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Michael Laitman

A Nação


Jerusalém, Dalet Sivan, Tav-Shin (5 de Junho de 1940)


A Nossa Intenção
Este jornal, A Nação, é uma nova entidade no seio do povo judeu. Trata-se de um jornal "interpartidário". E poder-se-á perguntar: "O que significa um jornal 'interpartidário'? Como pode existir um jornal que sirva todos os partidos em conjunto, apesar de toda a oposição e contrastes entre eles?"
De fato, trata-se de um "ser" que nasceu em tempos de extrema aflição, através de dores de parto árduas e terríveis, do meio do veneno do ódio que acometeu as nações do mundo para nos obliterar da face da Terra, do extermínio de milhões dos nossos irmãos, e que ainda estão dispostos a fazer mais. A sua inclinação sádica é insaciável, e a calamidade é dupla, pois não podemos iludir-nos de que tudo isto seja apenas um fenómeno transitório, como nas nossas experiências passadas na história, em que, se uma nação se levantava contra nós, encontrávamos refúgio noutra.
Contudo, agora a situação é muito diferente. Não só somos atacados simultaneamente de todas as direções, como até as nações mais desenvolvidas fecharam as suas portas diante de nós, sem qualquer sentimento de piedade ou compaixão, e de uma forma tão implacável que não tem precedentes em toda a história humana, nem mesmo nos tempos mais bárbaros.
É claro que, salvo se confiarmos em milagres, a nossa existência, tanto como indivíduos como enquanto nação, pende entre a vida e a morte. E a salvação reside em encontrarmos o estratagema necessário, aquele grande plano que só se descobre perante o perigo, e que pode inclinar a balança a nosso favor, proporcionando-nos um refúgio seguro aqui para todos os nossos irmãos na diáspora, pois, segundo se diz, este é, actualmente, o único local de salvação.
Então, abrir-se-á diante de nós o caminho da vida, para que possamos, de algum modo, continuar a nossa existência apesar das dificuldades. E se perdermos esta oportunidade e não nos elevarmos como um só, com os grandes esforços que uma época de perigo exige, para garantir a nossa permanência na terra, os factos diante de nós representam uma ameaça terrível, pois os acontecimentos estão a desenvolver-se favoravelmente para os nossos inimigos, que procuram destruir-nos da face da Terra.
É igualmente claro que o enorme esforço exigido pelo árduo caminho que nos espera, requer uma unidade sólida e resistente como o aço, de todas as partes da nação, sem excepção. Se não nos apresentarmos com fileiras unidas perante as poderosas forças que se interpõem no nosso caminho, para nos prejudicar, veremos a nossa esperança condenada à partida.
E apesar de tudo isto, cada pessoa e cada partido permanece sentado, zelando meticulosamente pelos seus próprios interesses, sem fazer qualquer concessão. E em circunstância alguma conseguem, ou melhor, querem alcançar a unidade nacional, como este momento perigoso exige. Assim, permanecemos mergulhados na indiferença, como se nada tivesse acontecido.
Tente imaginar que uma nação nos "mostrasse a porta", como é tão comum nos dias de hoje. Certamente, então, ninguém pensaria na sua pertença partidária, pois a adversidade moldar-nos-ia a todos numa única massa, para nos defendermos ou para fazermos as malas e fugirmos por mar ou por terra. Se sentíssemos o perigo como real, não há dúvida de que também nos uniríamos devidamente, e sem qualquer dificuldade.
Nestes termos, reunimo-nos aqui — um pequeno grupo, de todas as fações, pessoas que sentem o terrível açoite nas costas como se já tivesse acontecido. Eles assumiram a responsabilidade de publicar este jornal, que acreditam ser um canal fiel para transmitir os seus sentimentos a toda a nação, com todas as suas fações e seitas, sem exclusão. Deste modo, os contrastes e o partidarismo tacanho seriam anulados. Mais corretamente, seriam silenciados e dariam lugar ao que os precede, permitindo-nos a união num corpo sólido e único, qualificado a proteger-se neste momento crucial.
E ainda que este perigo seja conhecido por todos, como o é por nós, talvez ainda não tenha sido plenamente compreendido por toda a sociedade, na sua verdadeira dimensão. Se o tivessem sentido, há muito teriam sacudido o pó do partidarismo, na medida em que este obstrui a unidade das nossas fileiras. Se isto não aconteceu, é apenas porque este sentimento ainda não é partilhado por muitos.
Por isso, assumimos a publicação deste jornal, para estar vigilante, alertar para o perigo e explicá-lo ao público, até que todos os elementos segregadores sejam silenciados e possamos enfrentar o nosso inimigo com fileiras unidas, dando-lhe a resposta devida no momento certo.
Para além disso, estamos confiantes de que entre nós ainda existem aqueles que procuram os corações, que podem fornecer um plano bem-sucedido para unir todas as fações da nação. Pela experiência, aprendemos que são precisamente essas pessoas que passam despercebidas e não encontram ouvintes. Neste jornal, estamos dispostos a dar espaço a quem tiver uma solução garantida para a união da nação, para que a publique e a faça chegar ao público.
The Editors
Para além de tudo o que foi dito, através da publicação deste jornal, temos a intenção de defender a nossa antiga cultura de dois mil anos, desde antes da destruição do nosso país. Pretendemos revelá-la e limpá-la das camadas que sobre ela se acumularam durante os anos do nosso exílio entre as nações, para que a sua natureza judaica pura seja reconhecida, tal como era naquela época. Isto vai trazer-nos o maior benefício, pois poderemos encontrar uma forma de ligar a nossa mentalidade diaspórica àquele tempo glorioso, e libertar-nos da necessidade de tomar emprestado de outros.
Os Editores


O Indivíduo e a Nação
Nós, seres humanos, somos sociais. Como não podemos satisfazer as nossas necessidades vitais sem a ajuda dos outros, a colaboração com muitos torna-se essencial para a nossa existência. Não é este o lugar para explorar a evolução das nações, bastando-nos observar a realidade tal como se apresenta diante dos nossos olhos.
É um facto, que não conseguimos suprir as nossas necessidades por nós próprios e que necessitamos de uma vida em sociedade. Por essa razão, os indivíduos foram forçados a unir-se numa entidade chamada “nação” ou “estado”, onde cada um se dedica ao seu ofício, alguns na agricultura, outros na manufactura. Estabelecem conexões através da troca dos seus produtos. Assim se formaram as nações, cada uma com a sua natureza peculiar, tanto na vida material como na vida cultural.
Observando a vida, percebemos que o processo de uma nação é semelhante ao processo de um indivíduo. O funcionamento de cada pessoa dentro da nação é análogo ao funcionamento dos órgãos dentro de um único corpo. Deve haver harmonia completa entre os órgãos de cada pessoa: os olhos veem, o cérebro processa a informação, consulta e delibera, as mãos trabalham ou lutam, as pernas caminham. Cada órgão mantém-se atento e pronto para desempenhar a sua função. Da mesma forma, os órgãos que compõem o corpo da nação, conselheiros, empregadores, trabalhadores, transportadores, etc, devem funcionar em perfeita harmonia entre si. Isso é necessário para a vida normal da nação e para garantir a sua existência.
Assim como a morte natural do indivíduo resulta da desarmonia entre os seus órgãos, também a decadência natural da nação decorre de uma obstrução que ocorra entre os seus órgãos, tal como testemunharam os nossos sábios: “Jerusalém foi destruída apenas devido ao ódio infundado que existia nessa geração.” Nessa altura, a nação foi assolada e pereceu, e os seus órgãos foram espalhados em todas as direções.
Por conseguinte, é essencial que cada nação se mantenha fortemente unida, de modo que todos os indivíduos dentro dela estejam ligados uns aos outros por um amor instintivo. Além disso, cada indivíduo deve sentir que a felicidade da nação é a sua própria felicidade, e que a decadência da nação é a sua própria decadência. Deve estar disposto a entregar-se inteiramente pela nação, sempre que necessário. Caso contrário, o seu direito de existir como nação no mundo estará condenado desde o princípio.
Isto não significa que todas as pessoas da nação, sem exceção, tenham de ser assim. Significa que os membros da nação, que sentem essa harmonia, são aqueles que realmente constituem a nação, e a medida da felicidade e sustentabilidade da nação depende da sua qualidade. Assim que um número suficiente de indivíduos assegure a existência da nação, pode haver um certo número de membros desligados, que não estão conectados ao corpo da nação na medida mencionada, pois a base já se encontra assegurada sem eles.
Por isso, na antiguidade, não encontrávamos uniões e sociedades sem laços de parentesco entre os seus membros, pois esse amor primitivo, essencial para a existência de uma sociedade, só se encontra nas famílias que descendem de um único progenitor.
No entanto, à medida que as gerações se desenvolveram, começaram a surgir sociedades ligadas sob o conceito de “estado”, ou seja, sem qualquer vínculo familiar ou racial. O único elo do indivíduo com o estado já não era uma conexão natural e primitiva, mas sim uma necessidade comum, na qual cada indivíduo se une ao coletivo formando um único corpo, que é o estado. E o estado protege o corpo e os bens de cada indivíduo com todo o seu poder.
