759. O Homem Como Um Todo
Como um todo, o homem consiste em dois discernimentos: 1) a sua própria existência, 2) a existência da realidade.
A existência da realidade divide-se em três discernimentos:
1) Necessidade, sem a qual a realidade deixaria de existir. Para isso, basta comer uma pequena fatia de pão seco e um copo de água fria por dia, dormir algumas horas com a roupa ainda vestida, e num banco, nem sequer numa casa, mas num campo ou numa caverna durante as chuvas para não se molhar. As suas roupas, também, podem ser nada mais que remendos sobre remendos.
2) Comportar-se como alguém da classe média, mas sem querer assemelhar-se aos ricos, que têm muitas divisões, mobília elegante, utensílios finos e roupas bonitas, e sem querer comer e beber tudo da maneira como os ricos estão habituados a comer e a beber.
3) Há um desejo e uma exigência no seu corpo para se assemelhar aos ricos. Embora não consiga obter o que quer, os seus olhos e coração estão dedicados a isso, e ele espera e trabalha para alcançar isso, para ser admitido na classe dos ricos.
4) Este existe em todos os três discernimentos anteriores: Se ele ganhou o suficiente para hoje, não se preocupa com o amanhã. Pelo contrário, cada dia é considerado como se fosse todo o tempo da sua vida.
Normalmente, as pessoas preocupam-se em satisfazer as suas necessidades apenas por setenta anos. Mas após cento e vinte anos, o homem não se preocupa com o seu sustento. Além disso, por vezes a pessoa pensa que cada dia deve ser aos seus olhos como novo, ou seja, como uma nova criação.
É como a reencarnação, que a pessoa de ontem reencarnou na pessoa de hoje e deve corrigir tudo o que fez no dia anterior, tanto em dívidas boas como em méritos, ou seja, quer tenha feito Mitzvot [boas ações] ou transgressões.
Por exemplo, se ele tirou algo do seu amigo, deve devolvê-lo. E se emprestou algo ao seu amigo, deve recebê-lo de volta, pois cobrar uma dívida é uma Mitzva [singular de Mitzvot], pelo que ele deve cobrá-la ao seu amigo.
E agora vamos falar do amor ao Criador. Primeiro, a pessoa deve saber que o amor é comprado por ações. Ao dar presentes aos seus amigos, cada presente que ele oferece ao seu amigo é como uma flecha e uma bala que faz um buraco no coração do seu amigo. Embora o coração do seu amigo seja como pedra, ainda assim, cada bala faz um buraco. E de muitos buracos, cria-se um vazio, e o amor de quem dá os presentes entra neste lugar.
O calor do amor atrai para ele as centelhas de amor do seu amigo, e então os dois amores tecem uma vestimenta de amor que cobre ambos. Isso significa que um único amor os envolve e os rodeia, e então os dois tornam-se uma só pessoa porque a vestimenta que os cobre é uma única peça. Assim, ambos se anulam.
É uma regra que tudo o que é novo é excitante e entretém. Por isso, depois de a pessoa receber a vestimenta de amor de outrem, ele deleita-se apenas do amor do outro e esquece o amor-próprio. Nesse momento, cada um deles começa a receber prazer apenas ao cuidar do seu amigo, e não conseguem preocupar-se consigo próprios, porque a pessoa só pode trabalhar onde pode receber prazer.
Uma vez que ele está a deleitar-se do amor pelos outros e recebe prazer especificamente disso, não terá prazer em cuidar de si próprio. Se não há prazer, não há preocupação nem lugar para o esforço.
É por isso que, por vezes, se encontra na natureza que, quando o amor pelos outros é excepcionalmente forte, a pessoa pode cometer suicídio. Também com o amor pelo Criador, por vezes a pessoa está disposta a renunciar ao terceiro discernimento acima mencionado por amor ao Criador. Depois, está disposta a conceder o segundo discernimento e, em seguida, o primeiro discernimento, ou seja, todos os três discernimentos na existência da realidade.
Mas como pode ele anular a sua própria existência? A questão é: “Se a sua existência for anulada, quem vai receber o amor?” Porém, o Criador concede o amor com o poder de desviar a pessoa do caminho certo. Ou seja, ele deixa de ser racional e quer ser anulado da realidade pelo poder do amor, e o seu intelecto racional não tem força para o deter.
Portanto, se perguntarmos, “Como pode a pessoa chegar a tal estado?”, há uma única resposta para isso: “Prove e veja que o Senhor é bom.” É por isso que a natureza exige a anulação, mesmo que a pessoa não o compreenda racionalmente.
Agora podemos entender o versículo, “E vais amar... com todo o teu coração e com toda a tua alma e com todo o teu poder.” “O teu poder” significa a existência da realidade, “a tua alma” significa a sua própria existência, e “o teu coração” é já um nível elevado, o que significa com ambas as inclinações, a inclinação ao bem, bem como a inclinação ao mal.