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Michael Laitman

Biblioteca de Cabala "Principal" / Baal HaSulam / Artigos / A Essência da Religião e o Seu Propósito

A Essência da Religião e o Seu Propósito

Neste artigo, gostaria de abordar três questões:
1) Qual é a essência da religião?
2) O seu propósito destina-se a este mundo ou ao mundo vindouro?
3) O seu propósito é beneficiar o Criador ou os seres criados?

À primeira vista, o leitor poderá surpreender-se com as minhas palavras e não compreender estas três perguntas que apresento como tema deste ensaio. 1) Pois quem não sabe o que é a religião? 2) E, sobretudo, a sua recompensa e punição, que esperamos alcançar, especialmente, no mundo vindouro? E escusado será dizer, em relação à terceira questão, que todos sabem que a religião existe para beneficiar os seres criados, orientando-os para o prazer e a felicidade. Que mais haveria a acrescentar a isto?
De facto, não tenho mais nada a acrescentar. Contudo, por estarem tão familiarizados com estes três conceitos desde a infância, não os analisam ou aprofundam ao longo da vida, o que revela a falta de compreensão em relação a estas questões sublimes, que constituem, necessariamente, a base sobre a qual assenta toda a estrutura da religião.
Por conseguinte, digam-me: como é possível que uma criança de doze ou treze anos compreenda plenamente estas três noções subtis, e de tal forma que não necessite de qualquer aprendizagem adicional ao longo da sua vida?
De facto, aqui reside o problema! Pois esta suposição precipitada trouxe consigo toda a imprudência e conclusões irrefletidas que surgiram no nosso mundo nesta geração, levando-nos a um estado em que quase perdemos completamente o controlo da segunda geração.

O Bem Absoluto
Para evitar cansar os leitores com longas discussões, baseei-me em tudo o que escrevi no ensaio anterior ["A Arvut"], e especialmente no que foi explicado no ensaio "A Entrega da Torá - Matan Torá", que funcionam como um prefácio para o assunto sublime que se segue. Aqui, falarei de forma breve e simples, para que fique claro para todos.
Primeiro, devemos entender o Criador: Ele é o bem absoluto. Isto significa que é totalmente impossível que Ele cause qualquer sofrimento a alguém. E consideramos isto como sendo o primeiro conceito, pois o senso comum demonstra claramente que a origem de qualquer mal no mundo reside apenas no desejo de receber.
Isto significa que a ânsia de nos beneficiarmos faz com que prejudiquemos os outros devido ao nosso desejo de satisfação pessoal. Assim, se nenhum ser encontrasse contentamento ao favorecer-se a si próprio, nenhum ser prejudicaria jamais o outro. E se, por vezes, encontramos algum ser que prejudica outro sem qualquer desejo de receber para o seu próprio prazer, ele fá-lo apenas por um hábito antigo, que teve origem no desejo de receber, um hábito que agora o dispensa de procurar uma nova razão.
Como nos é evidente que o Criador é completo em Si mesmo e por Si mesmo e não necessita de ninguém para O ajudar a alcançar a perfeição, pois Ele precede tudo, torna-se claro que Ele não possui qualquer desejo de receber. E porque não tem desejo de receber, está, por essência, desprovido de qualquer desejo de prejudicar quem quer que seja, sendo isto algo evidente.
Além disso, parece-nos perfeitamente lógico, como o primeiro conceito, que Ele possua o desejo de doar o bem aos outros, ou seja, às Suas criaturas. Isto é claramente demonstrado pela grandiosa criação que Ele estabeleceu e colocou diante de nós, pois neste mundo existem seres que inevitavelmente experienciam sensações de prazer ou dor, e essas sensações provêm necessariamente do Criador. Assim torna-se absolutamente claro que não existe na natureza do Criador qualquer intenção de prejudicar, e conclui-se que as criaturas recebem apenas benefícios d’Ele, dado que Ele as criou apenas para lhes doar.
Concluímos, assim, que Ele possui apenas o desejo de doar o bem e que é completamente impossível que exista qualquer mal na Sua essência, capaz de emanar d’Ele. Daí que O definimos como "o bem absoluto". Tendo aprendido isto, vamos olhar para a realidade concreta, orientada por Ele, e como Ele apenas lhe doa bondade.