Contudo, essa transição, em que as gerações passaram da nação natural para o estado artificial, de laços baseados no amor primitivo para laços baseados na necessidade comum, não eliminou as condições essenciais que eram necessárias na nação natural e racial. A regra é que, assim como um indivíduo saudável tem pleno controlo sobre os seus órgãos, baseado unicamente no amor, pois os órgãos obedecem alegremente sem receio de punição, assim também o estado deve ter domínio total sobre os indivíduos no que diz respeito às suas necessidades coletivas, baseado no amor e na devoção instintiva dos indivíduos para com o coletivo. Esta é a força mais conveniente e suficiente para impulsionar os indivíduos em prol das necessidades do coletivo.
No entanto, um domínio baseado na coerção e no castigo é demasiado fraco para mover cada indivíduo de forma suficiente a garantir as necessidades do público. E, do mesmo modo, o público tornar-se-á fraco e incapaz de cumprir o seu dever de proteger e garantir o corpo e os bens de cada indivíduo.
E não estamos aqui a tratar da forma de governo do estado, seja autocrático, democrático ou cooperativo. Isso não altera em nada a essência da força necessária para estabelecer a unidade social. Tal unidade não pode ser estabelecida, e muito menos sustentada, senão através de laços de amor social.
É lamentável admitir que uma das mais preciosas virtudes que perdemos durante o exílio, e a mais importante delas, foi a consciência da nacionalidade, ou seja, aquele sentimento natural que une e sustenta cada nação. Os laços de amor que mantêm unida uma nação, tão naturais e primitivos em todas as nações, enfraqueceram e romperam-se dentro dos nossos corações, e já não existem.
E o pior de tudo é que, mesmo o pouco que ainda nos resta de amor nacional, não está enraizado em nós de forma positiva, como acontece com todas as nações. Pelo contrário, existe dentro de nós numa base negativa: é o sofrimento comum que cada um de nós sofre por ser um membro da nação. Foi esse sofrimento que nos imprimiu uma consciência nacional e uma proximidade, como acontece entre companheiros de desventura.
Esta é uma causa externa. Enquanto essa causa externa se fundiu e se misturou com a nossa consciência nacional natural, surgiu e inflamou-se um tipo peculiar de amor nacional, confuso, artificial e incompreensível.
O mais importante, porém, é que esse amor é completamente inadequado para a sua missão. A sua medida de agrado apenas basta para uma excitação momentânea, sem a força e a solidez necessárias para nos reconstruirmos como uma nação autossustentável. Pois uma união que existe devido a um fator externo não é, de forma alguma, uma união nacional autêntica.
Nesse sentido, somos como um monte de frutos secos, agrupados num só corpo apenas pelo saco que os envolve e mantém juntos. A sua medida de unidade não os torna um corpo coeso, e qualquer movimento aplicado ao saco provoca tumulto e separação entre eles. Assim, estão continuamente sujeitos a novas uniões e agregações parciais. O problema está na falta de uma coesão interna, pois toda a sua força de unidade advém apenas de fatores externos. Para nós, esta é uma realidade profundamente dolorosa.
Na verdade, a centelha do nacionalismo manteve-se dentro de nós na sua plenitude, mas enfraqueceu e tornou-se inativa. Foi ainda grandemente prejudicada pela mistura que recebeu do exterior, como já referimos. No entanto, isso não nos fortalece, e a realidade permanece amarga.
A única esperança reside em estabelecer para nós uma nova educação nacional, que revele e reacenda, mais uma vez, o amor natural pela nossa nação, que se encontra enfraquecido dentro de nós. É necessário revitalizar os músculos nacionais, que permaneceram inativos em nós durante dois milénios, recorrendo a todos os meios adequados para esse fim. Só então teremos uma fundação natural e segura para nos reconstruirmos e continuarmos a existir enquanto nação capaz de se sustentar, tal como todas as outras nações do mundo.
Isto é uma condição prévia para qualquer ação ou empreendimento. Antes de mais, o alicerce deve ser construído de forma suficientemente sólida para suportar o peso que lhe será imposto. Só então se pode iniciar a edificação do edifício. Mas é uma vergonha para aqueles que constroem edifícios sem uma base firme Não apenas falham em construir algo duradouro, como também põem a si próprios e aos que os rodeiam em perigo, pois ao menor abalo o edifício vai desmoronar-se e os seus fragmentos vão espalhar-se em todas as direções.
Aqui devo enfatizar a respeito da educação nacional mencionada anteriormente: embora o meu objetivo seja semear entre os indivíduos da nação um grande amor mútuo, tanto a nível particular como no coletivo, na sua máxima expressão possível, isto em nada se assemelha ao chauvinismo ou ao fascismo. Rejeitamo-los por completo, e a minha consciência está absolutamente limpa deles. Ainda que, à superfície, as palavras possam parecer semelhantes, pois o chauvinismo não é senão um amor nacional excessivo, na sua essência, encontram-se tão distantes entre si como o preto do branco.
Para compreender facilmente a diferença entre elas, devemos compará-las às medidas de egoísmo e altruísmo num indivíduo. Como já foi dito, o processo da nação assemelha-se, em todos os seus pormenores, ao processo do indivíduo. Este é um princípio fundamental para entender todas as leis nacionais, sem delas se desviar nem para a direita nem para a esquerda, nem sequer por um milímetro.
É evidente que a medida de egoísmo inerente a cada criatura é uma condição necessária para a sua existência individual. Sem isso, não existiria como um ser distinto e separado. No entanto, isso de modo algum nega a medida do altruísmo no indivíduo. O que se exige é que se estabeleçam limites bem definidos entre ambos: a lei do egoísmo deve ser mantida na sua plenitude, na medida em que for essencial para a existência mínima. E com qualquer excedente dessa medida, é concedida permissão para renunciar em benefício do próximo.
Naturalmente, quem age dessa forma pode ser considerado verdadeiramente altruísta. No entanto, aquele que abdica até mesmo da sua parte mínima em prol dos outros, colocando assim a sua própria vida em risco, não age de acordo com a natureza e não pode manter tal conduta de forma contínua, senão uma única vez na vida.
O egoísta extremo, que não tem qualquer consideração pelo bem-estar alheio, é desprezível aos nossos olhos, pois é dessa substância que nascem os saqueadores, os assassinos e todos os corruptos. O mesmo se aplica ao egoísmo e ao altruísmo no âmbito nacional: o amor nacional deve estar impresso em todos os indivíduos da nação, nem mais nem menos do que o amor egoísta que um ser humano tem pelo seu benefício, sendo suficiente para garantir a existência da nação enquanto tal, para que esta possa sustentar-se a si própria. E tudo o que ultrapasse essa medida mínima pode ser dedicado ao bem-estar da humanidade como um todo, sem distinções de nação ou de raça.
Pelo contrário, repudiamos totalmente o egoísmo nacional excessivo, desde as nações que não têm qualquer consideração pelo bem-estar alheio até aquelas que saqueiam e assassinam outras nações por mero interesse próprio, o que se designa por "chauvinismo". Assim, aqueles que se afastam completamente do nacionalismo e adotam um cosmopolitismo por motivos humanitários e altruístas cometem um erro fundamental, pois nacionalismo e humanismo não são, de forma alguma, conceitos contraditórios.
É, portanto, evidente que o amor nacional é a base de toda e qualquer nação, assim como o egoísmo é a base da existência de cada ser individual. Sem ele, a nação não poderia subsistir no mundo. Do mesmo modo, o amor nacional dentro dos indivíduos de uma nação é o alicerce da independência de uma nação. Esta é a única razão pela qual uma nação continua ou deixa de existir.
Por esta razão, esta deve ser a primeira preocupação no renascimento da nação. No presente, esse amor não se encontra dentro de nós, pois perdemo-lo ao longo do nosso exílio entre as nações durante os últimos dois milénios. O que temos aqui não é uma nação unida por laços de amor nacional puro, mas apenas um agrupamento de indivíduos. Ao invés, um liga-se pela língua comum, outro pela terra natal, um terceiro pela religião, e um quarto pela história partilhada. Cada um deseja viver aqui segundo os moldes da nação de onde veio. Não têm em consideração que, nessa nação, já existia um corpo nacional bem definido antes da sua chegada, e no qual não teve qualquer papel ativo na sua construção.
No entanto, quando a pessoa vem para Israel, onde não há uma estrutura previamente estabelecida que permita à nação funcionar autonomamente, não temos qualquer substância nacional sobre a qual possamos assentar a nossa edificação, nem tão-pouco o desejamos. Aqui, somos forçados a construir tudo por nós próprios. Mas como poderemos fazê-lo, se não existe um vínculo nacional natural que nos una nesta tarefa?
Estes laços dispersos, língua, religião e história, são, sem dúvida, valores importantes, e ninguém nega o seu mérito nacional. Contudo, são completamente insuficientes para servir de base ao sustento independente de uma nação. No final, o que temos aqui é apenas uma coleção de estrangeiros, descendentes de setenta nações e das suas respetivas culturas, cada um erguendo um palco para si mesmo, para o seu espírito e para as suas aprendizagens. Não há aqui nenhum elemento essencial que nos una internamente como um único corpo.
Sei bem que há algo que todos temos em comum: a fuga do amargo exílio. No entanto, isto não passa de uma união superficial, como o saco que contém os frutos secos, conforme mencionado anteriormente. Por isso, afirmei que é necessário estabelecer para nós uma educação especial, amplamente difundida, que incuta em cada um de nós um sentimento de amor nacional, tanto entre os indivíduos como em relação ao coletivo, para redescobrirmos aquele amor nacional que estava impresso em nós desde o tempo em que vivíamos na nossa terra como uma nação entre as nações.
