'Observação Interna' [Histaklut Pnimi] Volume 1, Parte 1
Primeiro, devemos saber que, ao tratar de assuntos espirituais, que não se relacionam com tempo, espaço ou movimento, e ainda mais quando se trata da Divindade, não dispomos de palavras para contemplar e expressar. Todo o nosso vocabulário é retirado de sensações de sentidos imaginários. Assim, como podem estas palavras auxiliar-nos onde os sentidos e a imaginação não reinam?
Por exemplo, se pegarmos na mais subtil das palavras, como “luzes”, ainda assim ela assemelha-se e toma emprestado da luz do sol ou de uma luz emocional de contentamento. Portanto, como podem tais palavras ser usadas para expressar assuntos divinos? Certamente, não conseguiriam transmitir ao leitor algo verdadeiro.
Isto é ainda mais evidente num contexto em que estas palavras devem revelar as negociações da sabedoria por escrito, como se faz em qualquer investigação de sabedoria. Se falharmos com uma única palavra inadequada, o leitor ficará imediatamente desorientado e não encontrará mãos nem pés em toda esta questão.
Por esta razão, os sábios da Cabala escolheram uma linguagem especial, que podemos chamar de ‘linguagem dos ramos’. Não existe uma essência ou conduta de uma essência neste mundo que não derive da sua raiz no mundo superior. Para além disso, o início de cada ser neste mundo começa no mundo superior e depois desce até este mundo.
Assim, os sábios encontraram, sem dificuldade, uma linguagem adequada através da qual podiam transmitir os seus conhecimentos uns aos outros, oralmente e por escrito, de geração em geração. Pegaram nos nomes dos ‘ramos’ neste mundo, onde cada nome é autoexplicativo, como se apontasse para a sua ‘raiz’ superior no sistema dos mundos superiores.
Isto deve apaziguar o vosso intelecto quanto às expressões confusas que frequentemente encontramos nos livros de Cabala, algumas até estranhas ao espírito humano. Acontece porque, uma vez escolhida esta linguagem para se expressarem, a saber, a ‘linguagem dos ramos’, não podiam deixar de usar um ramo por causa do seu nível inferior. Não podiam evitar usá-lo para expressar o conceito desejado quando o nosso mundo não sugere outro ramo para ocupar o seu lugar.
Assim como dois cabelos não se alimentam do mesmo folículo, também não temos dois ramos que se relacionem com a mesma raiz. É igualmente impossível exterminar o objeto na sabedoria que está relacionado com essa expressão inferior. Tal perda causaria prejuízo e grande confusão em todo o âmbito da sabedoria, pois não há outra sabedoria no mundo onde os assuntos estejam tão interligados através de causa e efeito, razão e consequência, como na sabedoria da Cabala, onde os assuntos estão interconectados e ligados uns aos outros, de cima a baixo, como uma longa corrente.
Assim, não há aqui livre arbítrio para trocar ou substituir os nomes menos apropriados por melhores. Devemos sempre fornecer o ramo exato que aponta para a sua raiz superior e elaborar nele até que a definição precisa seja fornecida aos escrutínios dos leitores.
De facto, aqueles cujos olhos não foram abertos para as visões do céu e que não adquiriram proficiência nas conexões dos ramos deste mundo com as suas raízes nos mundos superiores são como cegos que tateiam as paredes. Não compreenderão o verdadeiro significado de uma única palavra, pois cada palavra é o nome de um ramo que se relaciona com a sua raiz.
Somente se receberem uma interpretação de um sábio genuíno que se disponibilize para explicar o assunto na linguagem falada, o que é necessariamente como traduzir de uma língua para outra, ou seja, da ‘linguagem dos ramos’ para a linguagem falada, só então ele poderá explicar o termo espiritual como ele é.
Foi este o esforço que empreendi nesta interpretação, para explicar as dez Sefirot como o Sábio Divino, o Ari, nos instruiu, na sua pureza espiritual, desprovida de quaisquer termos tangíveis. Assim, qualquer principiante pode abordar a sabedoria sem cair em qualquer materialização ou erro. Com a compreensão destas dez Sefirot, a pessoa também poderá examinar e saber como compreender o restante das questões nesta sabedoria.
Capítulo Um
“Saibam que antes dos Netzalim [seres emanados] serem emanados e dos Nivraim [seres criados] serem criados, uma Ohr Elyon [Luz superior] simples preenchia toda a realidade” (Árvore da Vida, 1:1). Estas palavras requerem explicação: Como havia uma realidade que a luz simples preenchia antes que os mundos fossem emanados? Além disso, a questão da ascensão do desejo para ser restringido, de modo a revelar a perfeição das Suas ações. O livro implica que já havia alguma carência ali.
Também a questão do ponto médio n’Ele, onde ocorreu a Tzimtzum [restrição], é bastante intrigante, pois já foi dito que não há ali nem Rosh [cabeça/princípio] nem Sof [fim], então como há um meio? De facto, estas palavras são mais profundas que o mar, e devo, portanto, elaborar na sua interpretação.
Não há uma única coisa em toda a realidade que não esteja contida em Ein Sof [Infinito]. Os termos contraditórios no nosso mundo estão contidos n’Ele na forma de Um, Único e Unificado.
1) Devem saber que não há uma essência de um único ser no mundo, tanto os percebidos pelos nossos sentidos quanto os percebidos pelo olho do intelecto, que não esteja incluída no Criador, pois todos vêm a nós d’Ele, e pode alguém dar o que não possui?
Esta questão já foi amplamente explicada nos livros, mas devemos entender os conceitos que, para nós, são separados ou opostos, como o termo “sabedoria” é considerado diferente do termo “doçura”, pois sabedoria e doçura são dois termos distintos. Da mesma forma, o termo “operador” certamente difere do termo “operação”. O operador e a sua operação são necessariamente dois conceitos separados. Ainda mais com termos opostos, como “doce” e “amargo”; estes são certamente discernidos como separados.
Contudo, n’Ele, sabedoria, prazer, doçura e acidez, operação e operador, e outras formas diferentes e opostas estão todas contidas como um na Sua luz simples. Não há quaisquer diferenciações entre elas, como indica o termo “Um, Único e Unificado”.
“Um” indica uma uniformidade única. “Único” implica que tudo o que expande d’Ele, todas essas multiplicidades, encontram-se n’Ele como singular, como o Seu próprio ser. “Unificado” mostra que, embora Ele realize múltiplas operações, uma única força executa todas elas, e todas regressam e unem-se na forma de Um. De facto, esta forma única engole todas as formas que aparecem nas Suas operações.
Esta é uma questão muito subtil e nem todo o intelecto a pode tolerar. Nachmanides explicou-nos a questão da Sua unicidade, como “Um, Único e Unificado”. Estas são as suas palavras no seu comentário ao Livro da Criação, Capítulo 1, 47: Há uma diferença entre Um, Único e Unificado: Quando Ele se une para agir com uma força, é chamado “Unificado”. Quando Ele se divide para realizar o Seu acto, cada parte d’Ele é chamada “Única”. Quando Ele está numa única uniformidade, Ele é chamado “Um”. Até aqui as suas palavras puras.
Interpretação: “Une-se para agir com uma força” significa que as Suas operações diferem entre si e Ele parece realizar o bem e o mal. Nesse momento, é chamado “Único”, pois todas as Suas diferentes operações têm um único resultado: fazer o bem.
Constatamos que Ele é único em cada acto único e não muda pelas Suas diferentes operações. “Quando Ele está numa única uniformidade”, ou seja, “Um”, refere-se ao Seu Atmuto [Ser], pois n’Ele todos os opostos estão em “uniformidade única”, como foi escrito anteriormente. É como Maimonides escreveu: “N’Ele, o que conhece, o conhecido e o conhecimento são um, pois os Seus pensamentos são muito mais elevados que os nossos pensamentos, e os Seus caminhos, que os nossos caminhos.”
Dois Discernimentos em Doação: antes de ser recebida e depois de ser recebida.
2) Devemos aprender com aqueles que comeram o maná. O maná é chamado “pão do céu” porque não se materializou ao revestir-se neste mundo. Os nossos sábios disseram que cada um saboreava nele tudo o que desejava.
Isto significa que ele tinha de conter formas opostas: uma pessoa saboreava-o como doce e outra como acre e amargo. Assim, o próprio maná tinha de conter ambos os opostos juntos, pois pode alguém dar o que não possui? Portanto, como podem existir dois opostos num único sujeito?
É, pois, necessário que seja simples e desprovido de ambos os sabores, mas que os inclua de tal modo que o receptor corpóreo possa discernir o sabor que deseja. Do mesmo modo, podemos compreender que tudo o que é espiritual é único e simples em si próprio, mas contém todas as inúmeras formas do mundo. Quando chega a um receptor corpóreo e limitado, o receptor extrai dele uma forma separada de todas as inúmeras formas unidas nessa essência espiritual.