A Sua Orientação É uma Orientação Propositada
Ao observarmos os sistemas da natureza, compreendemos que qualquer ser dos quatro tipos — inanimado, vegetativo, animal e falante —, tanto no seu conjunto como em particular, está sob uma orientação propositada, ou seja, um crescimento lento e gradual através de causa e efeito, como um fruto na árvore, que é bem conduzido até ao seu desfecho final de se tornar um fruto doce e belo.
Vá e pergunte a um botânico quantas fases o fruto atravessa desde que se torna visível até estar completamente maduro. Não só as fases anteriores não revelam qualquer indício do seu desfecho doce e belo, como, num paradoxo aparente, mostram o oposto do resultado final. Ou seja, quanto mais doce o fruto se torna no fim, mais amargo e disforme é nas fases iniciais do seu desenvolvimento.
Assim acontece com os tipos animal e falante: o animal, cuja mente é limitada no seu estado final, não revela grandes falhas durante o seu crescimento, ao passo que o homem, cujo intelecto é grandioso no seu desfecho, apresenta-se muito imperfeito ao longo do seu desenvolvimento. “Um bezerro com um dia de vida já é chamado boi”, significa que já tem força para se manter de pé e caminhar, bem como a inteligência para evitar perigos no seu caminho. Mas um bebé com um dia de vida permanece aparentemente amorfo. Se alguém não habituado aos processos do mundo observasse estes dois recém-nascidos, concluiria certamente que o bebé humano não será nada e que o bezerro se vai transformar num novo Napoleão, se julgasse apenas pela sabedoria do bezerro em comparação com a aparente insensatez da criança.
Deste modo, torna-se evidente que a orientação divina sobre a realidade criada é uma orientação propositada, sem considerar a ordem das fases de desenvolvimento, pois estas iludem-nos e impedem-nos de compreender o seu propósito, apresentando-se sempre como o oposto da sua forma final.
É sobre estes assuntos que dizemos: “Não há ninguém mais sábio do que o experiente.” Só quem é experiente tem a oportunidade de observar a criação em todas as suas fases de desenvolvimento, até à sua conclusão, e pode manter a serenidade para não temer as imagens distorcidas que a criação apresenta durante as suas fases de desenvolvimento, mas sim acreditar no seu desfecho bom e puro. A razão desta ordem gradual, que é obrigatória para cada ser, é explicada detalhadamente na sabedoria da Cabala, e não há aqui nada mais a acrescentar.
Assim, demonstramos claramente que os modos da Sua orientação no nosso mundo, são apenas uma orientação propositada. O atributo da bondade não se revela de modo algum antes da criação alcançar a sua conclusão, o seu estado final de maturidade. Pelo contrário, reveste sempre uma aparência de corrupção aos olhos dos que a contemplam. Assim, vemos que o Criador doa apenas bondade às suas criaturas, mas essa bondade manifesta-se através de uma orientação propositada.