Este trabalho precede todos os outros, pois, além de ser a base, é ele que dará estatuto e êxito a todas as demais ações que desejamos empreender neste domínio.
A.G.


O Nome da Nação, a Língua e a Terra
Devemos examinar o nome da nossa nação. Habitualmente, chamamo-nos "Hebreus", enquanto os nossos nomes usuais, "Judeu" ou "Israel", praticamente caíram em desuso. Tanto é assim que, para distinguir o jargão da língua da nação, chamamos à língua da nação "Hebraico" e ao jargão "Ídiche".
Na Bíblia, encontramos o nome "Hebreu" apenas na boca das nações do mundo, especialmente dos egípcios, como por exemplo: "Vede, ele trouxe-nos um hebreu para nos escarnecer" (Génesis 39:14), ou "E estava connosco ali um jovem, um hebreu" (Génesis 41:13), ou ainda "Este é um dos filhos dos hebreus" (Êxodo 2:6). Também os filisteus usavam este nome: "Para que os hebreus não façam uma espada" (1 Samuel 13:19). Além disso, encontramos esta designação na relação entre as nações e nós, como na guerra de Saul contra os filisteus, quando declarou: "Que os hebreus ouçam" e "os hebreus atravessaram o Jordão" (1 Samuel 13:7).
Além disso, o nome "Hebreu" aparece repetidamente associado a escravos, como "escravo hebreu" ou "serva hebreia", entre outras menções. No entanto, na verdade, nunca encontraremos na Bíblia a designação "Hebreu" para se referir ao povo, mas apenas um dos dois nomes: "Israel" ou "Judeu".
A origem do nome "Hebreu" parece estar numa antiga nação de renome que levava esse nome, pois o versículo (Génesis 10:21) coloca perante nós o nome do filho de Noé como o pai dessa nação: "E a Shem nasceram filhos, ele é o pai de todos os filhos de Éber". O patriarca Abraão provinha dessa nação, razão pela qual as outras nações o chamavam "Abraão, o Hebreu", como se lê em: "e anunciou-o a Abrão, o Hebreu" (Génesis 14:13).
Por esta razão, antes de Israel se tornar uma nação entre as nações, eram chamados "Hebreus", em referência à nação de Abraão, o patriarca. Embora os filhos de Israel fossem já identificados no Egito como um povo separado, como se diz: "Eis que o povo dos filhos de Israel é mais numeroso e mais forte do que nós. Vinde, tratemos sabiamente com ele, para que não se multiplique" (Êxodo 1:10). No entanto, este nome referia-se a uma tribo e não a uma nação, pois tornaram-se uma nação apenas ao chegar à Terra de Israel. Por isso, podemos concluir que esta é a razão pela qual as nações se recusavam a chamar-nos "a nação de Israel" mesmo depois de chegarmos à terra, para não reconhecerem a nossa existência enquanto nação. Preferiam enfatizar isso chamando-nos "Hebreus", tal como nos chamavam antes da nossa chegada à terra.
Não é por acaso que o nome "Hebreu" está ausente na Bíblia e na literatura subsequente, exceto em relação a servos e servas, a quem este nome se associa persistentemente: "servo hebreu", "serva hebreia". No entanto, nunca encontramos um "servo israelita" ou um "servo judeu". Esta associação parece ser um remanescente da escravidão no Egito, da qual fomos ordenados a lembrar-nos: "E vais recordar que foste um escravo na terra do Egito" (Deuteronómio 5:15).
Ainda hoje, a maioria das nações refere-se a nós como "Judeus" ou "Israelitas", e apenas os russos ainda nos chamam "Hebreus". Provavelmente, os inimigos de Israel entre eles impuseram este rótulo com o propósito mal-intencionado de negar a nossa nacionalidade, tal como faziam os antigos povos. Parece que eles aprofundaram muito mais o significado deste nome do que nós próprios, que o adotamos inconscientemente devido ao uso comum na língua russa, sem qualquer exame mais profundo. Deste modo, resulta de tudo o que foi dito que, se queremos respeitar-nos a nós mesmos, devemos cessar o uso do termo "Hebreu" para nos referirmos a qualquer homem livre do nosso povo.
De fato, relativamente ao nome da língua, se tivéssemos uma fonte histórica que atestasse que a antiga nação hebreia falava esta língua, então poderíamos chamá-la "Hebraico". No entanto, não encontrei qualquer prova histórica de que esta antiga nação falasse esta língua.
Por esta razão, devemos considerar a literatura talmúdica, que está quinze séculos mais próxima da fonte do que nós. No Talmude, é aceite de forma inequívoca que os antigos hebreus não usavam esta língua. Dizem ali: "Inicialmente, a Torá foi dada a Israel com letras hebraicas e na língua sagrada. Posteriormente, nos dias de Esdras, foi-lhes dada novamente com letras assírias e na língua aramaica. Israel escolheu para si as letras assírias e a língua sagrada, e deixou as letras hebraicas e a língua aramaica para os incultos" (Sanhedrin 21b). Assim, aprendemos com estas palavras que apenas as letras nos chegaram dos hebreus, mas não a língua, pois dizem "letras assírias e a língua sagrada" e não "letras e língua hebraicas".
Verificamos também (Meguilá 8b): "Por outro lado, a Bíblia está escrita em tradução, e a tradução que está escrita como a Bíblia, e com letras hebraicas, não tornam impuras as mãos". Assim, enfatizam: "uma tradução escrita como a Bíblia e com letras hebraicas", mas não dizem "uma tradução escrita em hebraico e com letras hebraicas", como a Mishna (Yadayim 4:5). Esta expressão "por outro lado" foi retirada dali para nos ensinar que apenas as letras são atribuídas aos hebreus, mas não a língua.
Além disso, não há evidência clara nas palavras da Mishna, pois parece que houve influência romana na formulação do texto. No entanto, quando a Mishna era memorizada oralmente, a precisão necessária era preservada.
Por outro lado, encontramos várias vezes nos Tanaim referências à língua como "a língua sagrada". Um exemplo está em Sifrei Beracha (Livros de Bênção), 13: "Todos os que habitam na terra de Israel, recitam a leitura da Shema de manhã e à noite e falam a língua sagrada, merecem o Mundo Vindouro." Também em Shekalim, no final do Capítulo 3, lê-se: "Aprendemos com o Rabi Meir que todos os que estão na terra de Israel de forma permanente e falam a língua sagrada..." etc.
Mesmo se assumirmos que podemos encontrar alguma fonte histórica que ateste que os antigos hebreus falavam esta língua, isso não nos obriga a nomeá-la em função deles, pois já não há vestígios desse povo entre os vivos. Como dissemos, este nome não acrescenta dignidade à nossa identidade nacional; pelo contrário, apenas os nossos inimigos o ligaram intencionalmente a nós, para rebaixar e desconsiderar os bens espirituais da nação. Assim, devemos também evitar seguir a língua inglesa, que denomina o povo como "Jews" (Judeus) e a língua como "Hebrew" (Hebraico).
Devemos também determinar qual o nome que melhor nos convém: "Judeus" ou "Israelitas". O nome "Israel" tem origem no nosso patriarca Jacó, que, conforme está escrito, recebeu este nome como expressão de força e honra: "O teu nome não será mais Jacó, mas sim Israel, pois lutaste com Deus e com os homens, e prevaleceste" (Génesis 32:29). É dele que vem a razão pela qual somos chamados "Israel".
No entanto, após o reinado do Rei Salomão, a nação dividiu-se em duas: as dez tribos que coroaram Jeroboão, filho de Nebat, e as duas tribos, Judá e Benjamim, que permaneceram sob o governo de Rehav’am, filho de Salomão. O nome "Israel" ficou associado às dez tribos, enquanto as tribos de Judá e Benjamim adotaram o nome "Judeus", como encontramos na história de Ester: "Havia um certo judeu em Susã, a capital, cujo nome era Mordechai, filho de Jair, filho de Shimei, filho de Kish, um Benjamita." Assim, também a tribo de Benjamim se identificava como "Judeus".
As dez tribos foram exiladas da terra muito antes do exílio de Judá, e desde então não há qualquer indício delas. O exílio de Judá, que foi exilado para a Babilónia, regressou à terra após setenta anos e reconstruiu-a. Por isso, durante todo o período do Segundo Templo, o nome "Judeus" é o mais mencionado, sendo "Israel" referido apenas raramente, em circunstâncias extraordinárias.
Nós, descendentes do exílio do Segundo Templo, somos também chamados, sobretudo, pelo nome "Judeus", pois descendemos das duas tribos, Judá e Benjamim, que se autodenominaram "Judeus". Assim, devemos determinar que o nome da nossa nação é "Judeus" e não "nação israelita" ou "Israel", uma vez que este último designa as dez tribos.
Quanto à língua, devemos certamente optar pelo nome "língua judaica" e não "língua israelita", pois na Bíblia não encontramos a expressão "língua israelita", ao contrário da menção explícita a "judaico": "não sabiam falar judaico" (Neemias 13:24); e também: "E disse Deus… ‘Falai agora com os vossos servos em Aramaico, pois entendemo-lo, e não faleis connosco em judaico, aos ouvidos do povo que está na muralha’" (2 Reis 18).
Na verdade, é precisamente por isso que a língua foi chamada de "judaico", uma vez que os súbditos do Rei Ezequias eram chamados "Judeus", assim como os que regressaram do exílio na Babilónia. As dez tribos, por sua vez, sendo denominadas "Israelitas", também chamaram à sua língua "língua israelita". No entanto, mesmo que assim tenha sido, isso não é razão para que nós, descendentes de Judá e Benjamim, chamemos à nossa língua "israelita".