Devemos, portanto, distinguir sempre dois discernimentos na Sua doação: O primeiro é a forma da essência dessa abundância superior antes de ser recebida, quando ainda é uma luz simples e inclusiva. O segundo é após a abundância ter sido recebida, pois, através disto, ela adquire uma forma separada de acordo com as propriedades do receptor.
Como Perceber a Alma como Parte da Divindade?
3) Agora podemos compreender o que os cabalistas escreveram acerca da essência da alma: “A alma é uma parte de Deus do Alto e não se altera em nada em relação ao Todo, excepto no facto da alma ser uma parte e não o Todo.” É como uma pedra que é talhada de uma montanha. A essência da montanha e a essência da pedra é a mesma, e não há distinção entre a pedra e a montanha, excepto que a pedra é uma parte da montanha, e a montanha é o Todo, até aqui a essência das suas palavras.
Estas palavras parecem totalmente intrigantes, e o mais difícil é compreender como é possível discernir uma diferença e uma parte na Divindade ao ponto de a comparar a uma pedra talhada de uma montanha. A pedra é talhada da montanha por um machado e uma marreta. Mas na Divindade, como, e o que as separaria uma da outra?
O Espiritual é dividido pela disparidade de forma, como o corpóreo é dividido por um machado.
4) Antes de esclarecermos a questão, devemos explicar a essência da separação na espiritualidade: Devem saber que as entidades espirituais se separam umas das outras apenas pela disparidade de forma. Ou seja, se uma entidade espiritual adquire duas formas, já não é uma, mas duas.
Deixem que explique isto com as almas das pessoas, que também são espirituais: É sabido que a forma da lei espiritual é simples. Certamente, há tantas almas quantos são os corpos, onde as almas brilham. Contudo, elas estão separadas umas das outras pela disparidade de forma em cada uma delas, como disseram os nossos sábios: “Assim como os seus rostos não são iguais, as suas opiniões não são semelhantes.” O corpo pode discernir a forma das almas e dizer se cada alma específica é uma alma boa ou uma alma má, e assim com as várias formas.
É possível ver agora que assim como a matéria corpórea é dividida, cortada e separada por um machado e movimento que aumentam a distância entre cada parte, a matéria espiritual é dividida, cortada e separada pela disparidade de forma entre cada parte. De acordo com a medida da disparidade, assim é a distância entre cada duas partes, e recordem bem isto.
Como pode haver disparidade de forma na criação, em relação a Ein Sof?
5) Ainda não estamos satisfeitos. Neste mundo, nas almas das pessoas, em relação à alma, da qual se disse ser uma parte de Deus do Alto, ainda não está claro como ela se separa da Divindade a ponto de podermos chamá-la “uma parte Divina”. Não devemos dizer “pela disparidade de forma”, pois já afirmamos que a Divindade é uma luz simples que contém toda a abundância de formas e formas opostas no mundo na Sua singularidade simples, como em “um, único e unificado”. Portanto, como podemos conceber uma disparidade de forma na alma, que a torne diferente da Divindade, tornando-a distinta, para adquirir uma parte d’Ele ali?
De facto, esta questão aplica-se principalmente à luz de Ein Sof [infinito/sem fim] antes da Tzimtzum [restrição], pois na realidade perante nós, todos os mundos, os superiores e os inferiores, são discernidos por dois discernimentos: O primeiro discernimento é a forma de toda esta realidade tal como é antes da Tzimtzum [restrição]. Nesse momento, tudo era sem limite e sem um Sof [fim]. Este discernimento é chamado “a luz de Ein Sof [Infinito]”. O segundo discernimento é a forma de toda esta realidade a partir da Tzimtzum [restrição] para baixo. Então, tudo se tornou limitado e mensurado. Este discernimento é chamado os quatro mundos: Atzilut, Beria, Yetzira, Assiya.
É sabido que não há pensamento ou percepção alguma no Seu Atzmuto [Ser], e não há nome ou designação n’Ele, pois como podemos definir por um nome algo que não alcançamos? Qualquer nome implica uma realização espiritual, indicando que o alcançamos como esse nome. Assim, é certo que não há qualquer nome ou designação alguma no Seu Atzmuto [Ser], e todos os nomes e designações existem apenas na Sua luz que se expande d’Ele. A expansão da Sua luz antes da Tzimtzum [restrição], que preenchia toda a realidade, sem limite ou Sof [fim], é chamada Ein Sof. Portanto, devemos compreender como a luz de Ein Sof é definida em si própria e se afastou do Seu próprio ser a ponto de podermos defini-la por um nome, como dissemos acerca da alma.
Explicação das Palavras dos Nossos Sábios: “Por conseguinte, o trabalho e o esforço foram preparados para a recompensa das almas, pois “Aquele que come o que não é seu, teme olhar para o seu rosto”.
6) Para compreender um pouco este lugar sublime, devemos aprofundar os detalhes. Devemos investigar o eixo de toda a realidade perante nós e o seu propósito geral. Haverá uma operação sem um propósito? E qual é esse propósito para o qual Ele inventou toda esta realidade perante nós, nos mundos superiores e nos mundos inferiores?
De facto, os nossos sábios já nos instruíram em muitos lugares que todos os mundos foram criados apenas para Israel, que cumpre a Torá e as Mitzvot [mandamentos], etc., e isto é bem conhecido. Contudo, devemos compreender esta questão dos nossos sábios, que perguntaram sobre isso: “Se o propósito da criação dos mundos foi deleitar as Suas criaturas, por que criou Ele este mundo corpóreo, turvo e atormentado? Sem ele, Ele certamente poderia deleitar as almas tanto quanto quisesse, então por que trouxe a alma para um corpo tão turvo e impuro?”
Eles explicaram-no com o versículo: “Aquele que come o que não é seu teme olhar para o seu rosto.” Isto significa que há um defeito de vergonha em qualquer presente gratuito. Para poupar as almas desta mácula, Ele criou este mundo onde há trabalho, e elas vão deleitar-se do seu esforço no futuro, pois recebem a sua recompensa completa em troca do seu trabalho, sendo assim poupadas ao defeito da vergonha.
Qual é a ligação entre trabalhar setenta anos e o deleite eterno, pois não há maior presente gratuíto que este?
7) Estas palavras deles são intrigantes de ponta a ponta. Primeira perplexidade: O nosso principal objectivo e oração é “Poupem-nos ao tesouro de um presente gratuito”. Os nossos sábios disseram que o tesouro de um presente gratuito está preparado apenas para as almas mais grandiosas do mundo.
A resposta deles é ainda mais intrigante: Disseram que há um grande defeito nos presentes gratuitos, a saber, a vergonha que acomete todo o receptor de um presente gratuito. Para corrigir isso, o Criador preparou este mundo, onde há trabalho e esforço, para que recebam a recompensa pelo seu trabalho e esforço no mundo vindouro.
Mas a resposta deles é muito estranha. A que se assemelha isto? É como um pessoa que diz ao seu amigo: “Trabalha comigo por apenas um momento, e em troca, dar-te-ei todos os prazeres e tesouros do mundo pelo resto da tua vida.” De facto, não há maior dádiva gratuita que esta, pois a recompensa é totalmente incomparável com o trabalho, uma vez que o trabalho é neste mundo, um mundo transitório e sem valor comparado com a recompensa e o prazer no mundo eterno, pois que valor tem o mundo passageiro comparado com o mundo eterno? Ainda mais no que diz respeito à qualidade do esforço, que é insignificante comparada com a qualidade da recompensa.
Os nossos sábios disseram: “O Criador está destinado a doar a cada justo 310 mundos, etc.” Não podemos dizer que o Criador dá parte da recompensa em troca do trabalho e o resto como um presente gratuito, pois então de que valeria isso? O defeito da vergonha permaneceria no resto do presente! De facto, as palavras deles não devem ser tomadas literalmente, pois há aqui um significado profundo.
Toda a realidade foi emanada e criada com um único pensamento. Ele é o operador; é a própria operação; é a recompensa desejada; e é a essência do esforço.
8) Antes de nos aprofundarmos na explicação das suas palavras, devemos compreender o Seu pensamento ao criar os mundos e a realidade diante de nós. As Suas operações não surgiram de muitos pensamentos, como é o nosso modo, pois Ele é um, único e unificado. E, sendo Ele simples, as Suas luzes, que emanam Dele, são simples e unificadas, sem qualquer proliferação de formas, como está escrito: “Os Meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos são os Meus caminhos.”