Dois Caminhos: O Caminho do Sofrimento e o Caminho da Torá
Mostrámos que o Criador é o bem absoluto. Ele cuida-nos com total benevolência, sem qualquer indício de maldade, e com uma orientação propositada. Isto significa que a Sua orientação obriga-nos a atravessar uma série de fases, através de causa e efeito, precedência e consequência, até que estejamos aptos a receber o benefício desejado. Nesse momento, alcançaremos o nosso propósito, como um fruto maduro e belo. Compreendemos assim que esse propósito está garantido para todos, o contrário seria duvidar da Sua orientação, alegando que é insuficiente para alcançar o seu objectivo.
Os nossos sábios disseram: “Shechina [Divindade] nos inferiores — uma grande necessidade.” Isto quer dizer que, uma vez que a Sua orientação é propositada e visa eventualmente conduzir-nos à Dvekut [adesão] com Ele, para que Ele habite em nós, isto é considerado uma grande necessidade, ou seja, se não alcançarmos esse estado, veremos a sua orientação como imperfeita.
Isto é semelhante a um grande rei que teve um filho na velhice e amava-o profundamente. Assim, desde o dia do seu nascimento, pensou apenas no melhor para ele. Reuniu os livros mais sábios e preciosos do reino e construiu-lhe uma escola. Mandou chamar os melhores construtores e edificou palácios de prazer. Reuniu todos os músicos e cantores e construiu salas de concertos, e convocou os melhores padeiros e cozinheiros para lhe proporcionarem todas as iguarias do mundo.
Mas, infelizmente, o filho cresceu insensato, sem desejo de conhecimento. Era cego e incapaz de ver ou sentir a beleza dos edifícios. Era também surdo e incapaz de ouvir os poemas e a música. Além disso, estava doente, sendo autorizado a comer apenas pão de farinha grosseira, o que gerou desprezo e indignação.
Apesar de ser possível acontecer tal coisa a um rei de carne e osso, não se pode dizer o mesmo do Criador, onde não há possibilidade de engano. Por isso, Ele preparou para nós dois caminhos de desenvolvimento:
1) O primeiro é o caminho do sofrimento, que é o processo natural de desenvolvimento da criação a partir de si mesma. Pela sua própria natureza, é forçada a seguir uma via de causa e efeito em estados sucessivos e variados, que nos desenvolvem lentamente até chegarmos à resolução de escolher o bem e rejeitar o mal, e estarmos aptos para o propósito que Ele deseja. Mas esse caminho é de facto longo e doloroso.
2) Portanto, Ele preparou para nós um caminho agradável e bom, que é o caminho da Torá e das Mitzvot, que nos pode qualificar para o nosso propósito de forma indolor e rápida.
Conclui-se, então, que o nosso objectivo final é estarmos aptos para a Dvekut com Ele — para que Ele habite em nós. Esse objectivo é uma certeza e não há forma de nos desviarmos dele, pois a Sua orientação supervisiona-nos em ambos os caminhos: o caminho do sofrimento e o caminho da Torá. Contudo, ao observarmos a realidade, verificamos que a Sua orientação opera simultaneamente em ambos os caminhos, aos quais os nossos sábios se referem como “o caminho da terra” e “o caminho da Torá”.

A Essência da Religião É Desenvolver em Nós o Sentido de Reconhecimento do Mal

Os nossos sábios dizem: “Porque haveria o Criador de se importar se a pessoa mata pela garganta ou pela nuca? Afinal, as Mitzvot [mandamentos] foram dadas apenas para purificar as pessoas” (Bereshit Rabbah 44a). Essa purificação foi amplamente esclarecida no artigo “Matan Torá”, Item 12, mas aqui pretendo esclarecer a essência desse desenvolvimento, que é alcançado através da prática da Torá e das Mitzvot [mandamentos].
Tenha em consideração que é o reconhecimento do mal dentro de nós que permite que o envolvimento nas Mitzvot purifique lenta e gradualmente aqueles que neles se envolvem. E a escala pela qual medimos os níveis de purificação é a medida do reconhecimento do mal em nós.
O ser humano está naturalmente predisposto a repelir e eliminar qualquer mal que exista dentro de si. Nesse aspecto, todas as pessoas são iguais. No entanto, a diferença entre uma pessoa e outra reside apenas no nível de reconhecimento do mal:
1) Uma pessoa mais desenvolvida reconhece em si uma maior quantidade de mal e, consequentemente, repele e elimina esse mal de si numa proporção maior.
2) A pessoa menos desenvolvida sente em si apenas uma pequena quantidade de mal e, por isso, repelirá apenas uma pequena parte dele. Como resultado, deixa toda a sua impureza dentro de si, pois não a reconhece como tal.
Para não cansar o leitor, esclareceremos o significado geral de bem e mal, conforme explicado no artigo “Matan Torá”, Item 12. O mal, em termos gerais, não é mais do que o amor-próprio, denominado “egoísmo”, pois é oposto na forma ao Criador, que não tem qualquer desejo de receber para Si próprio, mas apenas de dar.
Explicamos em “Matan Torá”, Itens 9 e 11, que:
1) O prazer e a sublimidade são medidos pela extensão da equivalência de forma com o Criador.
2) O sofrimento e a intolerância são medidos pela extensão da disparidade de forma em relação ao Criador. Assim, o egoísmo é desprezível e causa-nos dor, pois a sua forma é oposta à do Criador.
Contudo, essa repugnância pelo egoísmo não é sentida de forma igual por todos. Ao invés é dada em medidas variadas:
A pessoa insensível e pouco desenvolvida não reconhece o egoísmo como algo mau. Assim, usa-o abertamente, sem vergonha ou restrição, roubando e matando à luz do dia sempre que tem oportunidade.
As pessoas um pouco mais desenvolvidas sentem, em certa medida, que o egoísmo é mau e, pelo menos, têm vergonha de o usar em público, evitando roubar e matar abertamente. No entanto, continuam a cometer crimes em segredo, assegurando-se de que ninguém os veja.
As pessoas ainda mais desenvolvidas consideram o egoísmo tão repulsivo que não o conseguem tolerar em si mesmas e rejeitam-no completamente, na medida em que o detectam, até que não conseguem nem querem beneficiar do trabalho dos outros. Nesse momento, começam a surgir nelas centelhas de amor ao próximo, chamado “altruísmo”, que é a qualidade geral do bem.
Esse desenvolvimento, porém, acontece de forma gradual. Primeiro, desenvolve-se o amor e o desejo de beneficiar a família e os parentes, conforme o versículo: “Não ignores a tua própria carne.” À medida que a pessoa se desenvolve mais, o atributo de doação expande-se para todas as pessoas ao seu redor, à sua comunidade ou nação. E assim vai aumentando, até que finalmente desenvolve o amor por toda a humanidade.