Resumindo, tanto a nação como a língua devem ter exclusivamente o nome de Judá. A nação deve ser chamada "Judeus" e a língua "Judaico". Esta língua vernácula deve ser chamada "Ídiche". Apenas a terra pode ser designada como "Terra de Israel", pois é a herança de todas as tribos.


Crítica ao Marxismo à Luz da Nova Realidade e uma Solução para a Questão relativa à Unificação de Todas as Fações da Nação
Foi-me solicitado que apresentasse uma solução, segundo a minha perspetiva, para o doloroso problema da unificação de todos os partidos e facções num pano de fundo comum. Desde o início, devo admitir que não tenho uma solução para esta questão da forma como foi apresentada. Nem nunca haverá uma solução para ela, pois sábios de todas as nações e de todas as eras a investigaram e não encontraram uma via natural que fosse aceite por todas as fações. Muitos sofreram, e muitos ainda vão sofrer antes de encontrarem o caminho dourado que não contradiga as diversas perspetivas.
A dificuldade da questão reside no fato de que os homens não conseguem abdicar dos seus ideais. No que respeita à vida material, pode-se ceder até ao ponto necessário para a sobrevivência física, mas não acontece o mesmo com os ideais. Por natureza, os idealistas darão tudo o que têm para que a sua ideia triunfe. E se forem forçados a abdicar dos seus ideais, ainda que minimamente, tal não será uma concessão sincera. Pelo contrário, manter-se-ão vigilantes e aguardarão a oportunidade de recuperar o que consideram ser seu. Por conseguinte, tais compromissos não são dignos de confiança.
Ainda mais quando se trata de uma nação antiga, com uma civilização de milhares de anos. Os seus ideais já se desenvolveram muito mais do que os das nações que se desenvolveram mais recentemente. Assim, não há qualquer esperança de que possam chegar a um compromisso, nem mesmo parcial. É ingénuo pensar que, no fim, a ideia mais justa vai prevalecer sobre as demais, pois, com o tempo, todas as ideias revelam ter fundamento, conforme afirmaram os nossos sábios: "não há homem sem o seu lugar, nem há um assunto sem a sua hora".
Por esta razão, os ideais continuam a reaparecer. Ideais que foram rejeitados na antiguidade ressurgiram na Idade Média, e aqueles que foram afastados na Idade Média renasceram na nossa geração. Isto demonstra que todos eles estão corretos, mas nenhum deles é eterno.
Contudo, embora as nações do mundo sofram terrivelmente com este tumulto, ainda possuem uma estrutura sólida que lhes permite suportar esse fardo pesado. De algum modo, isso não ameaça de imediato a sua existência. Mas que poderá fazer uma nação pobre, cuja existência depende dos restos e migalhas que as outras nações, na sua misericórdia, lhe concedem apenas depois de se terem saciado? A sua espinha dorsal é demasiado frágil para suportar o peso deste conflito, especialmente nesta hora fatídica, em que nos encontramos à beira do abismo. Não é tempo para vaidades, disputas e guerras internas entre irmãos.
Face à gravidade do momento, tenho uma solução genuína a propor, que considero digna de aceitação e capaz de unir todas as fações numa única unidade. Contudo, antes de apresentar a minha sugestão, desejo tranquilizar os leitores quanto às minhas opiniões políticas.
Devo admitir que considero a ideia socialista de uma divisão equitativa e justa como a mais verdadeira. O nosso planeta é suficientemente rico para sustentar todos, então porque haveríamos de continuar esta trágica guerra até à morte, que tem obscurecido as nossas vidas ao longo das gerações? Vamos dividir entre nós o trabalho e os seus frutos de forma igualitária, e todos os problemas vão cessar! Afinal, que prazer obtêm, mesmo os milionários das suas riquezas, senão a segurança do seu sustento e do dos seus descendentes para algumas gerações? Mas num regime de distribuição justa, terão igualmente essa certeza e até mais.
E se disserem que não terão o mesmo respeito que tinham enquanto proprietários, isso também é irrelevante, pois todos os que alcançaram prestígio como detentores de bens certamente encontrarão a mesma honra noutro lugar, pois as portas da competição nunca se vão fechar.
Contudo, por mais verdadeira que esta ideia possa ser, não prometo aos seus adeptos nem um vestígio de paraíso. Pelo contrário, estão destinados a enfrentar tormentos como no inferno, conforme a prova viva da Rússia já nos demonstrou. No entanto, isto não invalida a veracidade deste ideal.
O seu único defeito é que, para nós, ainda não está amadurecido. Ou seja, a nossa geração ainda não está moralmente preparada para aceitar um governo de divisão justa e igualitária. Isto acontece porque ainda não tivemos tempo suficiente para evoluir até ao ponto de podermos aceitar o princípio: "de cada um segundo as suas capacidades, a cada um segundo as suas necessidades".
Isto assemelha-se ao pecado de Adam HaRishon [o Primeiro Homem]. Os nossos sábios antigos explicaram que o pecado ocorreu porque ele "comeu o fruto antes de estar maduro", antes de ter atingido a maturidade suficiente. Por esse pequeno erro, todo o mundo foi condenado à morte. Isto ensina-nos que este é o princípio de toda a corrupção no mundo.
As pessoas não sabem como observar e verificar se algo já amadureceu suficientemente. Ainda que o conteúdo de uma ideia seja vantajoso, é necessário aprofundar mais e ver se já está pronto e se os seus destinatários já cresceram o suficiente para a digerirem nas suas entranhas. Enquanto ainda estão em desenvolvimento, o que é verdadeiro e benéfico pode tornar-se prejudicial e enganador nas suas entranhas. Assim, estão condenados a perecer, pois quem come um fruto verde, morre pelo seu erro.
À luz disto, o impasse russo não provou que o ideal socialista é essencialmente injusto, pois ainda necessitam de tempo para aceitar esta verdade e justiça. Ainda não estão qualificados para agir em conformidade; apenas sofrem devido ao seu desenvolvimento insuficiente e à sua falta de aptidão para este ideal.
Vale a pena prestar atenção às palavras de M. Botkovsky (Davar, edição nº 4507). Ele pergunta: “Porque não agiria um político, membro do movimento socialista, como aquele físico que, ao deparar-se com falhas na interpretação a que estava habituado nas leis férreas da sua teoria, não hesitou em abandoná-la? Primeiro, tentou corrigi-la cuidadosamente e, finalmente, quando já não conseguia enfrentar a realidade, estava preparado para a descartar.”
Explica ainda: “Num tempo de ruína do Movimento Internacional dos Trabalhadores, devemos limpar os preconceitos. Quando os factos falam a linguagem da derrota, devemos voltar à mesa de trabalho e examinar vigorosamente o caminho e os seus princípios. Devemos reconhecer com responsabilidade o fardo sobre os ombros daqueles que continuam a caminhar.
“Esta é a via do pensamento científico quando encurralado pelas contradições entre a nova realidade e a teoria que explicava a realidade antiga. Apenas uma rutura ideológica permite o surgimento de uma nova ciência e de uma nova vida.”
E conclui: “Se não renegarmos a nossa consciência, vamos declarar que chegou o momento de um debate fundamental, um tempo de dores de parto. Agora é a hora dos líderes do movimento se erguerem e responderem à questão: ‘O que significa o socialismo hoje? Qual é o caminho que o corpo deve seguir?’”
Duvido que alguém no movimento responda às suas palavras, ou que talvez seja sequer capaz de as compreender na sua verdadeira essência. Não é fácil para um homem de cem anos, que até então teve tanto sucesso nos seus estudos, levantar-se e, de um momento para o outro, riscar a sua teoria passada, voltar à mesa de estudo e retomar os seus trabalhos, como o camarada Botkovsky exige dos líderes do movimento socialista.
Mas como ignorar as suas palavras? Embora ainda seja possível permanecer inativo perante a ruína do Movimento Internacional dos Trabalhadores, uma vez que não enfrentam uma destruição iminente e ainda lhes resta um certo nível de vida como servos e escravos submissos, a mesma coisa não se pode dizer sobre o perigo que enfrenta o Movimento dos Trabalhadores Hebraicos. Estes estão verdadeiramente à beira do aniquilamento sob o lema do inimigo: “destruir, matar e exterminar… crianças e mulheres”, como nos tempos da Rainha Ester.
Não devemos comparar a nossa ruína com a ruína do movimento entre as nações do mundo. Se apenas tivéssemos sido vendidos para a escravidão e servidão, permaneceríamos calados, como eles fazem. Mas é-nos negada até mesmo a segurança de uma vida de escravos.
Assim, não devemos deixar passar este momento. Devemos regressar à escola, reexaminar o ideal socialista à luz dos fatos e das contradições que emergiram nos nossos dias, e não temer romper barreiras ideológicas, pois nada se interpõe no caminho de salvar vidas.
Para este propósito, faremos uma breve revisão da evolução do socialismo desde as suas primeiras fases. De um modo geral, podemos distinguir três eras: A primeira foi o socialismo humanista, baseado no desenvolvimento da moralidade. Dirigia-se exclusivamente aos exploradores.