Portanto, compreenda e perceba que todos os nomes e designações, e todos os mundos, superiores e inferiores, são uma luz simples, única e unificada. No Criador, a luz que expande, o pensamento, a operação, o operador e tudo o que o coração pode pensar e contemplar são Nele uma só e mesma coisa.
Assim, pode julgar e perceber que toda esta realidade, os superiores e os inferiores como um só, no seu estado final de correção, foi emanada e criada com um único pensamento. Esse pensamento único realiza todas as operações; é a essência de todas as operações, o propósito e a essência do esforço. É, por si só, a própria perfeição e a recompensa almejada, como escreveu Nachmanides, “um, único e unificado”.
A questão da restrição explica como uma operação incompleta surgiu do operador perfeito.
9) O ARI elaborou sobre a questão da Tzimtzum Alef [Primeira restrição] nos primeiros capítulos deste livro. Esta é uma questão muito séria, pois é necessário que todas as corrupções e todas as várias imperfeições expandam e provenham Dele.
Está escrito, “o Formador da luz e Criador da escuridão”, mas então as corrupções e a escuridão são o completo oposto Dele, como podem elas derivar uma da outra? Além disso, como poderiam coexistir com a luz e o prazer no pensamento da criação?
Não podemos dizer que são dois pensamentos separados; Deus nos livre de sequer pensar nisso. Assim, como tudo isto expande Dele até este mundo, que está tão cheio de escória, tormento e imundície, e como coexistem no único pensamento?
Capítulo Dois
Explicar o pensamento da criação.
10) Agora vamos esclarecer o pensamento da criação. Certamente, “o fim do trabalho está no pensamento preliminar”. Mesmo nos humanos corpóreos, com os seus muitos pensamentos, o fim do trabalho está no pensamento preliminar. Por exemplo, quando alguém constrói a sua casa, compreendemos que o primeiro pensamento neste empreendimento é a forma da casa onde habitar.
Portanto, é precedido por muitos pensamentos e muitas ações até que esta forma que ele desenhou previamente esteja completa. Esta forma é o que aparece no fim de todas as suas operações. Assim, vemos que “o fim do trabalho está no pensamento preliminar”.
O fim do trabalho, que é o eixo e o propósito para o qual tudo isto foi criado, é deleitar as Suas criações, como está escrito no Zohar. É sabido que o Seu pensamento termina e age imediatamente, pois Ele não é um humano, que é impelido a agir. Pelo contrário, o próprio pensamento completa todo o trabalho de uma só vez.
Por isso, podemos ver que, assim que Ele pensou na criação, para deleitar as Suas criaturas, esta luz estendeu e expandiu-se imediatamente Dele na medida e forma plenas dos prazeres que Ele tinha contemplado. Tudo está incluído nesse pensamento, que chamamos “o pensamento da criação”, e compreendam isto aprofundadamente, pois é um lugar onde fomos instruídos a ser precisos. Devem saber que chamamos a este pensamento da criação “a luz de Ein Sof [infinito/sem fim]”, pois não temos uma única palavra ou expressão na Sua essência para O definir de todo, por qualquer nome, e lembre-se disto.
O Ratzon Lehashpia [Desejo de doar] no Emanador gera necessariamente o Ratzon Lekabel [Desejo de Receber] no emanado, e este é o vaso no qual o ser emanado recebe a Sua abundância.
11) O ARI disse que, no início, uma Ohr Elyon Pashut [Luz Superior Simples] tinha preenchido toda a realidade. Isto significa que, assim que o Criador contemplou deleitar os seus seres criados e a luz se expandiu Dele e aparentemente partiu Dele, o Ratzon Lekabel [Desejo de Receber] o Seu prazer foi imediatamente impresso nesta luz.
Também podemos determinar que este desejo é a medida plena da luz que se expande, ou seja, a medida da Sua luz e abundância é conforme a medida do Seu desejo de deleitar: nem mais, nem menos.
Por esta razão, chamamos a essência desse Ratzon Lekabel [Desejo de Receber], impresso nesta luz pelo poder do Seu pensamento, pelo nome de “Makom [lugar]”. Por exemplo, quando dizemos que a pessoa tem um estômago grande o suficiente para comer meio quilo de pão, enquanto outra pessoa não consegue comer mais do que um quarto de quilo de pão, a que Makom [lugar] nos referimos? Não é o tamanho dos intestinos, mas a medida do apetite. Vemos que a medida para o Makom [lugar] da receção do pão depende da medida e do desejo de comer.
É ainda mais assim na espiritualidade, onde o Ratzon Lekabel [Desejo de Receber] a abundância é o Makom [lugar] da abundância, e a abundância é medida pela intensidade do desejo.
O Ratzon Lekabel [Desejo de Receber] contido no pensamento da criação fê-lo sair do Seu próprio ser para adquirir o nome Ein Sof [Infinito].
12) Através disto podemos aprender por que a luz de Ein Sof [infinito/sem fim] se separou do Seu Atzmuto [Ser], no qual não podemos proferir qualquer palavra, e passou a ser definida pelo nome “luz de Ein Sof”. Isto ocorre devido ao discernimento acima, de que o Ratzon Lekabel [Desejo de Receber] do Seu ser está incluído nesta luz. Esta é uma nova forma que não está de modo algum incluída no Seu ser, pois de quem Ele receberia? Esta forma é também a medida plena desta luz. Examine isto bem, pois é impossível elaborar aqui.
Antes da Tzimtzum [Restrição], a Shinui Tzurah [Disparidade de forma] no Ratzon Lekabel [Desejo de Receber] era indiscernível.
13) Na Sua omnipotência, esta nova forma não teria sido definida como uma mudança da Sua luz, como está escrito em Pirkey de Rabino Eliezer: “Antes de o mundo ser criado, havia ‘Ele é um e o Seu nome Um’”.
“Ele” indica a luz em Ein Sof [Infinito], e o “Seu nome” implica o “Makom [Lugar]”, que é o Ratzon Lekabel [Desejo de Receber] do Seu ser, contido na luz de Ein Sof [Infinito]. Ele diz-nos que Ele e o Seu nome são um só. O “Seu nome” é Malchut de Ein Sof [Infinito], sendo o desejo, ou seja, o Ratzon Lekabel [Desejo de Receber] que foi impresso em toda a realidade contida no pensamento da criação. Antes da Tzimtzum [restrição], nenhuma Shinui Tzurah [Disparidade de forma] ou diferença da luz era discernida nele, e a luz e o “Makom [Lugar]” são verdadeiramente um só. Se houvesse alguma diferença ou carência no lugar em comparação com a luz de Ein Sof [Infinito], certamente haveria ali dois discernimentos.
A Tzimtzum [Restrição] significa que Malchut de Ein Sof [Infinito] diminuiu o Ratzon Lekabel [Desejo de Receber] em si. Então, a luz desapareceu, pois não há luz sem um Kli [Vaso].
14) Este é o significado da restrição: o Ratzon Lekabel [Desejo de Receber] contido na luz de Ein Sof [Malchut], chamado Malchut de Ein Sof, que é o pensamento da criação em Ein Sof [Infinito] que contém toda a realidade, adornou-se para ascender e igualar a sua forma ao Seu Atzmuto [Ser]. Assim, ela diminuiu o seu Ratzon Lekabel [Desejo de Receber] a Sua shefa [Abundância] na Behina Dalet [Fase Quatro] do desejo. A sua intenção era que, ao fazê-lo, os mundos fossem emanados e criados até este mundo.
Desta forma, a forma do Ratzon Lekabel [Desejo de Receber] seria corrigido e regressaria à forma de doação, e isso leva-la-ia à Hishtavut Ha-tzurah [Equivalência de forma] com o Emanador. Então, após ela ter diminuído o Ratzon Lekabel [Desejo de Receber], consequentemente, a luz desapareceu de lá, pois já sabemos que a luz depende do desejo, e o desejo é o lugar da luz, pois não há coerção na espiritualidade.
Capítulo Três
Explicação da origem da alma.
15) Agora explicaremos a questão da origem da alma. Foi dito que ela é uma parte de Deus do Alto. Perguntámos: “Como, e em quê, a forma da alma difere da Sua Orh PAshut [luz simples] até se separar do Todo?” Agora podemos compreender que há realmente uma grande Shinui Tzura [Disparidade de Forma] nela. Embora Ele contenha todas as formas concebíveis e imagináveis, ainda assim, após o que foi dito acima, encontramos uma forma que não está contida Nele, ou seja, a forma do Ratzon Lekabel [Desejo de Receber], pois de quem Ele receberia?