Desenvolvimento Consciente e Desenvolvimento Inconsciente
Tenham em consideração que há duas forças que nos impulsionam a subir os degraus da escada acima referida, até alcançarmos o seu topo, nos céus, que é o ponto propositado de equivalência de forma com o nosso Criador. A diferença entre essas duas forças é que a primeira nos impulsiona involuntariamente, ou seja, não é da nossa escolha. Esta força empurra-nos por trás, sendo designada “de trás”. Definimo-la como “a via da dor” ou “o caminho da terra”.
Dessa via deriva a filosofia da moral, chamada “ética”, que se baseia no conhecimento empírico, através da análise da razão prática. A essência desse ensinamento consiste num resumo dos danos evidentes que resultam dos nucleões do egoísmo.
Essas experiências chegam até nós por acaso, sem serem fruto da nossa escolha consciente, mas conduzem-nos inevitavelmente ao seu objetivo, pois a imagem do mal torna-se cada vez mais clara aos nossos sentidos. E, na medida em que reconhecemos os seus danos, afastamo-nos dele e subimos para um degrau mais alto na escada.
A segunda força impulsiona-nos voluntariamente, ou seja, pela nossa própria escolha. Essa força puxa-nos pela frente e é chamada “por diante”. Definimo-la como “o caminho da Torá e das Mitzvot [Mandamentos]”, pois o envolvimento nas Mitzvot e o trabalho para trazer contentamento ao Criador desenvolve em nós, rapidamente, o sentido de reconhecimento do mal, como demonstrámos no artigo “Matan Torá”, Item 13.
Aqui beneficiamos duplamente:
1) Não precisamos de esperar pelos golpes da vida que nos empurram por trás, cuja intensidade é medida apenas pela quantidade de sofrimento e destruição que nos são infligidas pela descoberta do mal dentro de nós. Ao invés, ao trabalharmos para o Criador, esse reconhecimento desenvolve-se sem qualquer sofrimento ou ruína prévia. Pelo contrário, através da amabilidade subtil que sentimos ao trabalhar unicamente para Ele, com o propósito de Lhe proporcionar contentamento, desenvolve-se em nós um reconhecimento relativo da vileza destas centelhas de amor-próprio—que são obstáculos no caminho para receber o sabor subtil da doação ao Criador. Assim, o sentido de reconhecimento gradual do mal evolui em nós através de momentos de deleite e grande tranquilidade, pela receção do bem enquanto servimos o Criador, devido à sensação de simpatia e amabilidade que nos alcança através da equivalência de forma com o nosso Criador.
2) Ganhamos tempo, pois Ele opera segundo “a nossa própria vontade”, permitindo-nos intensificar o nosso trabalho e acelerar o tempo na medida da nossa vontade.