A segunda baseava-se no reconhecimento dos justos e dos malvados. Dirigia-se principalmente aos explorados, para que tomassem consciência de que os trabalhadores são os verdadeiros donos da obra e que os frutos da sociedade lhes pertencem. Como os trabalhadores constituem a maioria da sociedade, estavam certos de que, ao reconhecerem que são os justos, se ergueriam como um só, tomariam o que é seu e estabeleceriam um governo de divisão justa e igualitária na sociedade.
A terceira fase é o marxismo, que foi mais bem sucedida que todas as anteriores e que se baseia no Materialismo Histórico. A grande contradição entre as forças da criação, que são os trabalhadores, e aqueles que os exploram, os empregadores, impõe que a sociedade acabe por caminhar inevitavelmente para o perido e a destruição. Então, vai ocorrer a revolução na produção e na distribuição. O governo capitalista será forçado à ruína em favor do governo do proletariado.
Na sua visão, este governo surgiria por si próprio, através de causa e efeito. No entanto, para apressar o seu final, devemos procurar conselhos, e devem ser colocados obstáculos no caminho do governo burguês, a fim de acelerar a revolução.
Antes de passar à crítica do seu método, devo admitir que é o mais justo de todos os seus predecessores. Afinal, testemunhamos o seu enorme sucesso, tanto em quantidade como em qualidade, em todo o mundo, antes mesmo de ser posto em prática entre os muitos milhões na Rússia. Até então, quase todos os líderes da humanidade foram atraídos por ele, o que constitui um testemunho fiel da justiça do seu método.
Além disso, mesmo teoricamente, as suas palavras têm mérito, e ninguém conseguiu refutar a sua visão histórica de que a humanidade avança lenta e gradualmente, como se subisse uma escada. Cada degrau nada mais é do que a negação do anterior, pelo que cada movimento e fase que a humanidade adota no governo político é apenas a rejeição do estado que o precedeu.
A duração de cada fase política é apenas o tempo necessário para que as suas carências e injustiças se revelem. À medida que os seus defeitos se tornam evidentes, abre-se caminho para uma nova fase, liberta desses mesmos males. Assim, as imperfeições que emergem numa determinada conjuntura e a destroem são, na verdade, as forças impulsionadoras da evolução humana, pois elevam a humanidade a um estado mais corrigido.
Do mesmo modo, as falhas da fase seguinte conduzem a humanidade a um terceiro estado, mais aperfeiçoado. Assim, sucessivamente, estas forças negativas que emergem nas diversas etapas tornam-se os instrumentos do progresso da humanidade. Através delas, sobe os degraus da escada da evolução. Elas cumprem fielmente a sua missão, que é conduzir a humanidade até ao último e mais desejável estado evolutivo, purificado de toda a ignomínia e imperfeição.
Neste processo histórico, Marx demonstrou como o governo feudal revelou as suas falhas e foi derrubado, dando lugar ao governo burguês. Agora, é chegada a hora de o governo burguês exibir as suas próprias carências e ser desmantelado, abrindo lugar a uma governação ainda melhor, que, segundo ele, será a governação do proletariado.
No entanto, é precisamente neste último ponto, onde nos promete que, após a destruição do governo burguês atual, será imediatamente instaurado um governo proletário, que se encontra a falha do seu método: a nova realidade diante de nós refuta esta premissa. Ele acreditava que o governo proletário seria o passo seguinte ao governo burguês e, por isso, determinou que, ao negar-se o governo burguês, um governo proletário emergiria instantaneamente. Contudo, a realidade demonstra que o passo seguinte à ruína do governo vigente não é a governação do proletariado, mas sim o domínio do nazismo ou do fascismo.
É evidente que ainda estamos a meio da jornada do desenvolvimento humano. A humanidade ainda não alcançou o nível mais alto da escada da evolução. Quem poderá prever quantos rios de sangue ainda terão de ser derramados antes que a humanidade alcance o nível desejado?
Para encontrarmos uma saída para este impasse, devemos compreender profundamente a lei gradual da evolução mencionada acima, sobre a qual ele baseou todo o seu método. Devemos saber que esta lei é inclusivapara toda a criação; todos os sistemas da natureza estão alicerçados nela, tanto os orgânicos como os inorgânicos, desde a espécie humana, com todas as suas propriedades idealistas, até ao mundo material.
Em todos estes domínios, não há nada que não obedeça à lei inflexível da evolução gradual, que resulta do choque entre duas forças opostas: 1) Uma força positiva, isto é, construtiva, e 2) Uma força negativa, ou seja, destrutiva.
Através da sua luta intensa e incessante, estas forças criam e aperfeiçoam toda a realidade, tanto no plano geral como no particular. Como já dissemos acima, a força negativa aparece no final de cada fase política, elevando-a para um estado superior. Assim, as fases sucedem-se uma à outra até alcançarem a sua perfeição última.
Tomemos como exemplo o planeta Terra: No princípio, era apenas uma esfera de gás nebuloso. Com o tempo, a força da gravidade dentro dela começou a concentrar os átomos num círculo mais compacto. Como resultado, essa esfera gasosa tornou-se uma esfera líquida de fogo.
Ao longo de eras de terríveis batalhas entre estas duas forças, a positiva e a negativa, a força de arrefecimento acabou por triunfar sobre a força do fogo líquido, formando uma crosta fina em torno da Terra, que se solidificou.
No entanto, o planeta ainda não estava livre da guerra entre as forças, e, passado algum tempo, a força ígnea emergiu vitoriosamente, irrompendo tumultuosamente das entranhas da Terra, quebrando a crosta fria e dura em pedaços, fazendo com que o planeta regressasse ao seu estado de esfera líquida de fogo. Então, iniciou-se uma nova era de batalhas, até que a força de arrefecimento voltou a prevalecer sobre a força ígnea, formando uma segunda crosta em torno da esfera, desta vez mais espessa, mais resistente e mais durável contra as erupções do fogo contido no seu interior.
Desta vez, durou mais tempo, mas, por fim, as forças líquidas voltaram a prevalecer, irrompendo das entranhas da Terra e fragmentando a crosta em pedaços. Mais uma vez, tudo foi arruinado e regressou ao estado de esfera líquida.
Assim, sucederam-se as eras, e, a cada vez que a força de arrefecimento triunfava, a crosta tornava-se mais espessa. Finalmente, as forças positivas subjugaram as negativas e alcançaram completa harmonia: os líquidos encontraram o seu lugar nas profundezas da Terra, e a crosta arrefecida tornou-se suficientemente espessa para permitir o surgimento da vida orgânica à sua superfície, tal como a conhecemos hoje.
Todos os corpos orgânicos se desenvolvem segundo a mesma ordem. Desde o momento em que são semeados até à sua maturação plena, atravessam centenas de estágios e transformações devido à contínua guerra entre as duas forças, a positiva e a negativa, tal como aconteceu com a Terra. Deste conflito resulta o amadurecimento do fruto.
Também todo o ser vivo inicia a sua existência como uma pequena gota de fluido. Através de um desenvolvimento gradual, passando por várias centenas de fases na luta entre estas forças opostas, acaba por se tornar “um grande boi, apto para todo o trabalho” ou “um grande homem, apto para todos os seus desígnios.”
Contudo, há uma distinção fundamental entre o boi e o ser humano: o boi já atingiu a sua fase final de desenvolvimento. No caso do homem, porém, a força material por si só não é suficiente para o levar à perfeição, pois a força do pensamento que nele reside é milhares de vezes mais valiosa do que a força material. Assim, para o ser humano existe uma nova ordem de desenvolvimento gradual, distinta da de qualquer outro animal: o desenvolvimento gradual do pensamento humano.
Além disso, sendo um ser social, o desenvolvimento individual não é suficiente. Ao invés, a perfeição final do indivíduo depende do desenvolvimento de todos os membros da sociedade. No que respeita ao desenvolvimento da capacidade intelectual da pessoa, nomeadamente a aptidão para discernir o que é bom ou mau para ela, ainda que não possamos considerar que o homem permaneça no estado primitivo, é evidente que ainda não atingiu a perfeição. Encontramo-nos, sim, a meio do caminho da nossa evolução, ainda sujeitos ao conflito entre as forças positivas e negativas, tal como descrevemos no caso da Terra, forças estas que são fiéis mensageiras da sua missão de conduzir a humanidade à sua completude.
Como disse, dado que o ideal socialista é o mais justo de todos os métodos, exige uma geração altamente desenvolvida, capaz de o assimilar e de agir em conformidade com ele. Uma vez que a humanidade atual se encontra nos degraus intermédios da escada do desenvolvimento, ainda imersa no conflito entre as forças positivas e negativas, não está ainda preparada para esta ideia sublime. Pelo contrário, está para ela ainda imatura, como um fruto verde. Assim, não só tem um sabor desagradável, como também a força negativa nele presente é prejudicial, chegando por vezes a ser um veneno letal. Esta é a desgraça desse povo, que tanto sofre precisamente por se encontrar num estado prematuro e carecer das qualidades elementares necessárias para a adoção desta governação justa.
O leitor não deve suspeitar que vejo esta questão sob uma perspetiva espiritual, pois o próprio Marx afirma o mesmo: ele admite que “no primeiro estágio da sociedade, as carências são inevitáveis.” Contudo, promete que “no mais elevado nível da sociedade cooperativa, quando desaparecer a hierarquia rígida das classes na divisão do trabalho, bem como a contradição entre o trabalho físico e o trabalho espiritual, quando o trabalho se tornar uma necessidade da vida e não um meio de subsistência, e quando, com o desenvolvimento multifacetado da personalidade, as forças produtivas crescerem e todas as fontes da sociedade jorrarem em abundância, então a estreita visão burguesa vai desaparecer, e a sociedade vai escrever o seu estandarte: ‘De cada um segundo as suas capacidades, a cada um segundo as suas necessidades.’” (Dado o impacto destas palavras no nosso tema, transcrevi o excerto na íntegra.)