Contudo, as almas, cuja criação aconteceu apenas porque Ele quis deleitá-las, que é o pensamento da criação, foram necessariamente impressas com esta lei de querer e ansiar receber a Sua Shefa [Abundância]. É aqui que elas diferem Dele, pois a forma delas mudou em relação à Sua. Já foi explicado que uma essência corpórea é separada e dividida pela força do movimento e da distância de localização, e uma essência espiritual é separada e dividida pela Shinui Tzura [Disparidade de forma]. De acordo com a medida da Shinui Tzura [Disparidade de forma] entre si, assim é a medida da distância entre elas. Se a Shinui Tzura [Disparidade de forma] chega à completa oposição, de um extremo ao outro, tornam-se completamente separadas e distintas, a ponto de não poderem mais nutrir-se uma da outra, pois são consideradas alheias uma à outra.
Capítulo Quatro
Após o Tzimtzum [restrição] e o Masach [Tela] que foram feitos no Ratzon Lekabel [Desejo de Receber], ele tornou-se inapropriado para ser um Kli [vaso] de receção e saiu do sistema de Kedusha [santidade]. A Ohr Hozer [luz refletida] serve como Kli de Kabbalah [Vaso de receção] no seu lugar, e o Kli [vaso] do Ratzon Lekabel [Desejo de Receber] foi dado ao sistema de Tuma’a [impureza].
16) Após o Tzimtzum [restrição] e o Masach [Tela] que foram colocados nesse Kli [vaso] chamado “Ratzon Lekabel [Desejo de Receber]”, ele foi cancelado e saiu do sistema de Kedusha. No seu lugar, a Ohr Hozer [luz refletida] tornou-se o Kli de Kabbalah [Vaso de receção], (como está escrito na Parte 3).
Devem saber que esta é toda a diferença entre ABYA de Kedusha e ABYA de Tuma’a. Os Kelim de Kabbalah [Vasos de receção] de ABYA de Kedusha provêm da Ohr Hozer [Luz refletida] que está estabelecida em Hishtavut Ha-tzurah [Equivalência de forma] com Ein Sof [Infinito], enquanto ABYA de Tuma’a usam o desejo de receber que foi restrito, sendo a forma oposta a Ein Sof [Infinito]. Isso faz com que estejam separados e cortados da “Vida das Vidas”, ou seja, Ein Sof [Infinito].
O homem alimenta-se do fermento das Klipot [cascas], e assim usa o Ratzon Lekabel [Desejo de Receber] como elas fazem.
17) Agora podem compreender a raiz das corrupções que foram imediatamente incorporadas no pensamento da criação, que é deleitar os seus Nivraim [seres criados]. Após a concatenação dos cinco mundos gerais, Adam Kadmon e ABYA, as Klipot [cascas] também apareceram nos quatro mundos ABYA de Tuma’a [impureza], como em “Deus fez um em oposição ao outro”. Nesse estado, o corpo corpóreo e turvo está diante de nós, do qual foi dito: “Pois a inclinação do coração do homem é má desde a sua juventude.” Isto acontece porque todo o seu sustento, desde a juventude provém do fermento das Klipot. Toda a questão das Klipot e Tuma’a é a forma do desejo que elas possuem, de apenas receber, e eles não têm nada do Ratzon Lehashpia [Desejo de doar].
Por isso, elas são opostas a Ele, pois Ele não tem nenhum Ratzon Lekabel [Desejo de Receber], e tudo o que deseja é deleitar e doar. É por isso que as Klipot são chamadas “mortas”, pois a sua oposição de forma em relação à Vida das Vidas as separa Dele, e elas não têm nada da Sua abundância.
Por conseguinte, o corpo, que também se alimenta do fermento das Klipot, está igualmente separado da vida e cheio com imundície. E tudo isto é por causa do desejo de apenas receber, e não de doar, que está impresso nele. O seu desejo está sempre aberto para receber o mundo inteiro no seu estômago. É por isso que “os ímpios, nas suas vidas, são chamados ‘mortos’”, pois a sua Shinui Tzurah [Disparidade de forma] fundamental, em relação à sua raiz, onde não têm nada da qualidade de doação, os separa Dele e tornam-nos verdadeiramente mortos.
Embora pareça que os ímpios também têm a forma de doação quando dão caridade, etc., foi dito sobre eles no Zohar: “Qualquer Chesed [Misericórdia] que fazem, fazem-na para si próprios, pois o seu objetivo é principalmente para si e para a sua própria glória.”
Mas os justos, que se dedicam à Torá e às Mitzvot [mandamentos] não para receber recompensa, mas para doar contentamento ao seu Criador, assim purificam os seus corpos e invertem os seus Kelim [Vasos] de receção para a forma de doação.
Como disse o nosso professor: “É sabido e revelado”, etc., “e eu não desfrutei nem mesmo com o dedo mindinho” (Ketubot 104). Isto faz com que estejam completamente aderidos a Ele, pois a sua forma é idêntica à do seu Criador, sem qualquer Shinui Tzurah [Disparidade de forma]. Os nossos sábios disseram sobre o versículo: “Digam a Sião: ‘Vocês são o Meu povo.’” Foi interpretado na “Introdução ao Livro do Zohar”, Item 67, que vocês estão Comigo, em parceria. Isto significa que os justos são parceiros do Criador, pois Ele começou a criação, e os justos terminam-na, ao transformar os Kelim de Kabbalah [Vasos de receção] em doação.
Toda a realidade está contida em Ein Sof e expande da ‘existência a partir da existência’ (iesh me iesh). Apenas o Ratzon Lekabel [Desejo de Receber] é novo e expande da ‘existência a partir da ausência’ (iesh me ein).
18) Devem saber que toda a questão da inovação que o Criador inovou com esta criação, sobre a qual os nossos sábios disseram que Ele originou ‘existência a partir da ausência’ (iesh me ein), aplica-se apenas à forma do desejo de benefício próprio impresso em cada ser criado. Nada mais foi inovado na criação, e este é o significado de “formador da luz e criador da escuridão”. Nachmanides interpretou a palavra “Criador” como indicando uma novidade, ou seja, algo que não existia antes.
É possível ver que não diz “criar a luz”, pois não há inovação nisso através da ‘existência a partir da ausência’ (iesh me ein). Isto porque a luz e tudo o que está contido na luz, todas as sensações e conceções agradáveis no mundo, expandem como ‘existência a partir da existência’ (iesh me iesh). Isto significa que já estão incluídas Nele; portanto, não há inovação nelas. É por isso que está escrito: “O formador da luz”, indicando que não há inovações ou criação nisso.
No entanto, diz-se da escuridão, que contém todas as sensações e conceções desagradáveis, “e criador da escuridão”. Isto porque Ele as inventou, literalmente, como ‘existência a partir da ausência’ (iesh me ein). Portanto, isso não existe de forma alguma, na Sua realidade, mas foi agora inovado. A raiz de todas elas é a forma do “desejo de benefício próprio” incluído nas Suas luzes, que expandem Dele.
Inicialmente, é apenas mais escura que a Ohr Elyon [Luz superior], e é portanto chamada “escuridão” em comparação com a luz. Mas, finalmente, as Klipot [cascas], Sitra Achra [outro lado] e os ímpios, concatenam e surgem por causa dela, o que os corta completamente da raiz da vida.
Este é o significado do versículo “As suas pernas descem à morte”. “As suas pernas” indicam o fim de algo. Ele diz que, no final, a morte concatena das pernas de Malchut — o desejo de benefício próprio que existe na expansão da Sua luz — para a Sitra Achra e para aqueles que se alimentam dela e a seguem.
Porque somos ramos que se expandem de Ein Sof [Infinito], as coisas que estão na nossa raiz são aprazíveis para nós, e aquelas que não estão na nossa raiz são penosas e dolorosas.
19) Podemos perguntar: “Uma vez que esta Shinui Tzurah [Disparidade de forma] do Ratzon Lekabel [Desejo de Receber] deve estar nas criações, pois como poderiam eles expandir Dele e passar de ser Criador a ser seres criados?” Isto só é possível através da Shinui Tzurah [Disparidade de forma] mencionada acima.
Para além disso, esta forma do desejo de benefício próprio é a essência primária da criação, o eixo do pensamento da criação. É também a medida do deleite e do prazer, como dissemos acima, pelo que é chamada de um “Makom [lugar]”.
Assim, como podemos dizer sobre ela que é chamada “escuridão” e se expande ao discernimento da morte, uma vez que cria separação e interrupção da Vida das Vidas nos inferiores que recebem? Devemos também compreender qual é esta grande ansiedade que vem até aos receptores, por causa da Shinui Tzurah [Disparidade de forma], em relação ao Seu Atzmuto [ser] e a razão da grande ira acerca disso.
