Tzedaka [caridade/justiça], e o conhecimento da Torá é chamado de "riqueza", conforme disseram os nossos sábios: "Não há pobre senão o que carece de conhecimento." Com isto, podemos compreender as palavras: "Fortuna e riqueza estão na sua casa, e a sua justiça permanece para sempre", o que significa que a pessoa que foi agraciada com fortuna e riqueza – ou seja, o conhecimento da Torá –, para que estes existam nele, necessita de fé, que é chamada Tzedaka [caridade/justiça].
Por conseguinte, para que a sua sabedoria subsista, a pessoa deve sempre esforçar-se por renovar a fé, e para tal precisa da bênção de que a sua justiça, ou seja, a fé, permaneça para sempre, que sempre tenha fé para que assim a riqueza se mantenha.
Concluirei a minha carta com algo que disse esta manhã aos alunos. Está escrito na Meguila [o rolo de Purim/O Livro de Ester]: "Depois destes acontecimentos, o rei promoveu Haman." No sentido literal, isto é difícil de compreender, pois depois da boa ação que Mordechai fez pelo rei, era a ele que o rei deveria ter promovido, e não a Haman.
Devemos interpretar isto em termos éticos: Depois de a pessoa ter feito algo através do seu envolvimento na Torá e nas Mitzvot [mandamentos], o Criador aumenta o mal dentro dela, que é chamado "Haman". Ou seja, o Criador mostra à pessoa a verdade, de que o mal que há dentro dela a impede de receber todos os prazeres espirituais.
Se a pessoa tivesse seguido o caminho do bem, ou seja, se a sua intenção fosse apenas dar contentamento ao seu Criador, deveria ser digna de todas as coisas sublimes. Isto é chamado "o caminho do Judaísmo".
Quando a pessoa não consegue ver a verdadeira face do seu mal, ou seja, a forma de Haman, não pode orar ao Criador para que o ajude a ser salvo do mal.
Apenas quando a pessoa vê a grandeza de Haman, percebendo que ele deseja matar e destruir todos os judeus, etc., ou seja, que Haman quer erradicar tudo o que tem relação com o Judaísmo e não permite que a pessoa faça nada em Kedusha [santidade], é que pode proferir uma oração sincera, e então cumprem-se as palavras "o Criador ajuda-a". Por isso, nesse momento, fazem sentido as palavras "jejum e clamor", quando oram ao Criador para serem salvos do ímpio Haman.
Quando o Criador o auxilia, pergunta a Haman: "O que deve ser feito ao homem que o rei deseja honrar?" Nesse momento, Haman pensa: "Quem desejaria o rei honrar mais do que a mim?", o que significa que todo o mal provém do desejo de receber (como está escrito na introdução ao comentário Sulam sobre o Zohar), que é o Haman dentro da pessoa, que afirma que o desejo do Criador é fazer o bem às Suas criaturas, ou seja, que todos os prazeres pertencem ao desejo de receber.
Mas o Criador disse: "Fazei assim a Mordechai, o judeu." Se Ele perguntasse à boa inclinação, chamada "Mordechai, o judeu", se queria algo, ele responderia que tudo o que deseja é doar ao Criador e que nada precisa para si. Por esta razão, Ele dirigiu a pergunta a Haman, que deseja receber todos os prazeres que existem na realidade, e então o Criador determinou que todos os prazeres fossem entregues a Mordechai. Isto significa que a pessoa vai receber todos os prazeres apenas para dar contentamento ao seu Criador.
Baal HaSulam explicou este princípio como “as luzes de Haman em Kelim [Vasos] de Mordechai”, o que significa que todos os prazeres devem ser recebidos apenas com a intenção de dar contentamento ao Criador.