Deste modo, ele próprio reconhece que é inútil esperar por uma governação completamente justa antes de a humanidade alcançar o nível mais elevado, antes de o trabalho em si próprio se tornar uma necessidade vital, ou seja, um princípio da vida, e não um meio de sustento. No entanto, ele determina que, enquanto a sociedade permanecer num nível inferior, deverá ser conduzida por uma governação cooperativa, apesar das suas falhas.
Mas, como dissemos acima, esta é a desvantagem do seu método. A Rússia Soviética já demonstrou que uma sociedade insuficientemente desenvolvida vai transformar a governação cooperativa na pior governação do mundo. Além disso, Marx assumiu que a fase seguinte à ruína da governação atual seria a governação dos trabalhadores, mas a realidade demonstrou que a governação subsequente à atual é a governação nazi ou fascista. Trata-se de um erro grave. E o pior de tudo é que a sua concretização ameaça, acima de tudo, a nação judaica, sem qualquer distinção de classe.
De facto, deveríamos aprender com a história. Primeiro, surge a questão: como é que um supervisor que abalou o mundo com o seu método cometeu um erro tão grave? Qual foi o obstáculo que o fez tropeçar? De facto, isso exige uma consideração séria e meticulosa das suas palavras.
Como foi dito anteriormente, ele baseou o seu método no materialismo histórico — ou seja, a sociedade desenvolve-se através das suas forças contraditórias, através de causa e consequência, de estado em estado. Quando a força negativa prevalece, ela arruina o estado, e um estado melhor surge no seu lugar, através da força positiva. Elas continuam a lutar até que, finalmente, a força positiva se manifeste por completo.
No entanto, isso implica que a perfeição da sociedade está garantida por defeito, uma vez que a força negativa não a vai abandonar antes de a levar à sua conclusão. Conclui-se que podemos sentar-nos tranquilamente e esperar pelo auto-desenvolvimento antecipado. Então, porque toda esta confusão com a táctica que ele nos impôs?
De facto, é uma questão tola, pois esta é a grande diferença entre o homem e o animal: Todos os animais dependem inteiramente da natureza. São totalmente incapazes de promover a natureza ou de se ajudarem a si próprios sem ela. Não é o caso do homem. Ele está dotado de poderes intelectuais que lhe permitem libertar-se das correntes da natureza e promovê-la. O seu caminho é imitar o trabalho da natureza e fazer o mesmo. Não espera que os pintos eclodam naturalmente, ou que a galinha venha aquecer os ovos. Em vez disso, constrói uma máquina que aquece os ovos e faz os pintos eclodirem, tal como a galinha natural.
E se ele faz isto em aspectos específicos, certamente o fará no que diz respeito ao desenvolvimento de toda a humanidade. Não vai depender das forças contraditórias, tornando-se um objecto nos seus conflitos. Pelo contrário, ele vai avançar a natureza e vai imitar totalmente o seu trabalho neste desenvolvimento. Vai organizar para si uma tática boa e conveniente para alcançar o final feliz em menos tempo e com menos sofrimento.
Foi isso que Marx pretendia com a sua táctica: a organização, os Conflitos de Classe, e a colocação de obstáculos para minar o regime capitalista. A sua táctica aliviaria as dores dos súbditos que sofrem, e o caminhar sobre as suas costas. Isso iria fortalecê-los para se tornarem seus próprios súbditos e apressaria o fim do regime ao contrário para dar lugar à governação feliz do proletariado. Numa palavra, a tática marxista transforma os objetos em sujeitos, estabelecendo para eles o desenvolvimento tal como o desejam.
Resumo: A base é a natureza do desenvolvimento humano através da conexão causal, que vemos como uma máquina natural para o desenvolvimento. A tática é uma espécie de máquina artificial para o desenvolvimento humano, semelhante à máquina natural. O benefício da tática é poupar tempo e diminuir a agonia.
Agora podemos começar a crítica ao seu método de forma simples. Está claro que, quando queremos criar uma máquina que substitua o trabalho da natureza, precisamos, primeiro, observar de perto o mecanismo da natureza. Posteriormente, podemos configurar um mecanismo artificial semelhante à máquina natural.
Por exemplo, se quisermos fazer uma máquina que substitua a barriga da galinha, que aquece os ovos e faz os pintos eclodirem, devemos primeiro compreender profundamente as forças e modos de desenvolvimento da natureza que operam na barriga da galinha. Observamo-las e fazemos uma máquina semelhante à barriga da galinha, que possa eclodir os pintos da mesma forma.
É igualmente pertinente no nosso caso. Quando queremos criar uma máquina que substitua a máquina do desenvolvimento humano natural, aqui também devemos, primeiro, examinar aquelas duas forças, a positiva e a negativa, que operam na natureza. É uma máquina através da qual a natureza realiza o processo de desenvolvimento. Então, também saberemos como estabelecer uma táctica que seja semelhante ao mecanismo da máquina de desenvolvimento natural da natureza, e que seja igualmente bem-sucedida no desenvolvimento da humanidade. Está claro que, se não compreendermos o mecanismo da máquina natural, o nosso substituto será inútil, pois a ideia fundamental aqui é imitar os modos naturais da criação e adaptar as formas artificiais para os substituir.
Para ser original, para definir as matérias em termos que evitem quaisquer erros por parte de qualquer um, devemos definir as duas forças, positiva e negativa, que operam na máquina do desenvolvimento humano por dois nomes: "egoísmo" e "altruísmo".
Não me refiro aos termos morais que usamos habitualmente, mas apenas ao aspecto material dessas forças, ou seja, ao ponto em que estão enraizadas no corpo do homem, de tal maneira que ele já não consegue libertar-se delas. Ou seja, no que diz respeito ao facto de estas serem forças activas na pessoa: 1) A força egoísta actua numa pessoa de forma semelhante a raios centrípetos [uma força que se direciona para o centro num movimento circular], atraindo-os do exterior para o interior da pessoa, e eles concentram-se dentro do corpo em si próprio. 2) O altruísmo funciona como raios centrífugos [uma força que se direciona para fora num movimento circular], que fluem do interior do corpo para o exterior.
Essas forças existem em todas as partes da realidade, em cada uma conforme a sua essência. Elas também existem no homem, de acordo com a sua essência. São os fatores principais em todas as nossas ações. Existem factos causados por uma força que serve para a existência individual de alguém. Isto é como uma força que atrai da realidade externa para o centro do corpo tudo o que é benéfico para si. Se não fosse através desta força, que serve o indivíduo, o próprio objecto não existiria. A isto chama-se "egoísmo".
Pelo contrário, existem factos que são causados por uma força que flui para beneficiar corpos fora de si. Esta força trabalha para beneficiar os outros, e pode ser chamada de "altruísmo".
Com estas distinções, chamo as duas forças que lutam entre si no caminho do desenvolvimento humano. Chamarei à força positiva uma "força altruísta" e chamarei à força negativa uma "força egoísta".
Pelo termo "egoísmo", não me refiro ao egoísmo original. Refiro-me ao "egoísmo estreito". Ou seja, o egoísmo original não é senão o amor próprio, que é toda a potência positiva e individualista da existência de alguém. Nesse sentido, não está em desacordo com a força altruísta, embora não a sirva.
No entanto, é da natureza do egoísmo que a forma como é utilizado o torna muito estreito, uma vez que é mais ou menos compelido a adquirir uma natureza de ódio e exploração dos outros para facilitar a própria existência. Além disso, não é um ódio abstracto, mas um ódio que se manifesta em actos de abusar do amigo para benefício próprio, tornando-se mais obscuro conforme os seus níveis, como enganar, roubar, assaltar e matar. A isto chama-se "egoísmo estreito", e nesse sentido está em desacordo com, e é completamente oposto, ao amor pelos outros. É uma força negativa que destrói a sociedade.
O seu oposto é a força altruísta. Esta é a força construtiva da sociedade, pois tudo o que se faz por outro só é realizado pela força altruísta, como já foi dito acima. Além disso, ela ascende nos seus níveis: 1) Os primeiros factos desta força construtiva são ter filhos e vida familiar. 2) Os segundos são beneficiar os parentes. 3) O terceiro é beneficiar o estado, 4) e o quarto é beneficiar o mundo inteiro.
Toda a causa da estruturação social é a força altruísta. Como dito acima, estes são os elementos que operam na máquina natural do desenvolvimento da humanidade, a força egoísta, que é negativa para a sociedade, e a força altruísta, a força positiva, que é positiva para a sociedade.
Na sua emulação da máquina natural de desenvolvimento, Marx considerou apenas os resultados dessas forças negativas e positivas, que são a construção e destruição que ocorrem na sociedade. Ele estabeleceu o plano da sua táctica com base neles e ignorou o que causa esses resultados.
Isto é semelhante a um médico que não nota a causa raiz de uma doença, mas trata o paciente apenas com base nos seus sintomas superficiais. Este método faz sempre mais mal do que bem, uma vez que é necessário levar em conta ambos: a causa da doença e a própria doença, e só depois é que se pode prescrever um remédio eficaz. A mesma carência existe na tática marxista: ele não levou em consideração as forças subjetivas na sociedade, mas apenas os aspectos construtivos e as falhas.