Para explicar esta questão subtil de forma suficiente, devemos primeiro esclarecer a origem de todos os prazeres e sofrimentos sentidos no nosso mundo. Devemos saber o seguinte: é sabido que a natureza de cada ramo é igual à sua raiz. Portanto, o ramo deseja, ama e cobiça todo o comportamento na raiz, e não tolera, e odeia qualquer comportamento que não esteja na raiz.
Esta é uma lei inquebrável que se aplica a cada ramo e à sua raiz. Porque Ele é a raiz de todas as Suas criações, tudo que se encontra Nele e que expande diretamente Dele é prazeroso e agradável para nós, pois a nossa natureza está próxima da nossa raiz. Para além disso, tudo o que não se encontra Nele e não expande diretamente Dele, mas é antes oposto à própria criação, será contrário à nossa natureza e difícil de tolerar.
Por exemplo, amamos o repouso e odiamos veementemente o movimento, a tal ponto que não fazemos um único movimento senão para encontrar repouso. Isto acontece porque a nossa raiz está imóvel e em repouso; não há movimento algum Nele. Por esta razão, o movimento é contrário à nossa natureza e odiado por nós.
Da mesma forma, amamos a sabedoria, o poder, a riqueza e todas as virtudes porque estão contidas Nele, que é a nossa raiz. Odiamos os seus opostos, como a insensatez, a fraqueza, a pobreza, a ignomínia e assim por diante, pois não estão de modo algum na nossa raiz, tornando-os desprezíveis, repugnantes e intoleráveis para nós.
Ainda assim, devemos examinar como pode haver alguma extensão que não venha diretamente Dele, mas do oposto da própria criação. É como um homem rico que chamou um pobre, alimentou-o, deu-lhe de beber e concedeu-lhe prata e ouro todos os dias, e cada dia mais do que no dia anterior.
Notem que este homem experiencia simultaneamente dois sabores distintos nos grandes presentes do homem rico: por um lado, sente um prazer imensurável devido à abundância dos presentes; por outro, é-lhe difícil tolerar os benefícios abundantes e sente vergonha ao recebê-los. Esta questão causa-lhe intolerância devido aos presentes abundantes que lhe são oferecidos a cada vez.
É certo que o prazer dos presentes lhe chega diretamente do benfeitor rico, mas a impaciência que sentiu nos presentes não veio do benfeitor rico, mas da própria essência do recetor — a vergonha despertada nele devido à receção e ao presente gratuito. A verdade é que isto, também, lhe chega do homem rico, claro, mas indiretamente.
Porque o Ratzon Lekabel [Desejo de Receber] não está na nossa raiz, sentimos vergonha e intolerância nele. Os nossos sábios escreveram que, para corrigir isto, Ele “preparou” para nós o esforço na Torá e nas Mitzvot neste mundo, para transformar o Ratzon Lekabel [Desejo de Receber] num Ratzon Lehashpia [Desejo de doar].
20) De tudo o que foi dito acima, aprendemos que todas as formas que se expandem indiretamente d’ Ele até nós, apresentam dificuldade para a nossa paciência e são contrárias à nossa natureza. Por isto, verá que a nova forma criada no recetor, nomeadamente o desejo de benefício próprio, não é de modo algum inferior ou carente em comparação com Ele. Pelo contrário, este é o eixo principal da Sua criação. Se não fosse por isto, não haveria, de todo, criação aqui. Contudo, o recetor, que é o portador desta forma, sente a intolerância devido ao seu “eu”, pois esta forma não existe na sua raiz.
Assim, conseguimos compreender a resposta dos nossos sábios de que este mundo foi criado porque “quem come o que não é seu teme olhar para o seu rosto”. Isto parece muito intrigante, mas agora as suas palavras são-nos muito agradáveis, pois referem-se à questão da Shinui Tzurah [Disparidade de forma] do desejo de benefício próprio, que necessariamente existe nas almas, uma vez que “quem come o que não é seu teme olhar para o seu rosto”. Ou seja, qualquer recetor de um presente sente vergonha ao recebê-lo devido à Shinui Tzurah [Disparidade de forma] em relação à Raiz, pois a raiz não possui essa forma de receção. Para corrigir isto, Ele criou este mundo onde a alma vem e reveste-se de um corpo. Através do envolvimento na Torá e nas Mitzvot [mandamentos] para trazer contentamento ao seu Criador, os Kelim de Kabbalah [Vasos de receção] da alma são transformados em Kelim [Vasos] de doação.
Assim, por si própria, ela não quis a abundância valiosa, mas recebe-a para trazer contentamento ao seu Criador, que deseja que as almas desfrutem da Sua abundância. E porque ela está purificada do Ratzon Lekabel [Desejo de Receber] para si própria, já não teme olhar para o seu rosto, e isto revela a perfeição completa do ser criado. A importância e a necessidade da longa concatenação para este mundo serão explicadas abaixo, que este grande esforço de transformar a forma de receção na forma de doação, só pode ser concebido neste mundo.
Os ímpios perdem a dobrar, e os justos herdarão a dobrar.
21) Venha e veja que os ímpios perdem a dobrar, pois seguram ambas as extremidades da corda. Este mundo foi criado com ausência e vazio de toda a boa abundância, e para adquirir posses precisamos de movimento. Sabemos que a profusão de movimento causa dor ao homem, pois é uma extensão indireta da Sua essência. No entanto, também é impossível permanecer desprovido de posses e bens, pois isso, também, está em contraste com a Shoresh [Raiz], uma vez que a Shoresh [Raiz] está abundantemente preenchida. Assim, escolhemos o tormento do movimento para adquirir preenchimento com posses.
Contudo, porque todas as suas posses e propriedades são apenas para si próprios, e “quem tem cem quer duzentos”, acontece que “não se morre com metade dos desejos na mão”. Assim, sofrem de ambos os lados: da dor do movimento aumentado e da dor da carência de posses, metade das quais lhes falta.
Mas “os justos, na sua terra, herdarão a dobrar”. Por conseguinte, uma vez que transformam o seu Ratzon Lekabel [Desejo de Receber] num Ratzon Lehashpia [Desejo de doar], e o que recebem é para doar, herdam a dobrar. Não só alcançam a perfeição dos prazeres e uma variedade de posses, como também adquirem a Hishtavut Ha-tzurah [Equivalência de forma] com o seu Criador. Assim, alcançam a verdadeira adesão e estão também em repouso, pois a Shefa [Abundância] vem até eles por si própria, sem qualquer movimento ou esforço.
Capítulo Cinco
O pensamento da criação obriga cada elemento da realidade a derivar dos outros até ao fim da correção.
22) Agora que fomos recompensados com tudo o que foi exposto, teremos alguma compreensão da Sua singularidade, de que os Seus pensamentos não são os nossos pensamentos, e toda a abundância de substâncias e formas que percebemos nesta realidade diante de nós está unida Nele num único pensamento, sendo o pensamento da criação, para deleitar as Suas criações. Este pensamento singular abrange toda a realidade em perfeita unidade, até ao fim da correção, pois este é o propósito total da criação, e este é o operador, como a força que opera no operado. Isto porque o que é apenas um pensamento Nele é uma lei vinculativa nos seres criados. Porque Ele pensou em deleitar-nos, ocorreu em nós, obrigatoriamente, receber a Sua abundância boa.
É a operação. Isto significa que, após esta lei do Ratzon Lekabel [Desejo de Receber] prazer ter sido impressa em nós, definimo-nos pelo nome “operação”. Isto acontece porque, através desta Shinui Tzurah [Disparidade de forma], deixamos de ser o Criador e tornamo-nos um ser criado, e de sermos o Operador tornamo-nos a operação.
Este é o esforço e o trabalho. Devido à força que opera no operado, o Ratzon Lekabel [Desejo de Receber] aumenta em nós à medida que os mundos concatenam, até nos tornarmos um corpo separado neste mundo, oposto em forma à Vida das Vidas, que não doa de modo algum para fora de si próprio, o que traz a morte aos corpos e todo tipo de tormento e esforço à alma.
Este é o significado do trabalho do Criador na Torá e nas Mitzvot. Através da iluminação da linha no lugar restrito, os nomes sagrados expandem-se — Torá e Mitzvot. Ao esforçar-se na Torá e nas Mitzvot para doar contentamento ao Criador, os seus Kelim de Kabbalah [Vasos de receção] transformam-se gradualmente em Kelim [Vasos] de doação, e esta é toda a recompensa desejada.