A Religião Não Existe em Prol do Povo, Mas em Prol do Praticante
Muitos se enganam ao comparar a nossa sagrada Torá com a ética. Mas isso acontece porque nunca experienciaram a verdadeira religião nas suas vidas. Faço-lhes um apelo: “Provem e vejam que o Senhor é bom.” É verdade que tanto a ética quanto a religião visam o mesmo objetivo — elevar o homem acima da imundície do limitado amor-próprio e levá-lo ao ápice do amor ao próximo.
Contudo, ainda assim, estão tão distantes uma da outra quanto a distância entre o pensamento do Criador e o pensamento humano. Pois a religião provém dos pensamentos do Criador, ao passo que a ética nasce dos pensamentos do ser humano e das experiências da sua vida. Por conseguinte, existe uma diferença evidente entre elas, tanto nos aspetos práticos como no objetivo final.
1) Pois o reconhecimento do bem e do mal que se desenvolve em nós através da ética, tal como a utilizamos, é relativo ao sucesso da sociedade.
2) Já na religião, o reconhecimento do bem e do mal que se desenvolve em nós com a sua prática, é relativo apenas ao Criador, ou seja, de disparidade de forma com o Criador até alcançar a equivalência de forma com Ele, chamada Dvekut [adesão], conforme esclarecido no artigo “Matan Torá”, Itens 9-11.
Elas também diferem completamente quanto ao objetivo:
1) O objetivo da ética é o bem-estar da sociedade, segundo a razão prática, que deriva das experiências da vida. Mas no final, esse objetivo não assegura ao praticante qualquer elevação acima dos limites da natureza. Por isso, esse objetivo está sujeito a críticas, pois quem poderá provar a um indivíduo, de maneira inequívoca, o grau de benefício que vai obter, de modo tão definitivo que será compelido a diminuir, ainda que ligeiramente, o seu próprio ego em prol do bem-estar da sociedade?
2) O objetivo religioso, por outro lado, assegura o bem-estar do indivíduo que o segue, pois já demonstrámos que, ao alcançar o amor ao próximo, ele entra em Dvekut direta, ou seja, equivalência de forma com o Criador. Com isso, o homem transcende o seu mundo limitado, repleto de sofrimento e impedimentos, e passa para um mundo amplo e eterno, de doação ao Criador e aos homens.
Há também uma diferença significativa quanto ao apoio:
1) O envolvimento na ética é sustentado pelo favor das pessoas, o que funciona como uma renda que, finalmente, compensa. Quando alguém se habitua a esse trabalho, já não consegue ascender nos níveis da ética, pois acostumou-se a ser recompensado pela sociedade, que paga pelas suas boas ações.
2) Contudo, ao cumprir a Torá e as Mitzvot com o propósito de trazer contentamento ao Criador, sem esperar qualquer recompensa, ele sobe os degraus da ética precisamente na medida do seu envolvimento, uma vez que não há pagamentos no seu caminho, e cada pequeno centavo é somado a uma grande quantidade. Por fim, obtém uma segunda natureza, que é a doação ao próximo sem qualquer receção para si, exceto o indispensável para a sua subsistência.
Assim, ele liberta-se verdadeiramente dos encarceramentos da criação, pois, quando alguém abomina qualquer receção para si e a sua alma despreza os pequenos prazeres físicos e a honra, encontra-se a vaguear livremente no mundo do Criador, estando garantido que nenhum mal ou infortúnio lhe acontecerá, dado que todos os danos surgem ao homem apenas devido à receção para si mesmo, imposta pela sua natureza inata.
Assim, demonstramos de forma detalhada que o propósito da religião é exclusivamente para o indivíduo que nela se envolve, e não para o uso ou benefício do público em geral, embora todas as suas ações girem em torno do benefício ao próximo e sejam medidas por essas ações. No entanto, isso é apenas uma passagem para o objetivo sublime, que é a equivalência com o Criador. Com isso, compreendemos que o propósito da religião é alcançado durante a vida enquanto vivemos neste mundo, como explicado detalhadamente no artigo “A Entrega da Torá - Matan Torá”, Item 6, sobre o propósito do público em geral e do indivíduo.
Quanto à recompensa no mundo vindouro, isso é uma questão distinta, que explicarei num ensaio separado.