Como resultado, a direção da sua tática estava oposta à direção do propósito, pois enquanto a direção do propósito é altruísta, a direção da táctica era contrária. É claro que a governação cooperativa deve ser conduzida numa direcção altruísta, pois as próprias palavras "divisão justa" contêm uma percepção puramente altruísta, e estão completamente desprovidas do quadro do egoísmo.
O egoísmo esforça-se por usar o outro totalmente para si próprio. Para si, não existe qualquer justiça na realidade, desde que não esteja a trabalhar para o seu próprio benefício. A própria palavra "justiça" significa "relações mútuas e justas", o que é um conceito em favor do outro. E na mesma medida em que reconhece o direito do outro, perde necessariamente o seu próprio direito egoísta.
Acontece que o próprio termo "divisão justa" é altruísta. Factualmente falando, é impossível reparar as fendas que surgem na sociedade com uma divisão justa, a não ser por um altruísmo exagerado. Isso acontece porque a recompensa pelo trabalho espiritual é maior do que a do trabalho físico, e o trabalho do ágil é mais recompensador do que o trabalho do lento, e um solteiro deve receber menos do que alguém que tem uma família. Além disso, as horas de trabalho devem ser iguais para todos, e os frutos do trabalho devem ser iguais para todos. De facto, como podemos reparar estas divisões?
Estas são as divisões principais, mas elas ramificam-se em inúmeras outras divisões, como se mostra diante de nós na peça soviética. A única forma de as tapar é através de uma boa vontade altruísta, onde os trabalhadores espirituais renunciam a uma parte da sua quota em favor dos trabalhadores físicos, e os solteiros em favor dos casados... ou como o próprio Marx disse, “O trabalho em si vai tornar-se uma necessidade imperativa e não meramente um meio de subsistência.” Isto é nada menos do que uma direção completamente altruísta.
E dado que o regime pretendido deve estar na natureza altruísta, é necessário que a táctica que visa esse objetivo também esteja na mesma direção do objetivo, ou seja, numa direção altruísta.
No entanto, na tática marxista, encontramos a direção egoísta mais estreita. Esta é a direção oposta ao objetivo: o cultivo do ódio pela classe oposta, colocando obstáculos e arruinando o regime antigo, e cultivando entre os trabalhadores a sensação de que o mundo inteiro está a beneficiar à custa do seu trabalho. Todos estes aspectos intensificam excessivamente as forças egoístas estreitas entre os trabalhadores. Isso priva-os completamente da força altruísta que lhes é inerente por natureza. E se a tática está na direção oposta ao objetivo, como será possível alcançar esse objetivo?
Isto gerou a contradição entre a sua teoria e a nova realidade: Ele pensava que a fase subsequente ao regime burguês seria um regime cooperativo de trabalhadores, mas no final, somos testemunhas vivas de que, se o governo democrático burguês fosse arruinado agora, um regime nazi e fascista surgiria prontamente no seu lugar. Além disso, não será necessariamente através da guerra atual, mas sempre que o governo democrático for arruinado, um regime fascista ou nazi vai herdar o seu lugar.
Não há dúvida de que, se isto acontecesse, os trabalhadores seriam empurrados para trás mil anos. Teriam de esperar que vários regimes surgissem por causa e consequência até o mundo voltar ao regime democrático burguês atual. Tudo isto surgiu da tática egoísta que foi dada aos sujeitos que deveriam ser a governação dos trabalhadores e levou o movimento numa direcção oposta ao objectivo.
Devemos também ter em consideração que todos aqueles que estão a arruinar o processo natural da governação justa vieram efetivamente do proletariado e surgiram do seu meio, e não necessariamente os Soviéticos, mas a maioria dos nazis também eram inicialmente socialistas puros, assim como a maioria dos fascistas. Mesmo o próprio Mussolini foi inicialmente um entusiástico líder socialista. Isto completa o quadro de como a tática marxista levou os trabalhadores na direção completamente oposta ao objetivo.
De facto, é difícil determinar que uma matéria tão simples tenha sido negligenciada pelo criador do método marxista, especialmente porque ele próprio determinou que “Não há remédio para a sociedade cooperativa antes de desaparecer a hierarquia grosseira na divisão do trabalho e os conflitos entre o trabalho físico e o trabalho espiritual.” Assim, é claro que ele estava ciente de que uma sociedade cooperativa sem que os seus membros renunciem totalmente das suas quotas em favor do próximo é insustentável.
E como ele conhecia esse elemento altruísta que é obrigatório na sociedade, digo que ele não tinha de modo algum a intenção de nos oferecer um procedimento deliberado através da sua táctica. Pelo contrário, por um lado, o seu principal intuito era apressar, através dessa táctica, o fim da governação injusta existente, e, por outro, organizar o proletariado internacional e prepará-lo para ser uma força forte e decisiva quando o regime burguês fosse arruinado. Estes são dois fundamentos indispensáveis nas fases que facilitam o regime de uma sociedade cooperativa.
Nesse sentido, a sua táctica é uma invenção genial, sem paralelo na história. E quanto ao estabelecimento da sociedade harmoniosa, confiou na própria história para a completar, pois era-lhe evidente que, em tempos difíceis, quando o regime burguês começasse a ruir, a organização proletária encontrar-se-ia despreparada para assumir o governo. Nessa altura, os trabalhadores teriam de escolher entre duas opções: 1) ou autodestruir-se e deixar que os verdadeiros destruidores, os nazis e os fascistas, tomassem o leme do governo, ou 2) encontrar uma tática adequada que qualificasse os trabalhadores a assumirem a governação nas suas próprias mãos.
No seu pensamento, estava certo de que, ao chegarmos a um estado em que o proletariado internacional se tornasse uma força decisiva no mundo, reconheceríamos a validade do seu método, que nos trouxe até esse ponto, e nós próprios iríamos procurar o caminho para continuar a avançar em direção ao objetivo. Na verdade, nunca existiu um inventor que não deixasse a conclusão da sua obra para os seus sucessores.
Se analisarmos mais profundamente o seu método, veremos que, de facto, ele não poderia ter inventado para nós a táctica que completaria a qualificação dos trabalhadores, pois são dois procedimentos que se contradizem. Para criar o movimento mais rápido e aniquilar as governações dos opressores, teve de utilizar um procedimento na direcção do egoísmo mais estreito, ou seja, fomentar um ódio profundo à classe dos opressores, a fim de transformar a força negativa num instrumento capaz de destruir o antigo regime no menor tempo possível, organizando os trabalhadores nos laços mais fortes.
Por essa razão, teve de erradicar e neutralizar a força altruísta no proletariado, cuja natureza é tolerar e ceder perante os seus opressores. Para qualificar os trabalhadores no “socialismo prático”, de modo a que pudessem assumir o governo de fato, teria de utilizar um procedimento na direção altruísta, o que contradiz o “procedimento organizacional”. Assim, é forçoso que tenha deixado esse trabalho para nós de forma deliberada.
Ele não duvidou do nosso entendimento nem da nossa capacidade, pois a questão era tão evidente que um governo cooperativo só é viável com base no altruísmo. Assim, seríamos inevitavelmente levados a adoptar uma nova táctica na direção altruísta e a qualificar os trabalhadores para assumirem a governação de maneira prática e sustentável. No entanto, para o comentar, considerou necessário descrever-nos a forma de um governo justo do proletariado com as palavras abreviadas: “A sociedade vai fazer o seu lema: ‘De cada um de acordo com as suas capacidades, a cada um de acordo com o seu trabalho.’” Assim, até a pessoa mais cega perceberia que um governo justo é inconcebível sem uma sociedade altruísta no pleno sentido da palavra.
Dessa perspectiva, o marxismo não enfrentou qualquer confronto devido ao insucesso da experiência russa. E se o marxismo foi interrompido, foi apenas porque o seu papel no primeiro ato foi concluído, ou seja, a organização do proletariado internacional como uma força. Agora, devemos encontrar um caminho prático para qualificar o movimento a fim de assumir efetivamente a governação nas suas mãos.
Como foi dito acima, o procedimento atual deve seguir numa direção completamente oposta à da táctica anterior. Onde antes cultivamos um egoísmo excessivo, o que foi muito bem-sucedido no primeiro ato, agora devemos cultivar um altruísmo excessivo entre os trabalhadores. Isto é absolutamente indispensável para a natureza social do regime cooperativo. Assim, conduziremos o movimento com confiança para o seu papel prático de assumir a governação nas suas próprias mãos, na sua forma final e harmoniosa.
Sei que não é tarefa fácil inverter completamente a direcção do movimento, ao ponto de todos os que o ouvirem se sentirem queimados por ele, como se por água a ferver. No entanto, a dificuldade não é tão grande como se possa pensar. Podemos levar o movimento ao reconhecimento através de uma explicação adequada, demonstrando que o interesse da classe depende disto, “se subsiste ou perece”, se o movimento marxista vai continuar ou se vai entregar as rédeas do governo aos nazis e fascistas, as forças mais perigosas para o governo dos trabalhadores, que ameaçam fazer a humanidade recuar mil anos.