Quanto mais os nossos Kelim de Kabbalah [Vasos de receção] não estiverem corrigidos, mais incapazes somos de abrir a boca para receber a Sua abundância, por medo da Shinui Tzurah [Disparidade de forma], como em “quem come o que não é seu teme olhar para o seu rosto”, pois esta foi a razão da Tzimtzum Alef [primeira restrição]. Contudo, quando corrigimos os nossos Kelim de Kabbalah [Vasos de receção] para trabalhar para doar, igualamos assim os nossos Kelim [Vasos] ao seu Criador e tornamo-nos aptos a receber a Sua abundância, sem limites.
Assim, é possível ver que todas estas formas opostas em toda a criação diante de nós, nomeadamente a forma do operador e do operado, a forma das corrupções e correções, e a forma do esforço e a sua recompensa, estão todas incluídas no Seu pensamento singular. Que não é mais nem menos que “deleitar os Seus seres criados”, exatamente isso.
Toda a variedade de conceitos também está incluída nesse pensamento, tanto os conceitos da nossa sagrada Torá como os dos ensinamentos externos. Todas as muitas criações e mundos e as diversas condutas em cada um deles, derivam deste pensamento singular, como explicarei abaixo no seu devido lugar.
Malchut de Ein Sof [Infinito] significa que Malchut não impõe qualquer Sof [fim] ali.
23) De acordo com o exposto, podemos compreender o que é apresentado em Tikkuney Zohar [uma parte do Zohar] a respeito de Malchut de Ein Sof, pela qual as portas tremeram com os gritos dos duvidosos de que seria possível reconhecer uma Malchut em Ein Sof [Infinito]? Pois, se pudermos, isso significa que também ali estão as primeiras nove Sefirot! Das nossas palavras, torna-se muito claro que o Ratzon Lekabel [Desejo de Receber], que está necessariamente incluído na luz de Ein Sof [Infinito], é chamado Malchut de Ein Sof [Infinito]. No entanto, Malchut não impôs ali um limite ou fim à luz de Ein Sof [Infinito], porque a Shinui Tzurah [Disparidade de forma] devido ao Ratzon Lekabel [Desejo de Receber] ainda não se tornara aparente nela. É por isso que é chamada Ein Sof [Ein Sof], o que significa que Malchut não estabelece ali um Sof [Fim]. Pelo contrário, da Tzimtzum [restrição] para baixo, foi estabelecido um fim em cada Sefira e Partzuf pela força de Malchut.
Capítulo Seis
É impossível que o Ratzon Lekabel [Desejo de Receber] apareça em qualquer essência, exceto em quatro fases, que são as quatro letras de HaVaYaH.
24) Aprofundemo-nos um pouco nesta questão, para compreender plenamente o Sof [Fim] que ocorreu em Malchut. Primeiro, explicaremos o que os cabalistas determinaram e está apresentado no Zohar e nos Tikkunim, que não há luz, grande ou pequena, nos Olamot [Mundos] superiores ou inferiores, que não esteja organizada na ordem do nome de quatro letras HaVaYaH.
Isto está em harmonia com a lei apresentada na ‘Árvore da Vida’, que não há luz nos Olamot [Mundos] que não esteja revestida num Kli [Vaso]. Já expliquei a diferença entre o Seu Atzmuto [ser] e a luz que se expande Dele, que se deve apenas ao desejo de deleitar-se contido na Sua luz em expansão, sendo uma Shinui Tzurah [Disparidade de forma] em relação ao Seu Atzmuto [ser], pois Ele não possui este desejo.
Isto define a luz em expansão pelo nome “Netzal [Ser Emanado]”, porque devido a esta Shinui Tzurah [Disparidade de forma], a luz deixa de ser o Maatzil [Emanador] e torna-se um Netzal [Ser Emanado]. Também foi explicado que o desejo de se deleitar incluído na Sua luz é também a medida da grandeza da luz. É chamado o “Makom [lugar]” da luz, significando que recebe a sua abundância de acordo com a sua medida de Ratzon Lekabel [Desejo de Receber] e anseio, nem menos nem mais.
Também se explica que esta questão do Ratzon Lekabel [Desejo de Receber] é a própria inovação gerada na criação dos mundos através da formação da Iesh me Ein [existência a partir da ausência]. Isto porque esta forma, por si só, não está incluída de modo algum no Seu ser, e o Criador apenas a criou agora, para o propósito da criação. Este é o significado de “e cria a escuridão”, pois esta forma é a raiz da escuridão devido à Shinui Tzurah [Disparidade de forma] nela contida. Por esta razão, é mais escura do que a luz que se expande dentro dela e por causa dela.
Agora vemos que qualquer luz que se expande Dele consiste instantaneamente em dois discernimentos: o primeiro discernimento é a própria luz em expansão, antes de a forma de “desejo de se deleitar” aparecer nela. O segundo discernimento é após a forma de “desejo de se deleitar” se manifestar, momento em que se torna mais espessa e algo mais escura devido à aquisição da Shinui Tzurah [Disparidade de forma].
Assim, o primeiro discernimento é a luz, e o segundo discernimento é o Kli [vaso]. Por esta razão, qualquer luz em expansão consiste em Dalet Behinot [quatro fases] na impressão sobre o Kli [vaso]. Isto porque a forma do Ratzon Lekabel [Desejo de Receber], chamada “um Kli [vaso] para a luz em expansão”, não se completa de uma só vez, mas através do operador e do operado. Há dois discernimentos no operador e dois discernimentos no operado. São chamados “potencial” e “implementado” no operador, e “potencial” e “implementado” no operado, o que constitui quatro discernimentos.
O Ratzon Lekabel [Desejo de Receber] é estabelecido no Netzal [Ser Emanado] apenas através do seu despertar para receber por sua própria iniciativa.
25) Porque o Kli [vaso] é a raiz da escuridão, sendo oposto à luz, deve, portanto, ser ativado lenta e gradualmente, através de causa e consequência. Este é o significado do versículo: “As águas conceberam e geraram a escuridão” (Midrash Rabbah, Shemot, Capítulo 22).
A escuridão é um resultado da própria luz e é operada por ela, como na conceção e no nascimento, significando potencial e implementado. Isto quer dizer que o Ratzon Lekabel [Desejo de Receber] está necessariamente incluído em qualquer luz em expansão. Contudo, não é considerado uma Shinui Tzurah [Disparidade de forma] antes que este desejo esteja claramente estabelecido na luz.
O Ratzon Lekabel [Desejo de Receber] incluído na luz, pelo Maatzil [Emanador], não é suficiente para isso. Pelo contrário, o próprio Netzal [Ser Emanado] deve revelar, por si próprio, o Ratzon Lekabel [Desejo de Receber], na prática, ou seja, por sua própria escolha. Isto significa que ele deve expandir a abundância através da sua própria vontade, mais do que a medida da luz da expansão nele, pelo Maatzil [Emanador].
Após o Netzal [Ser Emanado] ser operado pela sua própria escolha, aumentando a medida do seu desejo, o anseio e o desejo de receber fixam-se nele, e a luz pode revestir este Kli [Vaso] permanentemente.
É verdade que a luz de Ein Sof [Infinito] aparentemente se expande sobre todas as Dalet Behinot [Quatro fases], alcançando a plena medida do desejo pelo Netzal [Ser Emanado] em si próprio, sendo a Behina Dalet [Fase quatro], pois não surgiria do Seu Atzmuto [Ser] de forma alguma e adquiriria um nome para si próprio, ou seja, Ein Sof [Infinito].
Contudo, na Sua omnipotência, a forma não mudou de modo algum devido ao Ratzon Lekabel [Desejo de Receber], e não se distingue ali nenhuma mudança entre a luz e o lugar da luz, que é o desejo de se deleitar; eles são uma e a mesma coisa.
Está escrito em Pirkey do Rabino Eliezer: “Antes de o mundo ser criado, havia Ele é um e o Seu nome Um.” É, de facto, difícil de compreender esta dupla referência a “Ele” e “o Shmo [Seu Nome]”. O que tem o Shmo [Seu Nome] a ver ali, antes de o mundo ser criado? Deveria ter dito: “Antes de o mundo ser criado, Ele era um.”
No entanto, isto refere-se à luz de Ein Sof [Infinito], que precede a Tzimtzum [Restrição]. Embora ali haja um Makom [Lugar] e um Ratzon Lekabel [Desejo de Receber] a abundância do Seu Atzmuto [Ser], ainda assim é sem mudança ou distinção entre a luz e o “Makom [Lugar]”.
“Ele é um” significa a luz de Ein Sof [Infinito]. “O Shmo [Seu Nome] é um” significa o desejo de deleite incluído ali, sem qualquer mudança. Deve compreender o que os nossos sábios sugeriram, que “o Shmo [Seu Nome]” é desejo em Gematria, ou seja, o “desejo de deleite”.
Todos os mundos no pensamento da criação, chamados “a luz de Ein Sof [Infinito]”, e o conjunto dos receptores ali é chamado Malchut de Ein Sof [Infinito].
26) Já foi explicado a respeito de “o fim do trabalho está no pensamento preliminar”, que é o pensamento da criação, que se expandiu do Seu Atzmuto [ser] para deleitar as Suas criações. Aprendemos que, Nele, o pensamento e a luz são uma e a mesma coisa. Portanto, a luz de Ein Sof [Infinito] que se expandiu do Seu Atzmuto [Ser] contém toda a realidade diante de nós até ao fim da correção futura, que é o fim do trabalho. Nele, todas as criações já estão completas com toda a sua perfeição e alegria que Ele desejou doar-lhes. Esta realidade, que é suficientemente completa, é chamada “a luz de Ein Sof [Infinito]”, e aquilo que as contém é chamado Malchut de Ein Sof [Infinito].
Capítulo Sete
Embora apenas a Behina Dalet [Fase Quatro] tenha sido restrita, a luz também deixou as três primeiras Behinot [Fases].
27) Já foi explicado que o Nekuda Hametza’it [Ponto Médio], que é o ponto abrangente do pensamento da criação, nomeadamente o desejo de deleite nele, se adornou para aumentar a sua Hishtavut Ha-tzurah [Equivalência de forma] com o Netzal [Ser Emanado]. Embora não haja Shinui Tzurah [Disparidade de forma] na Sua Omnipotência do ponto de vista do Netzal [Ser Emanado], o ponto do desejo sentiu-o como uma espécie de expansão indireta da Sua essência, como na alegoria do homem rico. Por esta razão, ela diminuiu o seu desejo da última Behina [Fase], que é a Gadlut completa [grandeza/maturidade] do Ratzon Lekabel [Desejo de Receber], para aumentar a adesão através de uma expansão direta da Sua essência.
Então, a luz foi esvaziada de todo aquele Makom [Lugar], ou seja, de todos os quatro níveis que existem no Makom [Lugar]. Embora ela tenha diminuído o seu desejo apenas da Behina Dalet [Fase Quatro], é da natureza do espiritual ser indivisível.
Depois, ele voltou a expandir uma linha de luz das três primeiras Behinot [Fases], e a Behina Dalet [Fase Quatro] permaneceu um Halal Panui [espaço vago].
28) Posteriormente, a luz de Ein Sof [Infinito] expandiu-se novamente ao Makom [Lugar] que foi esvaziado. Não preencheu todo o Makom [Lugar] em todas as Dalet Behinot [quatro fases], mas apenas três Behinot [Fases], conforme era o desejo do ponto de Tzimtzum [restrição]. Assim, o Nekuda Hametza’it [Ponto Médio] que foi restrito permaneceu vazio e vago, pois a luz iluminou apenas até à Behina Dalet [Fase Quatro], mas não até ao Sof [Fim], e a Ohr [Luz] de Ein Sof [Infinito] parou ali.
Explicaremos doravante a questão da incorporação das Behinot [Fases] umas nas outras, aplicada nos mundos superiores. Agora é possível ver que as Dalet Behinot [quatro fases] estão incorporadas umas nas outras de tal modo que, dentro da própria Behina Dalet [Fase Quatro], também estão todas as Dalet Behinot [quatro fases]. Assim, na Behina Dalet [Fase Quatro], a luz de Ein Sof alcançou as três primeiras Behinot [Fases] nela, e apenas a última Behina [Fase] na Behina Dalet [Fase Quatro] permaneceu vazia e sem luz.
Capítulo Oito
Hochma é chamada “luz”, e Hassadim, “Maim [Água]”. Bina é chamada “Maim [Água] superior”, e Malchut, “Maim [Água] inferior”.
29) Agora explicaremos o significado das Dalet Behinot [Quatro fases] de causa e consequência, necessárias para completar a forma do Ratzon Lekabel [Desejo de Receber], como em “As águas conceberam e geraram a escuridão”. Há dois discernimentos na luz em Atzilut. O primeiro discernimento é chamado “Ohr [Luz]”, que é Hochma, e o segundo discernimento é chamado “Maim [Água]”, que é Hassadim.
O primeiro discernimento expande-se de cima para baixo sem qualquer assistência do Tachton [Inferior]. O segundo discernimento expande-se com a ajuda do Tachton [Inferior], daí o nome “Maim [Água]”, pois é da natureza da luz, cuja fundação está acima, e da natureza da Maim [Água], cuja fundação está abaixo.
Há também dois discernimentos na própria Maim [Água]: Maim [Água] superior, pela Behina Bet [Fase Dois] nas Dalet Behinot [Quatro fases], e Maim [Água] inferior, pela Behina Dalet [Fase Quatro] nas Dalet Behinot [Quatro fases].
Explicação da expansão da Ohr [Luz] de Ein Sof [Infinito] em Dalet Behinot [Quatro fases] para revelar o Kli [Vaso], que é o Ratzon Lekabel [Desejo de Receber].
30) Por esta razão, qualquer expansão da Ohr [Luz] de Ein Sof [Infinito] consiste em dez Sefirot, pois a Ohr [Luz] de Ein Sof [Infinito], que é a Shoresh [Raiz] e o Maatzil [Emanador], é chamada Keter. A Ohr [Luz] da expansão em si própria é chamada Hochma, e esta é a medida completa da expansão da Ohr [Luz] do Alto, de Ein Sof. Já foi dito que o Ratzon Lekabel [Desejo de Receber] está incorporado em cada expansão de Ohr [Luz] do Alto. Contudo, a forma do Ratzon Lekabel [Desejo de Receber] não se torna realmente aparente antes que o Ratzon [Desejo] desperte no ser emanado para expandir mais Ohr [Luz] do que a medida da sua expansão.
E portanto, já que o Ratzon Lekabel [Desejo de Receber] está incluído como potencial desde o início na Ohr [Luz] da expansão, a Ohr [Luz] é, por isso, obrigada a trazer esse potencial à realização. Consequentemente, a Ohr [Luz] desperta para expandir uma abundância adicional para além da medida da sua expansão de Ein Sof [Infinito]. Através disto, o Ratzon Lekabel [Desejo de Receber] aparece na prática nessa Ohr [Luz] e adquire a forma da inovação através de uma ligeira Shinui Tzurah [Disparidade de forma], pois, através disso, torna-se mais escura do que a Ohr [Luz], uma vez que se tornou mais espessa pela nova forma.
A parte que se tornou mais espessa é designada por Bina. Este é o significado de “Eu sou Bina [entendimento], a Gevura [força] pertence-me.” Em verdade, Bina é uma parte de Hochma, ou seja, a Ohr [Luz] efetiva da expansão de Ein Sof [Infinito]. Contudo, porque intensificou o seu desejo e atraiu maior abundância do que a medida da expansão nela, proveniente de Ein Sof [Infinito], adquiriu, assim, uma Shinui Tzurah [Disparidade de forma] e tornou-se ligeiramente mais espessa que a Ohr [Luz]. Por conseguinte, adquiriu o seu próprio nome, que é a Sefira Bina.
A essência da abundância adicional que ela expandiu de Ein Sof [Infinito] pelo poder da intensificação do seu desejo é chamada “Ohr [Luz] de Hassadim” ou “Maim [Água] superior”. Isto porque esta Ohr [Luz] não se expande diretamente de Ein Sof [Infinito], como a Ohr [Luz] de Hochma, mas através da assistência do Netzal [Ser Emanado] que intensificou o desejo. Assim, ela merece o seu próprio nome, sendo chamada “Ohr [Luz] de Hassadim” ou “Maim [Água]”.
Assim, verifica-se que a Sefira Bina é composta por três discernimentos de Ohr [Luz]: o primeiro discernimento é a própria Ohr [Luz] de Bina, que é uma parte da luz de Hochma. O segundo é tornar-se mais espessa e a Shinui Tzurah [Disparidade de forma] adquirida nela atraves da intensificação do desejo. O terceiro discernimento é a Ohr [Luz] de Hassadim que lhe chega através da sua própria expansão de Ein Sof [Infinito].
Contudo, isto ainda não completa todo o Kli de Kabbalah [Vaso de receção], uma vez que a essência de Bina é a Ohr [Luz] de Hochma, que é muito sublime, uma expansão direta da Ohr [Luz] de Ein Sof [Infinito]. Consequentemente, apenas a Shoresh [Raiz] dos Kelim de Kabbalah [Vasos de receção] e o operador para a operação do Kli [Vaso] apareceram em Bina.
Posteriormente, essa mesma Ohr [Luz] de Hassadim, que ela expandiu pelo poder da sua intensificação, expandiu-se dela novamente, e alguma iluminação de Hochma foi acrescentada. Esta expansão da Ohr [Luz] de Hassadim é chamada Zeir Anpin, ou HGT.