Quando as massas compreenderem isto, é certo que vão adotar facilmente a nova táctica prática que as vai levar a assumir efetivamente a governação. Quem não se lembra de como o mundo inteiro aguardava ansiosamente o desfecho bem-sucedido do regime soviético? E se tivessem sido bem-sucedidos, o mundo inteiro estaria indubitavelmente sob as rédeas do governo cooperativo. De facto, os russos não poderiam ter êxito, pois a direcção organizacional a que as massas estavam habituadas era a do egoísmo, necessária no primeiro ato, e que, pela sua própria natureza, é uma força que destrói o governo cooperativo.
Antes que o método seja aceite, ainda é prematuro falar em detalhe sobre o programa prático desta direção, especialmente porque o ensaio já se tornou demasiado extenso. Em termos breves, podemos dizer que devemos estabelecer uma disseminação, científica e prática, que instale com firmeza na opinião pública a convicção de que qualquer membro que não se destaque em altruísmo é como um predador indigno de estar entre os seres humanos, até que cada um se sinta dentro da sociedade como um assassino ou um ladrão.
Se nos dedicarmos sistematicamente a difundir esta ideia com os métodos adequados, não será necessário um processo demasiado longo. O hitlerismo prova que, num curto período de tempo, um país inteiro pode ser virado do avesso através da propaganda e aceitar a sua noção absurda.
Agora que os factos históricos esclareceram qual o caminho correcto que o movimento deve seguir a partir de agora, apelo urgentemente aos nossos trabalhadores. Como dissemos acima, as nações do mundo podem esperar, sobretudo agora que há uma convulsão global e que primeiro devemos libertar-nos do perigo hitleriano. Mas nós não temos tempo a perder. Peço-vos que prestem atenção de imediato a este novo método que proponho e que denomino “socialismo prático”, pois até agora o papel do socialismo, na minha visão, foi meramente o de um “socialismo organizacional”, como dito anteriormente.
Se o meu método for aceite, devemos também alterar a táctica exterior, onde, em vez da antiga arma do ódio de classe e do ódio à religião, será dada uma nova arma: o ódio ao egoísmo excessivo dos proprietários. Este método é eficaz para a sua tarefa sob todos os ângulos, pois não só a classe oposta será incapaz de se defender com os densos escudos dos dogmas morais e religiosos, como também vai arrancar pelo caminho as diversas ervas daninhas do nazismo e do fascismo, que se enraizaram fortemente dentro do próprio proletariado e põem em risco a sua existência, como foi dito acima.
Devemos também ter em conta a beleza desta arma, que é altamente apelativa e pode unir a nossa juventude em torno dela. De facto, a mudança não se dá tanto na tática, mas sim no resultado. Até agora, ao lutar contra a privação da classe, o combatente olhava sempre através da perspectiva tacanha possessiva e egoísta, pois sentia que protegia o que era seu. Assim, juntamente com a sua luta, a força egoísta excessiva aumentava nele, e os próprios guerreiros ficavam presos na mesma perspectiva burguesa.
Isto também é muito diferente da abordagem dos proprietários, pois estes acreditam ter direito absoluto de todos os lados, sustentados pela lei, pela religião e pela ética, protegendo-se por todos os meios. No entanto, quando se combate o egoísmo dos proprietários a partir de uma perspectiva ampla, baseada numa percepção altruísta, o resultado é que a força do altruísmo cresce dentro dos combatentes na medida do nível da sua luta. Assim, a legitimidade dos proprietários torna-se extremamente frágil, e eles já não conseguem defender-se, pois este tipo de guerra depende em grande medida da própria percepção ética e religiosa dos proprietários.
Deste modo, o meu método contém a fundação para a unidade nacional, pela qual estamos tão sedentos neste momento. Presumivelmente, a própria história já derrubou muitas das divisões políticas entre nós, pois já não conseguimos distinguir entre não-sionistas, sionistas espirituais, sionistas políticos, territorialistas, etc. Agora que todas as esperanças de respirar ar livre fora da nossa terra foram desfeitas, até os mais devotos não-sionistas se tornaram, por necessidade, sionistas práticos de pleno direito. Assim, em princípio, a maioria das cisões entre nós foi sanada.
Contudo, continuamos a sofrer com duas divisões terríveis: 1) a divisão de classe; 2) a divisão religiosa. Não devemos minimizá-las de forma alguma, nem podemos esperar livrar-nos delas por completo. No entanto, se o meu novo método de “socialismo prático”, que propus, for aceite pelo movimento, vamos livrar-nos, de uma vez por todas, da divisão de classe, que tem sido como uma cunha cravada nas costas da nação.
Como foi dito acima, a nova táctica inspira-se amplamente na religião e não se dirige contra os pecadores abusivos, mas apenas contra os seus pecados, somente contra o egoísmo desprezível que há dentro deles. Na verdade, essa mesma luta vai desenvolver-se também, em parte, dentro do próprio movimento, o que vai levar inevitavelmente ao fim do ódio de classe e do ódio religioso. Conseguiremos compreender-nos mutuamente e alcançar a completa unidade da nação, com todas as suas facções e partidos, como este tempo de perigo para todos nós exige. Esta é a garantia da nossa vitória em todas as frentes.


Sobre a Questão do Momento
Estamos exaustos com as informações contraditórias que recebemos diariamente sobre a entrada da Itália na guerra. Ora nos asseguram que Mussolini não vai ousar enfrentar os Aliados, ora que está prestes a entrar na guerra. As mudanças são diárias e os nervos estão à flor da pele. Todos os indícios apontam para que estas informações sejam fabricadas e apresentadas por uma máquina de propaganda Hitler-Mussolini, cujo único objetivo é enfraquecer-nos psicologicamente.
Seja como for, devemos procurar refúgio contra esta manipulação. Temos de nos afastar de imediato destas notícias duvidosas e tentar seguir por nós próprios os factores determinantes, para compreendermos os movimentos desconcertantes de Hitler e Mussolini.
Mas, acima de tudo, devemos prestar atenção ao conteúdo do acordo entre eles. Sabemos que assinaram dois contratos: O primeiro foi meramente um acordo político, a que chamaram “Eixo Roma-Berlim”. O seu conteúdo consistia em assistência política mútua e na divisão de certas zonas de influência entre ambos. Em consequência desse acordo, Hitler forneceu apoio político a Mussolini na sua guerra na Etiópia, e Mussolini fez o mesmo por Hitler nas suas aventuras anteriores à guerra, e continua a fazê-lo. 2) Perto da eclosão da guerra, firmaram um segundo pacto, de natureza militar, cujo conteúdo nos é desconhecido. No entanto, sabemos, em termos gerais, que se comprometeram a prestar assistência militar efetiva um ao outro.
Há provas suficientes para supor que não se comprometeram a entrar imediatamente em guerra em conjunto, como no pacto entre Inglaterra e França. Este acordo foi inteiramente impulsionado por Hitler, que procurava proteger-se contra qualquer problema que pudesse surgir, caso se encontrasse em dificuldades militares e precisasse da ajuda da Itália. Nessa altura, o acordo obrigaria a Itália a prestar-lhe assistência, mediante o convite de Hitler e, naturalmente, sob certas condições relativas à divisão dos despojos.
Mas, essencialmente, Hitler não pensava que iria precisar da assistência militar de Itália. Havia duas razões para tal: 1) Confiava na sua própria força e não tinha grande consideração pelas capacidades militares italianas. 2) Mesmo o acordo político anterior, o “Eixo Roma-Berlim”, já lhe garantia uma assistência militar substancial, pois, através de meras manobras políticas, a Itália podia manter ocupadas muitas das forças inimigas nas suas fronteiras. Isto não estava longe de um envolvimento ativo na guerra. Assim, Hitler não tinha qualquer desejo real de incluir Mussolini na sua campanha. O pacto militar que firmou com ele destinava-se apenas a um cenário de crise militar, obrigando Mussolini a prestar-lhe auxílio de forma explícita, mediante convite de Hitler, sem que a iniciativa estivesse, de modo algum, nas mãos do líder italiano.
Por outro lado, Mussolini via nesta guerra a oportunidade de concretizar todos os seus planos fascistas para restaurar o antigo Império Romano. Não poderia desejar momento mais propício do que combater ao lado de Hitler. Sem dúvida, anseia pelo momento em que Hitler o chame para a guerra. Contudo, é evidente que Hitler ainda não perdeu a confiança na sua própria força e, por ora, não tem qualquer vontade de o envolver no conflito ou, por outras palavras, de partilhar os despojos com ele.
Conclui-se, então, que, enquanto não houver sinais claros de uma crise real nos exércitos de Hitler, não há razão para temer as ameaças de Mussolini nem as suas preparações para a guerra. Estas não passam de astutas manobras militares destinadas a manter os Aliados retidos nas suas fronteiras e a enfraquecê-los na frente de batalha tanto quanto possível, de acordo com os termos do pacto do “Eixo Roma-Berlim”. (Enquanto escrevíamos, chegou a informação de que a Itália entrou na guerra, pelo que o ensaio foi interrompido a meio. Terminaremos o artigo de acordo com a nova realidade.)
Agora que a entrada da Itália na guerra se tornou um facto, muitas coisas foram esclarecidas, se analisarmos os acontecimentos segundo a linha que traçamos. Agora sabemos com certeza que, na última batalha, Hitler enfrentou uma crise real e que o seu poder se esgotou completamente. Caso contrário, não há dúvida de que não teria chamado a Itália para a guerra. Por essa razão, a adesão da Itália ao conflito é, de certo modo, uma boa notícia no que diz respeito ao declínio da Alemanha. Esperemos que a assistência italiana não a salve e que a vitória dos Aliados seja agora mais certa do que nunca.


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