Esta Ohr [Luz] de expansão também aumentou o seu desejo de expandir uma nova abundância, maior que a medida da iluminação de Hochma na sua expansão a partir de Bina. Esta expansão é também considerada em duas fases, pois a Ohr [Luz] da própria expansão é chamada ZA ou VAK, enquanto a intensificação nela é chamada Malchut.
Assim se chegamos às dez Sefirot: Keter é Ein Sof [Infinito]; Hochma é a Ohr [Luz] da expansão de Ein Sof [Infinito]; Bina é a Ohr [Luz] de Hochma que se intensificou para aumentar a abundância, pelo que se tornou mais espessa. ZA, que consiste em HGT NHY, é a Ohr [Luz] de Hassadim com iluminação de Hochma que se expande a partir de Bina, e Malchut é a segunda intensificação para acrescentar iluminação de Hochma mais do que existe em ZA.
As Dalet Behinot[Quatro Fases] no Ratzon [Desejo] são as quatro letras HaVaYaH, que são KHB TM.
31) Este é o significado das quatro letras do Nome de quatro letras: A ponta do Yod é Ein Sof, ou seja, a força operante incluída no pensamento da criação, que é deleitar as Suas criações, nomeadamente o Kli [Vaso] de Keter. Yod é Hochma, ou seja, a Behina Alef [Fase Um], que é o potencial na implementação contido desde o início na Ohr [Luz] da expansão de Ein Sof [Infinito]. A primeira Hey é Bina, ou seja, a Behina Bet [Fase Dois], considerada como a implementação do potencial, ou seja, a Ohr [Luz] que se tornou mais espessa que Hochma.
Vav é Zeir Anpin ou HGT NHY, ou seja, a expansão da Ohr [Luz] de Hassadim que surgiu através de Bina. Esta é a Behina Gimmel [Fase Três], o potencial para revelar a operação, a Hey inferior em HaVaYaH. É Malchut, ou seja, a Behina Dalet [Fase Quatro], a manifestação completa do ato no Kli de Kabbalah [Vaso de receção] que se intensificou para atrair mais abundância do que a sua medida de expansão a partir de Bina. Isto completa a forma do desejo de receber e a Ohr [Luz] que reveste o seu Kli [vaso], sendo o desejo de receber que só se completa nesta quarta fase e não antes.
Agora podemos ver facilmente que não há Ohr [Luz] nos mundos superiores ou inferiores que não esteja disposta sob o Nome de quatro letras, sendo as Dalet Behinot[Quatro Fases]. Sem isso, o desejo de receber, que deve estar em cada Ohr [Luz], permanece incompleto, pois este desejo é o lugar e a medida dessa Ohr [Luz].
As letras Yod e Vav de HaVaYaH são finas porque são discernidas apenas como potencial.
32) Isto pode surpreender-nos, uma vez que Yod implica Hochma e Hey implica Bina, e toda a Ohr [Luz] existente nas dez Sefirot está na Sefira de Hochma, enquanto Bina, Zeir Anpin e Malchut são apenas revestimentos em relação a Hochma. Assim, Hochma deveria ter recebido a letra maior no Nome de quatro letras.
O facto é que as letras do Nome de quatro letras não implicam nem indicam a medida ou quantidade de Ohr [Luz] nas dez Sefirot. Em vez disso, indicam medidas de impressão do Kli [Vaso]. O branco no pergaminho do rolo da Torá implica a Ohr [Luz], e o preto, sendo as letras no rolo da Torá, indica a qualidade dos Kelim [vasos].
Assim, porque Keter é apenas discernido como a Shoresh [Raiz] do Kli [vaso], está implicado apenas na ponta do Yod. Hochma, que é o potencial que não se manifestou na prática, está implicado pela menor das letras, nomeadamente o Yod.
Bina, na qual o potencial se realiza na prática, é indicada pela letra mais larga, o Hey. Uma vez que ZA é apenas o potencial para revelar o ato, está implicado por uma letra longa e fina, que é o Vav. A sua finura indica que a essência do Kli [vaso] ainda está oculta nele, em potencial, em segredo. O comprimento da linha indica que, no final da sua expansão, o Kli [vaso] completo aparece através dela.
Hochma não conseguiu revelar o Kli [vaso] completo através da sua expansão, pois Bina é ainda um Kli [vaso] incompleto; ao invés, é o operador do Kli [vaso]. É por isso que a perna do Yod é curta, indicando que ainda é curta e não revelou um Kli [vaso] completo através da força oculta nela e da sua expansão.
Malchut, também, é implicada pela letra Hey, como Bina, que é uma letra larga, aparecendo na sua forma completa. Não deve surpreender que Bina e Malchut tenham as mesmas letras, pois no mundo da correção elas são, de facto, semelhantes e emprestam os seus Kelim [vasos] uma à outra, como no versículo: “E foram juntas”.
Capítulo Nove
O movimento espiritual significa uma nova mudança de forma.
33) Ainda devemos explicar o significado de tempo e movimento que encontramos em quase todas as palavras desta sabedoria. Na verdade, devemos saber que o movimento espiritual não é como o movimento tangível de lugar para lugar. Ao invés, refere-se a uma nova forma. Denominamos cada nova forma pelo título de “movimento”. Essa inovação, ou seja, uma nova mudança de forma que ocorreu no espiritual, distinta da sua forma geral precedente nesse espiritual, é considerada como tendo sido dividida e afastada desse espiritual. É considerada como tendo surgido com o seu próprio nome e autoridade, sendo exatamente como um ser corpóreo do qual uma parte se separou e se move de lugar para lugar. Assim, a nova forma é chamada “movimento”.
O “tempo espiritual” significa um certo número de novas mudanças de forma que derivam umas das outras. Anterior e posterior significam causa e consequência.
34) Quanto à definição espiritual de tempo, compreenda-se que, para nós, todo o conceito de tempo é apenas uma sensação de movimentos. A nossa imaginação representa e concebe um certo número de movimentos consecutivos que sente um a um e interpreta como uma certa quantidade de “tempo”. Assim, se alguém estivesse num estado de repouso completo com o seu ambiente, nem sequer estaria consciente do conceito de tempo. Assim é na espiritualidade: uma certa quantidade de novas formas é considerada como “movimentos espirituais” que se entrelaçam uns nos outros através de causa e consequência, e são chamados “tempo” na espiritualidade. Também, “antes” e “depois” significam sempre “causa e consequência”.
Capítulo Dez
Toda a substância atribuída ao Neetzal [Ser Emanado] é o Ratzon Lekabel [Desejo de Receber]. Qualquer acrescento nele é atribuído ao Maatzil [Emanador].
35) Deve saber que o Ratzon Lekabel [Desejo de Receber] no Neetzal [Ser Emanado], como foi esclarecido, é o seu Kli [vaso]. Saiba também que é toda a substância geral atribuída ao Neetzal [Ser Emanado]. Por conseguinte tudo o que existe para além disso é atribuído ao Maatzil [Emanador].
O Ratzon Lekabel [Desejo de Receber] é a primeira forma de cada essência. Definimos a primeira forma como “substância” porque não temos nenhuma realização espiritual na essência.
36) Embora percebamos o Ratzon Lekabel [Desejo de Receber] como um incidente e uma forma na essência, como o percebemos como a substância da essência? Na verdade, é o mesmo com as essências que nos são próximas. Chamamos a primeira forma na essência pelo nome de “a primeira substância na essência”, uma vez que não temos nenhuma realização espiritual ou perceção em nenhuma substância, pois todos os nossos cinco sentidos são completamente inadequados para isso. A visão, a audição, o olfato, o paladar e o tato oferecem ao intelecto que faz o escrutínio meras formas abstratas de “incidentes” da essência, formuladas através da colaboração com os nossos sentidos.
Por exemplo, se pegarmos até os menores átomos microscópicos nos menores elementos de qualquer essência, que são separados através de um processo químico, eles também são apenas formas abstratas que aparecem dessa maneira aos olhos. Mais precisamente, distinguimo-los e discernimo-los pelas formas do Ratzon Lekabel [Desejo de Receber] e de ser recebido que encontramos neles.
Seguindo estas operações, podemos distinguir e separar estes vários átomos até à primeira matéria dessa essência. Contudo, mesmo então, seriam apenas forças na essência e não uma substância.
Assim, verifica-se que, mesmo na corporeidade, não temos outra forma de compreender a primeira matéria, exceto assumindo que a primeira forma é a primeira matéria, que carrega todos os outros incidentes e formas que a seguem. Isto é ainda mais evidente nos Olamot [Mundos] superiores, onde o tangível e o imaginário não se aplicam.